Sejamos francos: o presidente Donald Trump apunhalou a oposição venezuelana nas costas ao revogar as proteções de deportação de mais de 504 mil exilados venezuelanos nos Estados Unidos e iniciar negociações com o ditador Nicolás Maduro.
Trump revogou uma extensão de 18 meses do Status de Proteção Temporária (TPS) para exilados venezuelanos, que o ex-presidente Joe Biden havia concedido dias antes de deixar a Casa Branca. Na prática, isso significa que, a menos que Trump reverta sua decisão ou a medida seja derrubada na Justiça, a maioria dos beneficiários venezuelanos do TPS terá que deixar os EUA no máximo até outubro.
O anúncio “caiu como uma bomba atômica sobre esta comunidade de imigrantes”, afirmou o site de oposição venezuelano El Pitazo. Ironicamente, a ordem de deportação de fato de Trump atinge uma das comunidades que mais o apoiam. Alentada pela retórica anti-Maduro de Trump e dos legisladores da Flórida, a comunidade venezuelana exilada, tanto eleitores quanto residentes temporários, apoiou Trump de forma esmagadora nas eleições de 2024.

Dias após o anúncio da revogação do TPS, o governo Trump lançou uma segunda bomba política sobre a oposição venezuelana ao admitir que o enviado especial de Trump para a Venezuela, Richard Grenell, esteve em Caracas para se encontrar com Maduro em 31 de janeiro. Segundo o governo Trump, a reunião não foi uma negociação, mas uma visita de Grenell para avisar pessoalmente Maduro que a Venezuela deve aceitar os americanos deportados ou enfrentar as consequências. Mas muitos opositores venezuelanos temem que os primeiros passos na direção de um acordo entre Trump e Maduro estejam em andamento.
Na sexta-feira à noite, o regime de Maduro libertou seis cidadãos americanos presos na Venezuela após o líder venezuelano se encontrar em Caracas com o enviado especial Grenell. Foi alcançado um acordo? Trump não aumentaria as sanções contra o petróleo venezuelano em troca de Maduro aceitar os voos de deportação dos EUA.
Por fim, Trump deixou claro que sua maior prioridade é cumprir sua promessa de deportações em massa, em vez de restaurar a democracia na Venezuela ou em qualquer outro país.
Voltando ao tópico do TPS, a maioria dos americanos concorda que os EUA têm direito de deportar criminosos condenados. O problema com o plano de deportar 504 mil exilados venezuelanos é que apenas uma pequena fração deles tem antecedentes criminais, e entrar nos EUA sem documentos é uma infração civil, não criminal. Trump disse repetidamente que a Venezuela está “esvaziando suas prisões” e “enviando seus criminosos para os EUA”.
Mas o presidente realmente acredita que a maioria dos 504 mil beneficiários venezuelanos do TPS é de criminosos ou membros da gangue Tren de Aragua? O Departamento de Segurança Interna identificou 600 pessoas nos Estados Unidos que podem ter ligações com a gangue Tren de Aragua, das quais 100 são membros confirmados, informou a NBC News em 23 de outubro. Isso seria equivalente a 0,1% dos beneficiários venezuelanos do TPS que Trump pretende deportar.
A líder da opositora mais popular da Venezuela, María Corina Machado, publicou uma declaração nas redes sociais dizendo que “consideramos importante que o TPS seja preservado, ou que um mecanismo alternativo seja adotado” para proteger os exilados. A declaração acrescentou que centenas de milhares de venezuelanos nos EUA “estão contribuindo legalmente para a economia”.
A decisão de Trump de negociar com Maduro, ignorando a oposição venezuelana e Edmundo González Urrutia, o líder da oposição que, segundo as atas da votação, venceu a eleição presidencial do ano passado, é igualmente irônica. Trump e os legisladores republicanos criticaram duramente o governo do ex-presidente Biden por negociar com Maduro para forçá-lo a realizar as eleições de 2024. Agora, o governo Trump está negociando com Maduro, legitimando sua reeleição fraudulenta nas eleições de 2024.
Não me recordo de outro presidente americano na história recente ter dados as costas a um eleitorado com tanto entusiasmo e tão rapidamente. Claro, Trump é um político errático, que pode mudar de ideia várias vezes nos próximos dias. Mas no momento em que escrevo estas linhas ele vira as costas para os exilados venezuelanos e a causa da democracia na Venezuela./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO