Candidatos a suceder a Johnson têm propostas similares e origens distintas

Conservadores que concorrem ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido incluem mulheres e homens de ascendência não europeia, mas discursos soam muito parecidos: eles gostam do Brexit e querem cortar impostos

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Por Mark Landler e Stephen Castle
Atualização:

THE NEW YORK TIMES, LONDRES - Quatro são mulheres. Seis têm antepassados recentes vindos de muito além das fronteiras da Europa - Índia, Iraque, Quênia, Maurício, Nigéria e Paquistão. Dos três homens brancos, um é casado com uma chinesa, enquanto o outro tem passaporte francês.

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No papel, os quase doze candidatos que disputam o lugar de Boris Johnson como líder e primeiro-ministro do Partido Conservador são um tributo caleidoscópico à rica diversidade do Reino Unido. Em termos de propostas de políticas, no entanto, o mosaico que elas criam é decididamente monocromático.

Quase todos os candidatos estão prometendo cortar impostos de um tipo ou de outro para amortecer o golpe de uma crise de custo de vida em espiral. A maioria é a favor de uma legislação que renegue um acordo com a União Europeia sobre o comércio na Irlanda do Norte. Muitos continuariam a colocar imigrantes ilegais em aviões para Ruanda.

Ex-ministro do Tesouro Rishi Sunak lançou candidatura nesta terça-feira, 12. Foto: Henry Nicholls/ REUTERS

O grau de continuidade e uniformidade é especialmente impressionante, uma vez que os candidatos estão competindo para substituir um primeiro-ministro que foi criticado por se pendurar de crise em crise, comandando um governo que está, em todos os aspectos, à deriva diante de grave estresse econômico e aprofundamento das tensões com Bruxelas. Vários fizeram parte do gabinete que aumentou os mesmos impostos que agora prometem cortar.

“Há uma estranha desconexão da realidade por parte de todos eles”, disse Jonathan Portes, professor de economia e políticas públicas do Kings College London. “Eles estão nessa terra da fantasia, falando sobre cortes de impostos”.

O que eles deveriam estar falando, disse Portes, é sobre como o Reino Unido vai evitar uma crise total em suas escolas e hospitais em alguns meses, quando a inflação crescente e os cortes orçamentários atingirão professores e enfermeiros, levando alguns a abandonarem seus empregos e outros à greve. Os cortes de impostos não resolverão o aperto do custo de vida, mas vão alimentar a inflação e esgotar as já frágeis finanças públicas, disse ele.

Até certo ponto, a natureza vaga do debate é resultado do tamanho do pleito, que tem muitas pessoas na disputa. Isso mudará rapidamente sob as novas regras eleitorais adotadas na noite de segunda-feira por um influente comitê de parlamentares do Partido Conservador, que supervisiona a disputa pela liderança.

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De acordo com as regras, os legisladores do Partido Conservador reduzirão a lista de candidatos em rodadas sucessivas de votação (eliminatórias), começando na quarta-feira, 13. Para se qualificar para essa primeira etapa, é necessário receber o apoio de 20 legisladores do partido. O processo de escolha da liderança terminará na próxima semana, quando será apresentada uma lista de dois.

O candidato vitorioso sairá da votação interna do Partido Conservador até 5 de setembro, e sucederá Johnson como primeiro-ministro. Em teoria, a disputa final entre duas pessoas irá aguçar o debate e trazer à tona questões mais sensíveis.

Mas a natureza uniformemente direitista das propostas dos candidatos também reflete o eleitorado do Partido Conservador. O centro de gravidade do partido se inclinou para a direita durante suas amargas batalhas pelo Brexit. Johnson expurgou legisladores mais centristas, como o ex-ministro Rory Stewart.

Os membros de base do partido, que são em grande parte compostos por ativistas, também tendem a ser mais de direita do que a média dos eleitores (havia 160 mil membros elegíveis durante a última eleição de líder em 2019, de acordo com o partido). Os partidários podem ter oscilado ainda mais para a direita nos últimos meses, à medida que o partido perdeu popularidade sob o escândalo de Johnson, e membros menos comprometidos se afastaram.

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Ainda assim, a natureza do concurso dividido em vários estágios, segundo alguns analistas, pode ser uma armadilha para os pregadores dos cortes de impostos. Enquanto a maioria dos membros conservadores do Parlamento são atraídos por impostos mais baixos, os membros do partido tendem a ser menos positivos, porque tendem a ser mais velhos e têm mais experiência com serviços públicos.

Para eles, cortes de impostos financiados por cortes na saúde ou outros programas públicos podem não ser uma proposta atraente. Alguns candidatos estão enfatizando os cortes de impostos na primeira fase da disputa para se diferenciar do primeiro favorito, Rishi Sunak, cuja renúncia como ministro do Tesouro na semana passada ajudou a desencadear os eventos que derrubaram Johnson.

Sunak, apresentando-se como um falcão fiscal, sugeriu em seu vídeo introdutório de campanha que seus rivais estão contando “contos de fadas reconfortantes”.

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Robert Ford, professor de ciência política da Universidade de Manchester, concordou que “há o perigo de alguns desses candidatos fazerem promessas para passar na primeira rodada, o que pode voltar para assombrá-los”.

Um aspecto marcante do debate até agora foi a falta de discussão sobre o Brexit, a questão que dividiu o partido e o país por quase seis anos. Os candidatos estão, em geral, se unindo em torno do plano de Johnson de romper um acordo que ele fez com a União Europeia sobre regras comerciais para a Irlanda do Norte. A medida levou Bruxelas a acusar o Reino Unido de violar a lei internacional e provocou temores de uma guerra comercial.

Entre os defensores mais ruidosos do plano está Liz Truss, a secretária de Relações Exteriores, que é uma das principais candidatas a líder e patrocinou a legislação no Parlamento. Analistas disseram que ela fez isso em parte para apelar ao “flanco direito” do partido.

Há evidências crescentes de que o Brexit impôs um fardo extra à economia britânica. Mas a separação acentuada do Reuno Unido da União Europeia é agora uma questão de ortodoxia política. Expressar dúvidas sobre isso, disse Ford, era “como defender o ateísmo na Basílica de São Pedro”.

A ministra das Relações Exteriores Liz Truss caminha em frente a Downing Street, em Londres. Foto: Toby Melville/ REUTERS

Apesar de todas as objeções sobre propostas inusitadas, houve uma revigorante diversidade de discursos nas mídias sociais dos candidatos.

Os críticos citaram o vídeo de Sunak como evidência de que ele estava preparando o caminho para chegar a líder. Seus inimigos divulgaram um clipe menos lisonjeiro de uma entrevista que ele deu em 2001, na qual ele afirmava ter amigos de todas as origens sociais, mas depois se corrigiu dizendo que isso não incluía pessoas da classe trabalhadora.

Penny Mordaunt, ex-ministra do gabinete que está montando um anúncio enérgico, teve que editar seu vídeo para cortar imagens do atleta paralímpico britânico Jonnie Peacock, que pediu para não participar do filme, bem como do assassino condenado Oscar Pistorius. O candidato menos conhecido, Rehman Chishti, divulgou um vídeo que parecia ter sido gravado por telefone, em um espaço aberto, com o ruído do vento ao fundo.

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A lista de candidatos faz desta uma das disputas de liderança do partido mais difíceis de prever em anos. Alguns esperam que o primeiro grande abate produza um único candidato da direita do partido, que se enfrentaria no turno final contra um favorito e fortemente apoiado como Sunak.

Antes de a lista passar por essa peneira, no entanto, alguns disseram que valia a pena saborear a diversidade de rostos, se não de mensagens, que estavam em exibição.

“Talvez o fato mais notável sobre isso seja que as pessoas não o consideram um fato notável”, disse o professor Ford. Isso mostrou, disse ele, “até que ponto o partido chegou em um período muito curto de tempo”.

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