Em meio à crise econômica mundial, a China tenta garantir crescimento de pelo menos 8% da economia para evitar que uma inquietação social gere protestos como os da Praça da Paz Celestial em 1989. O movimento de 20 anos atrás é conhecido por ter sido liderado pela elite estudantil pró-democracia da China, mas os protestos se fortaleceram porque contaram com a participação de trabalhadores e desempregados. Além de protestar por liberdade e contra corrupção, os manifestantes também reclamava da inflação no preço dos alimentos e reivindicavam melhores salários e moradia. Em 1989, a China passava por uma época de reforma e abertura econômica que teve início em 1978 com a liderança de Deng Xiaoping, após a morte de Mao Tsé-tung em 1976. Boa parte da população de 1,1 bilhão de 1989 estava frustrada com o ritmo das mudanças, que criaram um crescente desequilíbrio entre ricos e pobres e causaram inflação e uma economia superaquecida, que enfrentou fortes medidas de resfriamento naquele ano, segundo artigos do acadêmico David Shambaugh. Em 1987, os preços ao consumidor aumentaram 7,3% e em 1988 a inflação saltou para 18,5%, chegando a 28% somente no primeiro trimestre de 1989, de acordo com Dingxing Zhao no livro The Power of Tianamen ("A Força da Praça da Paz Celestial", em tradução livre). Segundo o autor, muitos chineses acreditavam que os números eram na verdade ainda mais altos e o governo comunista "maquiava" as estatísticas. "Não tínhamos nada a perder, por isso protestávamos", disse à BBC Brasil Han Dongfang, dissidente que mora em Hong Kong e participou das manifestações em 1989. Prosperidade De acordo com os dissidentes ouvidos pela BBC Brasil, a China aprendeu a lição de que insatisfação econômica gera inquietação social e por isso a criação de prosperidade é fundamental para a permanência do Partido Comunista no poder. Para este ano, por exemplo, o governo estabeleceu a meta de crescimento de 8% e está investindo US$ 580 bilhões na economia a fim de garantir que a crise internacional não gere ondas de demissões em massa capazes de abalar a estabilidade da liderança comunista. As medidas econômicas pragmáticas não evitaram, porém, que até o momento 20 milhões operários ficassem desempregados, segundo números oficiais. Alguns dissidentes afirmaram que a mobilização pró-democracia de hoje se fundamenta justamente nesse grupo de chineses, que migram do interior para a costa em busca de trabalho nas indústrias manufatureiras exportadoras. Esses trabalhadores não recebem apoio da rede social nas cidades, pois não têm direito a residência permanente, ao mesmo tempo em que sofrem abusos de patrões que os escravizam ou não pagam os salários. Segundo levantamento do China Labour Bulletin, uma publicação independente do governo, no ano passado o número de processos trabalhistas na China praticamente dobrou. Somente na cidade de Xiamen, no sul, os litígios passaram de 3327 para 8313. Apesar de na maioria das vezes os confrontos entre trabalhadores e empregadores não recebem cobertura da imprensa estatal, ONGs registram diversos episódios.Próximo a cidade de Wuhan, atualmente 15 trabalhadores estão há mais de um ano sem receber pagamento e seguem protestando, segundo a China Labour Bulletin. Em dezembro milhares de trabalhadores entraram em confronto com a policia no distrito de Minxing, em Xangai, após serem demitidos, de acordo com o Centro para Direitos Humanos, uma ONG de Hong Kong. "Essas pessoas estão lutando de uma forma mais concreta, pois se organizam para fazer manifestações contra confisco, por melhora nos salários, é uma luta concreta, não apenas discurso e slogans como há 20 anos", avalia Han. "Naquela época, se acontecia uma manifestação pró-democracia, o governo ia no campo e contratava por 10 yuans camponeses para vir à cidade protestar contra o protesto pró-democrático. As pessoas aceitavam isso, pois não tinham ideia dos seus direitos. Hoje isso não acontece mais", conta Han. Assim como Han Dongfang, o legislador de Hong Kong Cheuk-yan Lee também participou das manifestações de 1989. "A discrepância entre ricos e pobres e as pressões econômicas sobre os trabalhadores estão causando manifestações hoje em dia", disse Lee à BBC Brasil. "Acredito que os trabalhadores liderarão a próxima onda de grandes protestos e os estudantes com ideais seguirão o movimento". Segundo estimativas oficiais, existem na China 130 milhões de trabalhadores que imigraram do campo para as grandes cidades. Desses, entre 25 e 26 milhões deverão ser atingidos diretamente pelos efeitos da crise, estimou um estudo divulgado em fevereiro pelo Grupo Central de Trabalho Rural, uma organização de Pequim que aconselha o governo na adoção de políticas relacionadas ao campo. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.