Lord John Montagu, quarto Conde de Sandwich (em quadro de Sir Thomas Gainsborough) jamais teria imaginado que o conceito de sanduíche por ele criado seria levado a extremos nunca antes vistos. E menos ainda, tão longe de sua Inglaterra natal, nas meridionais terras uruguaias.
CHIVITO - Chivo em espanhol é "bode". Chivito seria "cabrito" (o bode novinho). Mas, a palavra, no Uruguai, denomina um monumental sanduíche feito de carne bovina. A exuberância do sanduíche é sui generis. O Chivito, apto só para os famélicos, inclui carne na grelha, presunto, lombo defumado, lombo comum, bacon e mozzarella. Além disso, o Chivito inclui, como "decoração" a maionese, alface, rodelas de tomate, rodelas de ovo cozido e pimentão (geralmente, ao escabeche). Para evitar que essa gastronômica arquitetura desmonte como um edifício no meio de um terremoto 9 pontos na escala Richter, o cozinheiro coloca um firme palito que - para coroar a obra - possui na ponta uma singela azeitona verde.
Como se fosse pouco, tal colossal sanduíche - indo mais além de qualquer magnitude imaginada por Lord John Montagu (1718-92), criador do conceito do sanduíche - geralmente está acompanhado de uma porção de batatas fritas, maionese ou outros acompanhamentos de considerável volume calórico. Esta versão anabolizada é denominada de Chivito Canadense. O porquê de ter como attachment a nacionalidade da pátria de Pamela Anderson, Celine Dion ou Kenneth Galbraith, é um mistério. No entanto, torna mais peculiar o charme do chivito feito no Uruguai, que nem é cabrito...sequer canadense.
A outra versão, mais light do Chivito, é o "comum" ou "ao pão", composto só por carne, alface, tomate e maionese. O Chivito Canadense também pode ser servido como um sanduíche aberto sobre um prato, o que torna mais fácil seu consumo, já que evita-se a costumeira fuga precipitada - pela periferia do pão do sanduíche - de vários de seus componentes (apesar da força de coesão exercida pelo palito). O Chivito ao prato, pasme o leitor, tem todos os ingredientes supracitados, mas em maior volume. E de brinde, é acompanhado por um ovo frito.
Um prato simples em seu sabor, embora complexo em sua engenharia, o Chivito é o prato uruguaio par excellence, cuja criação os argentinos - que argumentam que o tango é Made in Buenos Aires, junto com a defesa da argentinidade doce de leite (os uruguaios atribuem-se a criação do tango e do doce de leite também) - não ousam discutir.
MORCILLA - A morcilla, conhecida no sul do Brasil como "morcela" é um "tubo" de tripa seca de leitão ou de vaca, em cujo interior está o recheio de sangue coagulado e arroz. No Uruguai convivem pacificamente as versões doce e salgada (na Argentina predomina a salgada). A versão doce, que encontra-se principalmente nos bares da área do mercado do porto, inclui passas, amendoins e nozes. Pode ser consumida fria ou quente. A criação da morcilla, no entanto, não é uruguaia, sequer dos conquistadores espanhóis. Segundo o filósofo grego Platão, ela foi criada por seu compatriota Aftónitas.
EMPANADA - A empanada é um dos pratos cuja criação é disputada enfaticamente entre uruguaios, chilenos e argentinos. O quitute é composto por uma ou duas rodelas de massa de farinha de trigo, banha bovina e ovo (desta forma, podem ter um formato redondo ou de meia-lua) que fecham-se, levando dentro dentro delas um recheio que varia de região em região. Ela pode ser feita no forno ou frita. Geralmente, na América do Sul a empanada pode ser recheada de carne, frango, além de milho, verdura e queijo, além de estar acompanhada de passas, cebola e ovos.
Os uruguaios, mais do que os argentinos, conferem especial protagonismo à empanada de estilo "gallego", que contém atum. No entanto, a rainha das empanadas no país continua sendo a de carne. Os uruguaios também contemplam a degustação da empanada doce, que possui doce de marmelo, doce de leite ou ricota com passas.
Não diga jamais a um uruguaio que uma empanada recorda a esfiha libanesa, um pastel paulista ou um pie londrino. Civilizados como costumam ser, eles não diriam nada. Mas ficariam silenciosamente escandalizados com a comparação herética.
CHAJÁ - Sobremesa puramente uruguaia, da qual se orgulham os habitantes deste país. Seu nascimento tem até data historicamente comprovada: foi criada no dia 27 de abril de 1927 na confeitaria das Famílias na cidade de Paysandú. É feito de suspiro, pão de ló, creme chajá (feita com leite e baunilha), além de morango ou pêssego. Esta tentação é a sobremesa uruguaia preferida do correspondente da TV Globo em Buenos Aires, Carlos de Lannoy, que passou a infância no interior do Uruguai, no departamento de Treinta y Tres Orientales. De Lannoy recomenda comer o chajá em estado frio. O chajá de Paysandú, segundo ele, "é um negócio!!!!".
TOCINITOS DE CIELO - Uma iguaria de origem andaluza, pièce de résistance de qualquer sobremesa uruguaia. O tocino del cielo, ou tocinito, é feito com gema de ovo caramelizada e açúcar. Costuma ser um cubo compacto de cor amarela intensa. Embora andaluza, foi adotada pelos uruguaios, que são os maiores consumidores desta iguaria em todo o Cone Sul americano. A culinária, que pode despertar paixões intensas tal o futebol, também é foco de disputas nacionalistas. Esse é o caso do aparentemente inócuo 'tocinito', cuja paternidade é defendida não somente pelos andaluzes, mas também pelos portugueses.
PS: "Inócuo" do ponto de vista geopolítico. Mas, tratando-se de calorias...

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra). Em 2013 publicou "Os Argentinos", pela Editora Contexto, uma espécie de "manual" sobre a Argentina. Em 2014, em parceria com Guga Chacra, escreveu "Os Hermanos e Nós", livro sobre o futebol argentino e os mitos da "rivalidade" Brasil-Argentina.
No mesmo ano recebeu o Prêmio Comunique-se de melhor correspondente brasileiro de mídia impressa no exterior.




