China e Índia impedem manobra do Ocidente de sufocar as exportações da Rússia

Com os dois países comprando o petróleo russo depois das sanções para forçar o fim da invasão à Ucrânia, Moscou passou a lucrar mais agora do que antes da guerra

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Por Victoria Kim , Clifford Krauss e Anton Troianovski

THE NEW TORK TIMES — Quando Estados Unidos e União Europeia manobraram para cortar compras de combustíveis fósseis da Rússia, este ano, eles esperavam que isso colaboraria para tornar a invasão russa à Ucrânia tão dolorosa economicamente para Moscou que o presidente Vladimir Putin seria forçado a desistir.

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Essa perspectiva agora parece, na melhor das hipóteses, remota.

China e Índia, os países mais populosos do mundo, se apresentaram para comprar aproximadamente o mesmo volume de petróleo russo que teria ido para o Ocidente. Os preços do petróleo estão tão altos que a Rússia está fazendo mais dinheiro agora com as vendas do que fazia antes da guerra começar, quatro meses atrás. E sua moeda, antes titubeante, elevou de valor em relação ao dólar.

Plataforma de petróleo operada pela companhia Lukoil, no campo russo de Kravtsovskoye, no Mar Báltico. Foto: Vitaly Nevar/ REUTERS

Autoridades russas não contêm o sorriso em relação ao que qualificam como um espetacular fracasso em intimidar Putin. E o castigo econômico que o boicote ao petróleo deveria ter infligido não reverbera tanto em Moscou quanto no Ocidente, especialmente nos EUA, onde os estratosféricos preços do petróleo representam uma ameaça potente contra o presidente Joe Biden antes da metade de seu mandato.

Alguns apontam que o embargo europeu contra o petróleo russo ainda não surtiu efeito e afirmam que os efeitos a longo prazo para o ostracismo econômico da Rússia em relação à guerra continuam um poderoso determinante do destino do país. Esses efeitos vão muito além do comércio de combustíveis fósseis, prejudicando o sistema bancário e outros setores da economia russa, mas a venda de petróleo e gás natural é, em grande parte, o que mantém o governo e suas Forças Armadas.

“As coisas estão muito melhores do que a pior hipótese e provavelmente melhores do que estavam antes”, afirmou Yevgeni Nadorshin, economista-chefe da firma de consultoria PF Capital, de Moscou, a respeito dos lucros da Rússia com energia. “Infelizmente, o período mais difícil está só começando.”

Conflito prolongado

A possibilidade de Putin sentir-se entusiasmado financeiramente e continuar a guerra indefinidamente é uma questão em aberto. Mas tudo indica que a Ucrânia e seus apoiadores estão se preparando ainda mais para um conflito prolongado.

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Irina Vereshchuk, vice-primeira-ministra da Ucrânia, fez um apelo urgente para as centenas de milhares de pessoas que vivem nas áreas ocupadas pela Rússia no sul ucraniano, para que deixem a região antes da possível contraofensiva das forças ucranianas.

Tropas ucranianas participam de exercício militar em Odessa, em 22 de junho. Foto: Oleksandr Gimanov/ AFP

E na terça-feira, o governo de Joe Biden enviou o procurador-geral Merrick Garland a uma visita surpresa à Ucrânia, onde ele anunciou a nomeação de Eli Rosenbaum, um promotor de Justiça veterano, conhecido por investigar ex-nazistas, para liderar os esforços dos EUA em ajudar a perseguir russos envolvidos em possíveis crimes de guerra na Ucrânia. Putin rejeita categoricamente qualquer acusação de atrocidades cometidas por tropas russas na Ucrânia, que há muito tempo ele afirma não ser nem mesmo um país legítimo.

Mas no curto prazo, os EUA e seus aliados do Ocidente têm contado com sanções econômicas, não com processos criminais, para persuadir Moscou a recuar — ou pelo menos desgastar sua capacidade de sustentar a guerra. Por agora, pelo menos, essa tática parece estar saindo pela culatra, dada a demanda em elevação na Ásia pelo petróleo da Rússia, que é o terceiro maior produtor mundial do insumo, depois de EUA e Arábia Saudita.

Em maio, as importações chinesas de petróleo russo cresceram 28% em relação ao mês anterior, atingindo um recorde de alta e ajudando a Rússia a superar a Arábia Saudita como principal fornecedor da China, segundo estatísticas chinesas. A Índia, que anteriormente comprava pouco petróleo da Rússia, está importando atualmente mais de 760 mil barris diariamente dos russos, de acordo com dados de frete analisados pela Kpler, uma firma de pesquisa de mercado.

“A Ásia salvou a produção russa de petróleo”, afirmou Viktor Katona, analista da Kpler. “A Rússia, em vez de cair, está perto dos níveis pré-pandêmicos.”

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Mudança da Europa para a Ásia

De acordo com a Rystad Energy, uma empresa independente de pesquisa e análise corporativa, as vendas de petróleo russo para a Europa diminuíram em 554 mil barris ao dia de março a maio, mas as refinarias asiáticas aumentaram sua compra em 503 mil barris ao dia — uma substituição quase equivalente.

Apesar da Rússia estar vendendo petróleo com bastante desconto, por causa dos riscos associados às sanções impostas em razão da invasão à Ucrânia, os preços altos da energia têm compensado. A Rússia ganhou no mês passado US$ 1,7 bilhão a mais do que ganhou em abril, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

Refinaria de petróleo no estado indiano de Gujarat, em foto de 2021; importações de petróleo bruto da Rússia aumentaram exponencialmente na Índia e na China. Foto: Reliance Industries Limited in Jamnagar via AP

Continua incerto se a Ásia comprará todo o petróleo russo que era anteriormente destinado à Europa, enquanto a União Europeia trabalha para livrar-se da dependência das exportações de energia do Kremlin. Mas até aqui, a mudança tem possibilitado a Moscou manter os níveis de produção de petróleo e frustrar as expectativas de que sua renda despencaria.

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As compras da China, particularmente, sublinharam o apoio que Putin desfruta de seu colega chinês, Xi Jinping, que prometeu aprofundar a cooperação com Moscou, apesar de suas dúvidas em relação à guerra na Ucrânia.

A combinação entre petróleo russo com desconto e preços mais altos nas bombas também significa que as refinarias indianas estão lucrando duplamente, de acordo com analistas. Alguns dos derivados de petróleo exportados pela Índia têm sido enviados para EUA, Reino Unido, França e Itália, de acordo com o Centro para Pesquisa em Energia e Ar Limpo, com base na Finlândia.

Uma vez que as refinarias transformam petróleo em diesel ou gasolina, ninguém é capaz de distinguir se os combustíveis que enviam para a Europa e outros países se originam no petróleo russo. Isso significa que motoristas do Ocidente que pensam estar pagando mais porque compram combustível não russo podem estar errados.

“Entre essas moléculas, muitas vêm da Rússia”, afirmou Jeff Brown, presidente da firma de consultoria em energia FGE, a respeito de derivados refinados de petróleo exportados para o Ocidente.

Fracasso das sanções?

A alta demanda global por petróleo e gás natural da Rússia está fazendo autoridades russas declararem que os esforços do Ocidente para limitar as exportações russas fracassaram.

Aleksei Miller, diretor da Gazprom, a gigante russa do setor energia, fez graça em uma conferência de economia em São Petersburgo, na semana passada, afirmando que não carrega nenhum tipo de ressentimento em relação à Europa, porque mesmo que as importações do continente do gás russo tenham caído “dezenas e dezenas de pontos percentuais”, os preços “aumentaram centenas e centenas de pontos percentuais”.

“Não mentirei se disser a vocês que não tenho nenhuma mágoa em relação a isso”, afirmou ele.

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Logo da empresa russa Gazprom em São Petersburgo. Foto: REUTERS

Apenas neste mês, estimou o Ministério das Finanças da Rússia, a expectativa era que os cofres do governo recebessem US$ 6 bilhões a mais pelas vendas de petróleo e gás natural do que o antecipado em razão dos altos preços.

Ainda assim, as sanções deverão impingir um castigo maior à economia russa no segundo semestre deste ano. E ainda que a retomada da moeda russa, o rublo, possa ser atribuída em parte à surpreendente resiliência econômica do país, isso também reflete os estritos controles do governo sobre fluxos de capital e a diminuição acentuada das importações da Rússia.

O governo de Putin também reduziu drasticamente o quanto de seu orçamento é tornado público, dificultando a quantificação do montante que o país está gastando na guerra. Analistas afirmam que não há nenhuma evidência de que Putin esteja sob pressão imediata — econômica ou de qualquer outra natureza — para diminuir a intensidade de sua campanha militar.

Mas Nadorshin afirmou que os dados que o governo publica indicam uma tentativa de cortar os gastos em todas as áreas. E evidências de escassez de equipamentos para o Exército russo, com voluntários enfrentando dificuldades para fazer chegar kits de primeiros-socorros e outros itens básicos para as tropas, demonstram as limitações da capacidade do Kremlin de financiar o esforço de guerra.

“A prontidão do governo para gastar está sofrendo claramente, apesar das bravatas dos pronunciamentos oficiais”, afirmou Nadorshin. “Não é difícil depreender que, em termos de obtenção de armamento, nem tudo corre bem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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