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Cenário: Com ações contra Irã e Arábia Saudita, Biden manda recado a rivais no Golfo

EUA buscam nova abordagem com iranianos e mostram que serão mais intolerantes com abusos de direitos humanos da Arábia Saudita

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON - Em ações coordenadas, Joe Biden apresentou o cartão de visitas da nova política externa americana aos dois países que protagonizam a maior rivalidade do Oriente Médio: Irã e Arábia Saudita. Em menos de 24 horas, o presidente americano ordenou um ataque a militantes apoiados pelo Irã em território sírio e anunciou sanções a 76 sauditas ligados à morte do jornalista Jamal Khashoggi.

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A primeira ação militar no exterior de Biden foi ordenada na noite de quinta-feira. O Pentágono lançou ataques aéreos na Síria contra infraestruturas utilizadas por milícias apoiadas pelo Irã. De acordo com John Kirby, porta-voz do Departamento de Defesa, pelo menos 22 militantes morreram, a maioria membros do Kataib Hezbollah, grupo acusado de atacar posições americanas no Iraque.

Analistas consideraram o ataque limitado, um sinal de que Biden preferiu uma resposta menos agressiva para não aumentar demais a tensão com o Irã e não prejudicar as negociações nucleares, que devem ser retomadas em breve. O fato de o bombardeio ter atingido o território sírio, e não o iraquiano, também teria sido pensado para não piorar a relação entre EUA e Iraque, onde estão estacionados 2,5 mil militares americanos.

Presidente dos EUA, Joe Biden desembarca em Maryland: democrata dá os primeiros sinais de como deve ser a política externa de sua gestão Foto: Susan Walsh/AP

Algumas horas depois, foi a vez de os sauditas, inimigos declarados dos iranianos, sentirem a pressão americana. O Departamento de Estado anunciou uma nova política, batizada de “Proibição Khashoggi”, que retira os vistos de entrada nos EUA de pessoas que persigam ou coloquem em risco dissidentes, ativistas e jornalistas. 

Khashoggi foi torturado e assassinado dentro do consulado saudita em Istambul, na Turquia, em outubro de 2018. Desde o início, as investigações apontavam que o mandante havia sido o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, que sempre negou envolvimento com o caso. 

Passe livre

Interessado em manter contratos de venda de armas para os sauditas, que renderiam aos EUA cerca de US$ 350 bilhões em dez anos, o então presidente americano, Donald Trump, deu passe livre para o príncipe. No entanto, durante a campanha eleitoral, no ano passado, Biden havia prometido rever os afagos à monarquia.

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Ontem, o governo americano finalmente liberou o relatório da inteligência que atribui a Salman a responsabilidade pela morte de Khashoggi e anunciou a suspensão dos vistos de 76 sauditas ligados ao assassinato – embora o príncipe herdeiro não esteja entre eles.

“Deixamos claro que as ameaças extraterritoriais e os ataques da Arábia Saudita contra ativistas, dissidentes e jornalistas têm de acabar”, afirmou o secretário de Estado, Antony Blinken. Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, Biden deve revisar por completo as relações dos EUA com a Arábia Saudita. A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou ontem que “há uma série de medidas sobre a mesa”, mas sem dar mais detalhes. 

Janela

Alguns analistas dizem que o governo Biden representa uma abertura para um diálogo entre Irã e Arábia Saudita. A aproximação foi defendida pelo empresário saudita Abdulaziz Sager, fundador do Gulf Research Center, e pelo ex-diplomata iraniano Hossein Mousavian. Discussões discretas entre os dois países já estariam ocorrendo nos bastidores. 

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A Arábia Saudita sunita e o Irã xiita mantêm divergências históricas. Ambos os países acreditam que o outro está tentando dominar o Golfo Pérsico. A monarquia saudita está convencida de que o objetivo do Irã é cercar o reino com milícias aliadas no Iêmen, Líbano, Iraque e Bahrein. Já o regime iraniano considera uma ameaça a aliança da Arábia Saudita com os EUA e acusa Riad de interferir nos assuntos internos de Estados vizinhos. 

Em entrevista ao jornal iraniano Etemaad, em janeiro, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, admitiu a possibilidade de aproximação entre os dois países. “Não temos problemas territoriais ou interesse em recursos naturais uns dos outros. Portanto, o Irã pode iniciar este esforço. Não devemos esperar pelos outros”, disse Zarif. 

Em artigo conjunto no jornal The Guardian, Sager e Mousavian reconheceram que a missão de aproximar os dois rivais é “quase impossível”, mas que a tensão atual é insustentável. “Estamos à mercê de um erro de cálculo que pode esquentar a longa guerra fria entre os dois países, trazendo consequências desastrosas para toda a região.”

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Críticas de democratas

O bombardeio às milícias apoiadas pelo Irã expôs o presidente americano a críticas da esquerda e de membros de seu partido. Ontem, congressistas democratas exigiram da Casa Branca justificativas para a operação.

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“A ação militar sem aprovação do Congresso não é constitucional, caso não seja em circunstâncias extraordinárias”, afirmou o senador Tim Kaine, que foi candidato democrata à vice-presidência na chapa de Hillary Clinton. “Os americanos merecem ouvir a justificativa do governo.”

Chris Murphy, senador democrata e membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, também criticou o presidente. “Ataques retaliatórios, não necessários para prevenir uma ameaça iminente, devem se enquadrar na definição de uma autorização do Congresso para o uso da força militar”, afirmou.

Phyllis Bennis, ativista e pesquisadora do centro de estudos Institute for Policy Studies, afirmou que a decisão de Biden foi “provocativa e perigosa”. “É isso que ‘América está de volta’ significa?”, questionou, em referência ao slogan de campanha de Biden.  / REUTERS, NYT, AP e AFP

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