A Europa está colocando dinheiro em defesa, mas Trump quer ainda mais. Será suficiente?

Décadas de cortes deixaram as forças europeias despreparadas; com equipamentos desatualizados e forças subdimensionadas, capacidade de operar sem o apoio dos EUA foi diminuída

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Por Josh Hoder (The New York Times)
Atualização:

Após o fim da Guerra Fria, os gastos militares europeus foram o retrato de uma história de estabilidade e otimismo. O dinheiro saiu dos tanques e submarinos e foi para hospitais e pensões.

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Mas essa era acabou. Com uma guerra terrestre em andamento na Ucrânia e um presidente americano isolacionista de volta à Casa Branca, as lideranças europeias chegaram a uma conclusão clara: devem gastar mais em seus militares.

Décadas de cortes deixaram as forças europeias despreparadas para o que pode estar por vir. Com equipamentos desatualizados e forças subdimensionadas, sua capacidade de operar sem o apoio dos Estados Unidos foi diminuída.

Os países da Otan se comprometeram formalmente a gastar 2% do PIB em suas forças militares em 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia, embora o parâmetro tenha sido discutido por mais de uma década. Mas oito países ainda não atingiram esse parâmetro, e muitos analistas dizem que nem isso seria suficiente. Agora, o presidente Donald Trump disse que acredita que eles deveriam gastar 5%.

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Sem uma ameaça militar clara após a Guerra Fria, os países se beneficiaram de um “dividendo da paz”: redirecionaram o financiamento militar para redes de segurança social e infraestrutura.

Já em 2006, a maioria dos membros da Otan estava gastando menos de 2% do PIB em suas forças armadas. Mas o orçamento militar dos EUA aumentou, estimulado pelas invasões do Afeganistão e do Iraque.

Membros da tripulação a bordo de um avião de vigilância Atlantique 2 da Marinha Francesa patrulhando o Mar Báltico como parte da missão "Baltic Sentry" da OTAN. Foto: AP Photo/John Leicester

Os países europeus cortaram os orçamentos militares ainda mais durante a crise financeira de 2008. Poucos países da Otan atingiram a meta de 2% até 2016.

O dinheiro agora começou a fluir na Europa. Depois que a Rússia anexou a Crimeia em 2014 e lançou uma guerra mais ampla contra a Ucrânia em 2022, os gastos militares aumentaram na maioria dos países europeus.

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À medida que seus orçamentos militares diminuíram ao longo das décadas, os países europeus dependeram fortemente dos Estados Unidos para sua segurança, confiando na promessa da Otan de que um ataque a um membro será tratado como um ataque a todos. Hoje, os EUA respondem por até dois terços do total de gastos militares da Otan.

Mas, enquanto Trump se preparava para retornar à Casa Branca, ele soou ainda mais hostil em relação a alguns aliados da Otan do que durante seu primeiro mandato. Ele disse que encorajaria a Rússia a “fazer o que bem entendesse” com membros que não contribuíssem com dinheiro suficiente para a aliança.

As contribuições europeias da Otan têm sido uma frustração para Trump há muito tempo. Mesmo depois que os países começaram a atingir a meta de 2%, ele exigiu que fizessem mais.

Em uma entrevista coletiva no início deste mês, ele fez sua afirmação de que os países europeus deveriam gastar 5% de seu PIB em defesa. Isso é mais do que o dobro da meta atual — e muito mais alto do que os próprios gastos militares dos Estados Unidos, que estão próximos de uma baixa pós-Guerra Fria.

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“Antes de Trump assumir o cargo, 2% era visto como o teto. Agora é visto como a linha de base”, disse Daniel Fiott, chefe do Programa de Defesa e Arte de Governança da Escola de Governança de Bruxelas.

Mas alguns líderes europeus também estão pedindo metas mais altas.

Robert Habeck, o ministro da economia alemão, propôs aumentar os gastos militares para 3,5% em uma entrevista recente ao Der Spiegel. “Precisamos gastar quase o dobro em defesa para que Putin não ouse nos atacar”, disse Habeck.

Enquanto os países da Europa Ocidental estão debatendo gastar mais em suas forças militares, aqueles mais próximos de Moscou já agiram. Os gastos da Polônia atingiram 4% de seu PIB em 2024, o maior da Otan.

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Mas mesmo com o aumento nos gastos, muitos especialistas dizem que a Europa deveria gastar mais.

Grande parte do dinheiro gasto até agora foi para “recuperar o terreno” perdido desde o fim da Guerra Fria e para reabastecer estoques de armas esgotados por transferências para a Ucrânia, disse Sean Monaghan, um membro do Center for Strategic and International Studies.

“Não está aumentando substancialmente as capacidades de defesa da Europa de uma forma que lhe permitiria ter sucesso em uma guerra contra a Rússia”, disse ele.

Não era só que os líderes europeus achavam que guerras eram improváveis após o colapso da União Soviética: eles também acreditavam que qualquer guerra futura seria muito diferente.

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Prevendo missões de curtíssimo prazo que dependiam de armas de precisão e combates localizados, de acordo com Fiott, as lideranças não investiram no equipamento e nas cadeias de fornecimento necessárias para uma guerra terrestre prolongada.

“Não pensaram em investir em tanques, frotas navais enormes, mísseis de longo alcance… todas as lacunas que vemos prevalecer hoje”, disse Fiott.

Ir além da meta de gastos militares de 2% pode representar um dilema para alguns líderes.

Nas três décadas mais recentes, os gastos com assistência médica e proteção social, entre eles pensões, benefícios de desemprego e auxílio-moradia, aumentaram acentuadamente. Aumentar os gastos militares até mesmo para 3,5% do PIB pode significar mudanças drásticas nesses gastos.

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Espanha e Itália são dois dos mais notáveis subgastadores da Otan, com ambos dedicando menos de 1,5% a suas forças militares. Desde meados dos anos 90, os gastos nos dois países com saúde e proteção social aumentaram, em grande parte alimentados pelo rápido envelhecimento da população.

Primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez (D) e o secretário-geral da Otan Mark Rutte (E) em uma reunião em Madri. Foto: JAVIER SORIANO/AFP

Mas agora os líderes europeus se deparam com uma Rússia recentemente agressiva que aumentou os gastos militares para 6,3%, e um presidente americano imprevisível que falou em usar “força econômica ou militar” para adquirir a Groenlândia, um território controlado por um aliado da Otan.

Se eles decidirem gastar ainda mais em seus militares, eles têm poucas opções atraentes para financiar isso.

Nas cinco maiores economias da Europa, que respondem pela maioria dos gastos de defesa não americanos da Otan, os impostos já aumentaram significativamente desde 1991.

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A Europa também tem outra desvantagem quando se trata de gastos militares em comparação com países maiores como os Estados Unidos, ou o país que trava guerra em sua extremidade oriental, a Rússia: é composta por dezenas de países, cada um desenvolvendo seu próprio exército e pressionando para que suas próprias indústrias de defesa ganhem contratos governamentais.

“Os EUA têm enormes economias de escala”, disse Monaghan. “Sozinhos, os países europeus não têm isso.”

Mesmo com a guerra na Ucrânia ainda acontecendo, alguns políticos europeus já estão falando em planos para tempos de paz. O ministro da economia da Alemanha disse que uma meta de gastos de 3,5% seria temporária e poderia ser reduzida quando a segurança da Alemanha atingisse um “estado razoável”.

Isso pode ser imprudente, disse Monaghan, membro do Center for Strategic and International Studies.

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“A ameaça constante da Rússia é a nova normalidade, e precisamos nos preparar para isso e investir em nossa defesa para enfrentar essa situação”, disse ele. “Acho que ainda há muita ilusão por aí.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL