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Chilenos vão às urnas hoje para decidir se revogam Constituição da época de Pinochet

O fato da atual Constituição ter sido criada durante a ditadura foi utilizado para atrair votos ao para sua aprovação, mas não foi suficiente para obter um apoio maciço

Foto do author Renato Vasconcelos
Foto do author Carolina Marins
Por Luiz Henrique Gomes , Renato Vasconcelos e Carolina Marins
Atualização:

Os chilenos decidem neste domingo, 4, nas urnas se aprovam ou não a nova Constituição. Segundo pesquisas, o texto apresentado em julho tende a ser rejeitado pela maioria, o que representaria uma derrota política para o presidente, Gabriel Boric, no cargo desde março.

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A nova Carta, caso aprovada, substituirá o texto constitucional de 1980, elaborado na ditadura de Augusto Pinochet. O regime do general começou a ruir justamente após um plebiscito, em 1988, quando os chilenos disseram não à ditadura, uma das mais brutais da América Latina, que deixou mais de 3 mil mortos e 35 mil torturados, segundo relatórios oficiais.

Naquela época, Pinochet convocou a votação para legitimar sua permanência no poder até 1997, mas saiu derrotado das urnas. A participação em massa dos chilenos (97%) levou o ditador a reconhecer o resultado e iniciar a transição democrática. Na votação de hoje, o comparecimento também deve ser um fator decisivo.

Funcionários da Justiça eleitoral chilena se preparam para referendo constitucional  Foto: Elvis González/EFE

Discurso político

A campanha pela aprovação tem usado a imagem do referendo de 1988, que marcou uma geração de chilenos. No último dia de campanha, na quinta-feira, o paralelo entre os dois processos era evidente nas ruas de Santiago, um dos locais em que a maior parte do eleitorado aprova o novo texto.

Milhares de partidários da nova proposta marcharam na capital com cartazes que pediam “o fim da Constituição de Pinochet” e lembravam Salvador Allende, presidente assassinado no golpe de Estado promovido pelo ditador e pelas Força Armadas, em 1973.

Momento histórico

Analistas observam semelhanças e diferenças entre os dois períodos. Assim como em 1988, o Chile vive hoje uma crise econômica marcada pela inflação acentuada. Como há quase 35 anos, a participação popular, sobretudo dos jovens, também pode ser decisiva.

A divisão etária é outra semelhança nos dois casos. Assim como em 1988, a maioria dos jovens hoje defende a mudança. Os idosos querem manter o status quo. “Em geral, costuma haver entre os mais velhos um temor pelo desconhecido”, disse Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile (PUC Chile).

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Riscos para o governo

Na avaliação de Roberto Izikson, diretor de assuntos públicos do Cadem, maior instituto de pesquisa do Chile, o contexto de crise econômica pode afetar o resultado. “Em 1988, as condições eram adversas para a ditadura militar e ajudaram o ‘não’ a conquistar uma diferença significativa”, disse. “Hoje, essas mesmas condições são adversas para o governo atual (de Gabriel Boric) e, portanto, mobilizam mais o voto de rejeição à nova Carta.”

O impacto político de uma derrota do novo texto constitucional poderia causar um efeito político adverso para o governo. “Se a Constituição for rejeitada com uma porcentagem maior do que a rejeição à ditadura, em 1988, ou tiver mais votos do que Boric obteve no segundo turno ( em 2021), o governo pode ficar em uma posição muito complexa e o presidente necessitará de habilidade política para reconfigurar os próximos três anos”, disse Izikson.

É por isso que os governistas e os defensores da nova Carta passaram os últimos dias em uma blitz para atrair às urnas jovens, mulheres e a população de baixa renda – as três parcelas do eleitorado que podem virar o jogo.

Durante toda a campanha do referendo, o fato de a atual Constituição ter sido criada durante a ditadura foi utilizado para atrair votos em favor da nova Carta, mas isso não foi suficiente para obter um apoio mais amplo da população.

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Na avaliação de especialistas, isso ocorre porque pontos controvertidos ampliam a rejeição, como a ideia de plurinacionalidade – que dilui o ideal de nação construído desde a independência do Chile. Outro ponto de atrito é o fim do Senado, que seria substituído por uma Câmara das Regiões – incumbida de avaliar as leis de impacto regional.

“O rechaço não é contra a ideia de mudar a Constituição, mas uma rejeição de algumas propostas em específico”, disse Carmen Le Foulon, coordenadora de opinião pública do Centro de Estudos Públicos (CEP).

Segundo Foulon, essa característica fica evidente em uma pesquisa realizada pelo CEP, entre abril e maio, na qual 42% dos chilenos afirmaram que desejavam uma nova Constituição. Outros 31% desejavam reformas no texto atual e 15% pediram para mantê-lo como está. “O plebiscito de 2020, que perguntava se os chilenos desejavam uma nova Constituição, também deixou isso claro: 80% disseram que sim”, disse.

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Sem alternativa

Além disso, o apoio ao novo texto constitucional não segue uma linha ideológica. Boa parte dos que rejeitam a Carta são de centro ou centro-esquerda.

Entre eles estão os ex-presidentes Ricardo Lagos, um socialista, e Eduardo Frei, um democrata cristão. Ambos rejeita tanto a Constituição de Pinochet quanto a nova proposta e defendem que o processo constituinte siga após o referendo.

Já os partidos de centro e de centro-direita que se opõem à nova Carta tiveram um número muito pequeno de representantes eleitos para a Convenção Constituinte – em parte graças ao governo impopular do então presidente Sebastián Piñera – e suas chances de influenciar o texto foram sempre muito baixas. Isso acirrou o debate e prejudicou as tentativas de consenso. •

“Em 1988, as condições eram adversas para a ditadura militar e ajudaram o ‘não’ a conquistar uma diferença significativa” Roberto Izikson Diretor de assuntos públicos do instituo de pesquisa Cadem.

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