Mauro Cid falou palavra ‘golpe’ diversas vezes em delação à PF, ao contrário do que afirma postagem

Publicação de Bolsonaro divulga áudio em que tenente-coronel nega ter dito o termo, mas vídeos do depoimento contradizem a versão; ex-presidente foi procurado, mas não respondeu

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Foto do author Gabriel Belic

O que estão compartilhando: áudio em que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), diz que nunca falou a palavra “golpe” em delação premiada.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O áudio é verídico e foi divulgado pela revista Veja em janeiro deste ano, mas vídeos da delação premiada à Polícia Federal desmentem a versão de Mauro Cid. Na realidade, a palavra “golpe” foi registrada em diferentes momentos do depoimento. Em outros trechos, apesar de não citar especificamente o termo, ele faz referências claras a movimentações golpistas. Veja mais detalhes abaixo.

O autor da postagem checada é o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele foi procurado, mas não retornou até o encerramento desta checagem.

Mauro Cid falou palavra ‘golpe’ em delação à PF, ao contrário do que sugere postagem Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: em uma postagem nas redes sociais, Bolsonaro compartilha um áudio do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, em que ele nega ter falado a palavra “golpe”. “A máscara está caindo”, escreve o ex-presidente na publicação.

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“Cara, vou te dizer, esse troço tá entalado, cara. Tá entalado, você viu como o cara botou a palavra golpe, cara?”, diz Cid no áudio divulgado. “Eu não falei uma vez a palavra golpe”.

A gravação é verídica e foi registrada no primeiro semestre de 2024, conforme revelado pela revista Veja em janeiro deste ano. Segundo a reportagem, não foi possível identificar em qual depoimento de Cid teria ocorrido a suposta inclusão indevida da palavra “golpe”. No entanto, o termo está, sim, presente nos relatos do ex-ajudante de ordens à PF.

O primeiro anexo da delação premiada de Cid foi em agosto de 2023 – ou seja, cerca de um ano antes da gravação do áudio compartilhado por Bolsonaro nas rede sociais. Na ocasião, o ex-ajudante de ordens mencionou a palavra “golpe” em diferentes momentos.

Conforme registrou o Estadão, Cid relatou à PF como aliados de Bolsonaro teriam divergido sobre a melhor estratégia a ser adotada após a derrota do ex-presidente nas eleições de 2022. Segundo o depoimento, havia braços “conservadores”, “moderados” e “radicais”.

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A ala “conservadora” foi descrita por Cid como uma “linha bem política”. Segundo o tenente-coronel, esse grupo era a favor de mandar os manifestantes bolsonaristas que acampavam próximo aos quartéis do Exército para casa, além de aconselhar Bolsonaro a se consolidar como líder da oposição.

Os “moderados” eram divididos em dois subgrupos, de acordo com Cid. Uma linha não concordava com “o caminho que o Brasil estava indo”, mas era contra uma tentativa de golpe.

“Eram pessoas, autoridades, que não concordavam muito com o caminho que o Brasil estava indo, com abusos jurídicos, prisões, da maneira como estavam sendo conduzidas as relações entre as instituições”, descreveu.

“Mas que sabiam que não tinha o que ser feito. Teve uma eleição e qualquer coisa que se falar aqui, agora, seria um golpe armado. Um golpe armado é um regime militar por mais 20, 30 anos”, continuou.

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O outro subgrupo de “moderados” defendia que Bolsonaro saísse do País. Cid disse que essa linha entendia que o ex-presidente deveria “descansar” e “refrescar a cabeça”.

O grupo de “radicais”, segundo o ex-ajudante de ordens, também era ramificado. Uma ala queria alegar fraude nas urnas eletrônicas para anular as eleições. A outra, por sua vez, defendia que Bolsonaro assinasse um “decreto”. O trecho está disponível a partir do minuto 17:30.

Conforme o relato de Cid, essa última ramificação “romantizava” o artigo 142 da Constituição Federal como fundamento para o golpe. Como mostrou o Verifica, o dispositivo foi erroneamente utilizado por apoiadores de Bolsonaro para defender intervenção militar.

O grupo que buscava algum tipo de fraude nas urnas era o mais pressionado por Bolsonaro, segundo o tenente-coronel. O ex-presidente teria exigido uma atuação mais “contundente” do general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa, em relação à Comissão de Transparência das eleições.

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Durante o depoimento, Cid opinou que houve adesão de diversos segmentos no golpe de Estado de 1964. Para ele, o mesmo não ocorreu em 2022: “Ele [Bolsonaro] não tinha o Congresso, não tinha jurídico, não tinha apoio internacional. Ele não tinha nada, era algo tão fora da casinha um golpe militar”.

Ele é interrompido por um dos agentes presentes, o qual diz que, embora esse seja o entendimento pessoal do tenente-coronel, as movimentações não caminharam para essa conclusão. “Era o que o pessoal queria, mas estrutura para você ter condições de dar um golpe, não tinha, não existia”, respondeu Cid. O trecho está disponível a partir do minuto 16:10.

Em outros momentos da delação, embora não fale especificamente a palavra “golpe”, Cid faz menção a movimentações golpistas. Ele diz, por exemplo, que os aliados “moderados” temiam que radicais levassem o ex-presidente a assinar uma “doideira”.

“Esse pessoal tinha muito medo do grupo radical trazer um assessoramento do presidente, ou alguma coisa, e o presidente fazer, assinar alguma coisa, uma ‘doideira’”, disse. O depoimento está disponível a partir do minuto 11:59.

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Procurada, a defesa de Mauro Cid afirmou que não tem “nada a manifestar”. O ex-presidente também foi procurado, mas não respondeu até o encerramento desta checagem.

Este conteúdo também foi desmentido pela agência de checagem Aos Fatos.

Como lidar com postagens do tipo: após o STF divulgar vídeos da delação premiada de Mauro Cid, os relatos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro têm sido utilizados para espalhar desinformação.

Uma publicação desmentida pelo Verifica, por exemplo, alegava que o tenente-coronel teria dito que Jair Bolsonaro não daria um golpe. O núcleo de checagem do Estadão mostrou que o conteúdo suprimiu partes em que Cid afirmou que o ex-presidente tinha “esperanças” sobre o plano golpista.

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