Cenários impensáveis

Trump evoluiu de piada de mau gosto a favorito e agora é ameaçado por Ted Cruz

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colunista convidado
Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

As primárias republicanas têm sido uma sequência de cenários impensáveis. Em fevereiro, a viabilidade da candidatura do empresário Donald Trump parecia estapafúrdia. Estado após Estado, Trump foi pavimentando sua postulação. Em março, Trump evoluiu de fenômeno fugaz e piada de mau gosto para uma séria ameaça de expor seu Partido Republicano ao ridículo e de empurrá-lo em direção à irrelevância. 

Abril começou indicando que essa onda pode sofrer uma reversão. Na terça-feira, Trump foi massacrado nas primárias de Wisconsin pelo seu rival, o ultraconservador Ted Cruz, senador pelo Texas. Apenas um mês antes, as pesquisas previam vitória folgada de Trump no Estado. A derrota ocorreu em meio a uma série de deslizes cometidos pelo intelectualmente errático bilionário. 

Coragem de dizer o que pensa traz dividendo político Foto: Damon Winter| The New York Times

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No pior deles, Trump afirmou que mulheres que praticam aborto deveriam ser punidas. Diante da reação, recuou, dizendo que talvez apenas os médicos devessem sofrer o castigo. Com isso, conseguiu se indispor não só com os que defendem o direito ao aborto, mas também com os que o rejeitam, que viram sua posição enfraquecida por um raciocínio tosco. 

Para justificar sua mudança de posição a respeito, lembrou que Ronald Reagan, figura icônica do partido, também defendeu e depois se opôs ao aborto. Ainda deu chance a sua eventual rival democrata, Hillary Clinton, de responder que todos os republicanos pensam assim, apenas não o admitem em público. Não ajudou o fato de ter tido de sair em defesa do coordenador de sua campanha, acusado de agredir uma repórter.

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No fundo, curiosamente, o empresário é vítima dos próprios trunfos e estratégias. Trump angariou apoio de eleitores desiludidos com os políticos tradicionais e hostis aos lobbies em Washington, a quem atribuem suas agruras, sobretudo a perda de empregos industriais em razão dos acordos de livre comércio. 

Coragem. Esses eleitores não levam a sério nem concordam necessariamente com tudo o que Trump fala, mas perdoam seus eventuais exageros e incongruências em nome de sua suposta coragem de falar o que pensa, mesmo que isso possa prejudicá-lo eleitoralmente. 

Ao longo das últimas semanas, a imprensa veio desmontando essa imagem, ao expor as mentiras do pré-candidato quanto a seus supostos êxitos como empresário. As ideias de Trump sobre o sistema público de saúde adotado pelo presidente Barack Obama, um tema caro para os republicanos, que o rejeitam, são híbridas. Ele manteria algumas coisas e acabaria com outras, criando zonas de desproteção e não cortando custos e obrigações – ou seja, o pior de dois mundos. 

Toda a inconsistência de Trump reside no fato de ele ser o oposto da imagem que tenta vender: suas posições são produto não do que ele acredita, mas do esforço de agradar ao maior número possível de republicanos. E isso começa a transparecer para os eleitores do partido. 

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Trump continua na frente de Cruz, por 743 a 520 delegados, mas distante dos 1.237 necessários para se sagrar candidato sem uma votação na convenção de julho – na qual parte dos delegados, em geral mais próximos do establishment e de Cruz, terá liberdade para escolher seu candidato independentemente das primárias. 

Seu futuro depende de seu desempenho neste mês, nas primárias de seu Estado, Nova York, dia 19, e de outros seis Estados da região nordeste, dia 26. Se não vencer por margens avassaladoras, poderá sofrer uma virada de mesa na convenção. Seguirei acompanhando esta semana, no meu blog.