Apenas palavras não ajudam a melhorar laços

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Por Tariq Ramadan e THE GUARDIAN
Atualização:

O relacionamento entre os EUA e os muçulmanos foi tão prejudicado pelos oito anos de governo Bush que o mundo todo se perguntava: o que Barack Obama diria aos muçulmanos? Que palavras ele deveria usar para restaurar a confiança? Primeiro, é necessário analisar as principais causas da profunda desconfiança, não apenas nos países de maioria muçulmana, mas também entre os muçulmanos africanos, asiáticos e ocidentais. Há décadas, e especialmente desde 11 de setembro de 2001, os muçulmanos de todo o mundo têm recebido mensagens dos EUA que são perturbadoras tanto na substância quanto na forma. George W. Bush era visto como agressivo, arrogante, de mentalidade estreita e surdo sempre que teve de lidar com temas islâmicos e assuntos relacionados aos países de maioria muçulmana ou do Oriente Médio. Para além de suas palavras de respeito, os muçulmanos sempre se lembraram das primeiras referências espontâneas a uma "cruzada" e um "eixo do mal" feitas por Bush. A "guerra ao terror", o bombardeio do Afeganistão, a invasão do Iraque, as mentiras sobre as armas de destruição em massa, as deportações extraordinárias e as provas de tortura que vieram à tona tiveram o efeito cumulativo de atestar que as vidas e a dignidade dos muçulmanos eram consideradas de pouco ou nenhum valor. Além da retórica de Bush, seu governo nunca demonstrou respeito nem senso de justiça diante dos muçulmanos, e o apoio cego e unilateral a Israel reforçou essa percepção. Obama precisa reverter esse legado. Ao conversar com os muçulmanos, ele deve também conversar com os EUA e com o Ocidente, pois as cicatrizes da desconfiança são profundas. Obama foi muito inteligente e cauteloso na comunicação de suas mensagens políticas durante os primeiros meses da sua presidência. Ele expressou, repetidas vezes, o seu respeito pelo Islã e pelos muçulmanos, anunciando o fechamento da prisão de Guantánamo e o fim da tortura, chegando até a endurecer o tom adotado com o governo israelense em relação aos assentamentos. Trata-se de passos positivos que não devem ser negados. Ainda assim, gestos simbólicos e discursos não são o bastante. O que esperamos do presidente americano são medidas efetivas e necessárias, além de uma mudança de atitude. A humildade é um fator-chave. Na nossa era global, os EUA podem ser o país mais poderoso do mundo, mas eles não detêm o monopólio daquilo que é correto. Estar aberto para o mundo começa com a abertura para todas as civilizações e com o reconhecimento da potencial contribuição positiva de cada religião e cultura. O Islã é uma grande civilização e Obama deveria trazer uma mensagem de respeito verdadeiro e profundo ao anunciar que todos temos muito a aprender uns com os outros, comprometendo-se a divulgar nos EUA o conhecimento da diversidade religiosa e cultural. Humildade significa que temos todos de aprender uns com os outros e os EUA devem estar prontos para aprender não só com o Islã, mas também com hindus e budistas. Paradoxalmente, a maneira pela qual Obama decidir lidar com a educação e a diversidade religiosa em seu próprio país será o melhor indicador de sua política para os muçulmanos. Nenhuma civilização pode reivindicar o monopólio sobre valores universais e ninguém pode afirmar que é totalmente fiel aos próprios valores. Obama precisa destacar os valores, os ideais e os direitos humanos defendidos pelos EUA, mas também reconhecer seus erros, fracassos e contradições. A falta de coerência é uma fraqueza partilhada por muitos países. A melhor maneira de o presidente pedir respeito aos direitos humanos e anunciar o início de uma nova era nas relações com os muçulmanos seria por meio de uma construtiva autocrítica e do reconhecimento de que os EUA podem fazer muito mais para respeitar os valores que defendem. Para tanto, o país deve implementar medidas justas para o mundo muçulmano e para os países pobres. Essa atitude humilde, com base no dever imperativo da coerência, não é uma posição de fraqueza, mas exatamente o oposto: dessa maneira, Obama ressalta aos líderes islâmicos suas próprias incoerências e deveres. Apenas um presidente americano coerente e crítico de si mesmo pode lembrar aos muçulmanos que eles precisam agir contra a corrupção, o extremismo, as ditaduras, a discriminação das mulheres e dos pobres, e ser ouvido com um mínimo de credibilidade. Os muçulmanos estão esperando por medidas e sabem, por experiência própria, que os políticos são habilidosos com as palavras. Obama desfruta de um status muito especial no mundo de hoje, principalmente no mundo muçulmano. Ele é um dos únicos presidentes americanos a ter a capacidade de ser mais do que um símbolo propagando belas palavras. Seria triste perder essa oportunidade histórica e temos de esperar que ele tenha uma visão e uma estratégia eficiente para o seu país e para o mundo. Quanto aos temas domésticos, em se tratando de discriminação, segurança, imigração e igualdade de oportunidades, Obama precisa nos ajudar a esquecer que ele é um negro americano ao promover direitos iguais e justiça para todos. Em nível internacional, ele deve nos ajudar a esquecer que seu pai era muçulmano ao recusar a timidez e a apologia, respeitando os direitos de indivíduos e povos nos territórios palestinos, no Iraque, no Afeganistão e em outros países. A mensagem aos muçulmanos deve ter vindo de um presidente que se posiciona para além da cor de pele e de um grupo religioso, com humildade, coerência e respeito. Ao fazer seu discurso, ele deveria deixar claro que, após muitos anos de surdez, Washington começou a ouvir. *Tariq Ramadan é presidente da European Muslim Network, bolsista visitante da Universidade de Oxford e bolsista da Lokahi Foundation. Ele publicou este artigo na edição de ontem do ?Guardian?, antes de Obama proferir seu discurso

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