Oriente Médio sem cristãos

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Soldados do Curdistão iraquiano, conhecidos como peshmergas, declararam ontem vitória no Monte Sinjar, ocupado em junho do ano passado pelos combatentes do Estado Islâmico, quando milhares de yazidis, minoria politeísta que vivia reclusa nas montanhas, e cristãos assírios, que ocupavam suas planícies, foram massacrados pelos islamitas. O monte fica na província o Nínive, parte do território no Norte do Iraque que os curdos almejam como Estado independente. Eram terras antes vigiadas pelas forças iraquianas, que fugiram rumo a Bagdá com o avanço do EI. O vácuo foi ocupado pelos curdos, que vislumbraram a chance de expandir seu território e ganhar mais autonomia. No último ano, os curdos se tornaram os principais aliados dos EUA na guerra contra o EI. Com apoio de drones americanos, eles têm conseguido impedir o avanço e recobrar território dos combatentes islâmicos. Mas há outro lado, mais obscuro, dessa história. Os curdos têm sido acusados por organizações como a Human Rights Watch de impedir a volta de antigos moradores aos territórios reconquistados, uma limpeza étnica que visa a um Estado exclusivamente curdo. As planícies onde fica o Sinjar são terras historicamente ocupadas por cristãos assírios, convertidos ainda no primeiro século. Eles viviam em cidades como Mossul desde sua fundação - a cidade continua sob domínio do EI. Quando o EI avançou sobre Nínive, os cristãos não puderam defender-se porque não lhes era permitido ter armas. Os terroristas caçaram os moradores de casa em casa - em cada porta, marcavam com spray a letra "n" de nasara (cristãos, em árabe). Nos meses seguintes, relatos vindos dos vilarejos ocupados descreviam a crucificação de homens que teriam se recusado a aceitar o Islã, mulheres escravizadas e usadas para o sexo por serem "infiéis", crianças retiradas dos pais e entregues a famílias muçulmanas, igrejas queimadas. Aterrorizados e sem refúgio seguro, pelo menos dois terços dos 1,5 milhão de cristãos iraquianos deixaram o país. O mesmo ocorre na vizinha Síria. Antes da guerra, os cristãos eram 10% dos 22 milhões de sírios - ou pouco mais de dois milhões de pessoas. Hoje, acredita-se que não ultrapassem 400 mil. Entre eles, estão centenas de assírios sequestrados pelo EI em Hassakah, em fevereiro. Em agosto, a milícia curda Unidades de Proteção do Povo (conhecida como YPG) retomou a província. Esta semana, líderes das poucas igrejas que sobrevivem em Hasakah denunciaram o confisco de propriedades de cristãos que deixaram a região. Em Qamishli, controlada pelo YPG e por tropas leais a Assad, famílias curdas receberam notificação de que seus filhos estavam proibidos de estudar em escolas cristãs. Crianças serão transferidas a instituições curdas que adotaram o currículo aprovado pelo Partido da União Democrática, braço político do YPG. A comunidade cristã síria é uma das mais antigas. Acredita-se que o apóstolo Paulo tenha se convertido a caminho de Damasco. Maloula, a 50 quilômetros da capital, é a única vila onde ainda se fala o aramaico de Jesus. A aldeia foi atacada por grupos ligados à Al-Qaeda; igrejas e monastérios, destruídos. Em maio, forças de Assad recuperaram o vilarejo, mas a maior parte da população fugira. Embora minoria, os cristãos sírios eram parte da elite. Eles cofundaram o Partido Baath, de Assad, no poder desde 1963. Por décadas, a Síria abrigou cristãos perseguidos em outras partes do Oriente Médio. Mas o aprofundamento do sectarismo tornou o país inseguro demais. O Líbano, que tem 30% da população cristã passou a ser refúgio, mas voltou a enfrentar atentados terroristas. Milhares de cristãos têm migrado para a Europa. Antes 14% da população do Oriente Médio, eles hoje não passam de 4% segundo o Pew Research Center. Líderes das igrejas locais já falam no fim do cristianismo na região.

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