Normalmente, quando seus principais rivais geopolíticos estão atirando nos próprios pés, o manual militar diz que você deve recuar e apreciar o espetáculo. Mas não é cômodo ver a China jogando fora seu dinheiro e a Rússia jogando alimentos no lixo, pois no mundo interdependente de hoje todos somos afetados. Também não me alegro pelo fato de que nós, americanos, começamos a desperdiçar nossa mais importante fonte de vantagem competitiva - nosso pluralismo. Um dos nossos quatro partidos políticos enlouqueceu e passou a seguir o flautista de Hammelin, Donald Trump. Em primeiro lugar, observamos os líderes da China desperdiçando seu dinheiro na tentativa de escorar um mercado de ações ridiculamente sobrevalorizado, comprando ações que vêm perdendo valor com poupanças do governo para depois ver o mercado continuar a desmoronar - pois o fato de o governo estar intervindo sugeriu que ninguém sabia quanto essas ações realmente valiam. O Wall Street Journal informou no dia 30 que a estatal China Securities Finance Corporation já havia para tentar estabilizar o mercado. Como a bolsa de Xangai contabiliza fortes quedas desde então, o volume de dinheiro jogado fora pela China para escorar a valorização já irrealista deve ser assombroso. A equipe que administra a economia em Pequim está seriamente perdida. Mas líderes fazem coisas horríveis quando o pacto firmado pelo partido no poder com seu povo é: "governamos e vocês enriquecem". As bolsas em queda podem rapidamente levar a uma perda de legitimidade. Basta perguntar ao presidente russo, Vladimir Putin. Ele incendiou o leste da Ucrânia para desviar a atenção da classe média russa da má gestão da economia e a sua ilegitimidade. Putin decidiu que construir seu Vale do Silício era muito difícil. Então, para forjar sua legitimidade, preferiu o nacionalismo e, no lugar de criar um Vale do Silício, apoderou-se da Crimeia. Putin prefere o caminho da agressão ao dos microchips. Quando a euforia nacionalista com a anexação da Crimeia passou, Putin começou a jogar sanções contra a Rússia. Meu temor é que a euforia nacionalista com a queima de alimentos desapareça e Putin decida incendiar um outro vizinho. Estônia, por favor, tenha cuidado. nfelizmente, os EUA aderiram à queima de ativos. Estamos hoje num mundo onde todas as estruturas dirigentes autocráticas vêm sendo desafiadas. Isso é mais nítido no mundo árabe, onde temos países pluralistas sem pluralismo, e quando este é removido eles se desintegram. A maior vantagem dos Estados Unidos é o seu pluralismo; o país consegue se governar horizontalmente pelos seus cidadãos de todas as cores e credos forjando contratos sociais para viverem juntos como cidadãos iguais perante a lei. Isso não só torna os EUA mais estáveis, mas também inovadores, pois podemos colaborar interna e externamente com qualquer pessoa em qualquer lugar, aumentando o número de pessoas com imensa capacidade mental. Quem é o novo CEO da Google? Sundar Pichai. Quem é o novo CEO da Microsoft? Satya Nadella. A família de Mark Zuckerberg não chegou no Mayflower. Mas, atualmente, estamos tratando de modo insensato esses incríveis recursos. Claro que precisamos controlar nossas fronteiras; elas são a base da soberania. Foi uma falha de nossos dois partidos políticos o fato de a fronteira entre México e Estados Unidos ser tão porosa. Sou a favor de um muro alto, mas com um enorme portão que legalmente permita a entrada de trabalhadores não especializados e de indivíduos com alto QI que assumem riscos e têm tornado nossa economia invejada pelo mundo. Sou a favor de uma legislação permitindo que esses milhões de imigrantes ilegais que já estão aqui sejam legalizados e eventualmente obtenham a cidadania americana. Em junho de 2013 o Senado, incluindo 14 republicanos, aprovou projeto de lei nesse sentido. Mas os extremistas do Partido Republicado recusaram-se a aderir e o projeto acabou engavetado. Agora, Trump explora vergonhosamente o assunto com mais veemência. Vem pedindo o fim do princípio do "jus solis" contemplado na 14.território americano, e defende um programa do governo com o objetivo de reunir 11 milhões de imigrantes ilegais e enviá-los de volta para casa - uma ideia totalmente maluca que Trump afirma ser um mero problema "de administração". Como ratos, muitos outros candidatos presidenciais republicanos seguiram Trump para esse abismo. Não é divertido. Isso não é entretenimento. Donald Trump não é cativante. Sua ameaçadora xenofobia vergonhosamente se aproveita dos medos e da ignorância das pessoas. Ignora as soluções bipartidárias já apresentadas, corrói os ideais cívicos que tornam nossa fusão de culturas e nacionalidades algo inigualável, que nenhum país europeu ou asiático consegue chegar perto (tente se tornar um japonês) e adultera o real segredo do nosso sucesso, o pluralismo. Em cada era surge um tipo Joe McCarthy que procura ter sucesso dividindo e assustando os americanos. Hoje o seu nome é Donald Trump. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO THOMAS L. FRIEDMAN É COLUNISTA E ESCRITOR
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