Os Estados Unidos concordaram em suspender as tarifas impostas ao México em troca pelo reforço da segurança na fronteira. A mobilização de tropas anunciada por Claudia Sheinbaum terá pouco efeito prático para conter a imigração e o tráfico de drogas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, mas permite que Donald Trump cante vitória. A fragilidade das medidas, no entanto, tornam esse ganho ilusório, e o México deve ter uma relação tensa com o republicano durante todo o mandato.
Claudia Sheinbaum prometeu enviar imediatamente para fronteira com 10 mil soldados da Guarda Nacional com a missão de conter a entrada de drogas nos Estados Unidos, em particular o fentanil. Em troca, os EUA devem atuar contra o tráfico das armas americanas que caem nas mãos dos carteis mexicanos e suspender as tarifas por um mês.
Em movimento parecido, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou horas depois que Donald Trump havia concordado em suspender também as tarifas impostas ao Canadá. Em troca, ele deve investir 1 bilhão de dólares canadenses para reforçar a segurança na fronteira.

Questionado sobre os efeitos concretos do reforço para a segurança da fronteira no curto prazo, o analista político mexicano David Saucedo, especialista em segurança pública, respondeu: nenhum.
“Esse número de 10 mil agentes não é suficiente para impedir a migração nem o tráfico de drogas, mas representa uma vitória midiática para Donald Trump. Ele poderá se apresentar como vencedor da negociação e, certamente, vai utilizar isso nos Estados Unidos, dizendo que, graças à sua pressão, o governo mexicano mandou tropas para fronteira”, afirma. “Não é uma solução real”.
Nas redes sociais, Trump confirmou o anúncio feito por Claudia Sheinbaum, reforçando que os soldados mexicanos serão “designados especificamente para interromper o fluxo de fentanil e de migrantes”. Enquanto isso, as tarifas serão suspensas e as negociações continuam.
“Acho que Claudia Sheinbaum lidou bem com as negociações. Ela não se deixou assustar por Trump. E a intimidação é a tática dele, ele é um valentão”, afirma o cientista político Agustín Basave, professor da Universidad de Monterrey. “Ela ganhou o primeiro round, por assim dizer, mas não termina aqui. Tempos muito difíceis virão. Os Estados Unidos continuarão ameaçando o México sob o governo Trump”.
No fim de semana, o republicano cumpriu a promessa de impor tarifas de 25% sobre todas as importações do México e Canadá e mais 10% sobre os produtos da China. Ele alega que esses países permitem a entrada de imigrantes e drogas nos Estados Unidos.
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A resposta de Claudia Sheinbaum foi: “Coordenação, sim. Subordinação, não”. Ela afirmou que o México “não busca confronto” e está disposto a cooperar no combate ao crime organizado, mas que os problemas não se resolvem com a imposição de tarifas.
No comunicado, ela apontou que os Estados Unidos também teriam responsabilidades sobre a crise, destacando o fluxo de armas que abastece os carteis do outro lado da fronteira. Estimativas do próprio governo americano apontam que cerca de 70% das armas apreendidas no México chegam pelos Estados Unidos.
Claudia Sheinbaum propôs a criação de um grupo de trabalho com as equipes de segurança dos dois lados. Como “plano B”, disse ela, o governo mexicano deveria implementar medidas tarifárias e não tarifárias em resposta aos Estados Unidos.
A guerra de tarifas iniciada por Donald Trump deve aumentar os custos para os consumidores americanos e pressionar a inflação nos Estados Unidos. Por isso, o impacto seria sentido dos dois lados da fronteira, mas principalmente o mexicano.
“Mais de 80% das nossas exportações vão para os Estados Unidos e quase um terço do Produto Interno Bruto (PIB) mexicano vem dessa relação comercial, de modo que o México teria sido muito mais afetado do que os Estados Unidos”, afirma Agustín Basave, lembrando que as tarifas ainda podem ser retomadas. “O risco é latente”.
Como mostrou o Estadão, a dependência do mercado americano torna o país vulnerável às pressões que vem do outro lado da fronteira. E essa não é a primeira vez Trump ameaça com tarifas para obter concessões do governo mexicano em sua política migratória.

Foi assim que, no primeiro governo, ele pressionou o então presidente Andrés Manuel López Obrador a mobilizar milhares de soldados da recém-criada Guarda Nacional entre as fronteiras sul (com a Guatemala) e norte (com os EUA) para conter o fluxo de imigrantes. Além de permitir que os solicitantes de asilo fossem enviados ao México enquanto esperavam a análise dos pedidos de proteção nos Estados Unidos.
As medidas são controvertidas. Por um lado, a política “Remain in Mexico”, que Donald Trump pretende retomar, deixa os imigrantes retidos no México vulneráreis ao crime organizado e ao tráfico de pessoas. Por outro, há denúncias de abusos por parte da Guarda Nacional e críticas à militarização da segurança no México.
“Os agentes da Guarda Nacional não têm treinamento em direitos humanos. Eles são capacitados para a defesa nacional, não para a segurança pública. Sempre que a Guarda Nacional ou o Exército são mobilizados em determinada área, aumentam as denúncias de violações de direitos humanos”, afirma David Saucedo.