Mundo em Desalinho

Inflação e alta no preço dos imóveis angustiam os chineses

Sob a superfície do espetacular crescimento econômico de 2010, o descontentamento dos chineses está em ebulição. Inflação em alta, preços estratosféricos de imóveis e gastos médicos são os principais ingredientes do coquetel que azeda o humor da população e mostra o descompasso entre as cifras do PIB e a situação social do país.

PUBLICIDADE

Por claudiatrevisan
Atualização:

A inflação é a principal fonte de angústia, evidenciada em pesquisa do Banco do Povo da China segundo a qual 74% dos entrevistados consideram o atual patamar de preços "muito alto para ser aceito".

PUBLICIDADE

Divulgado em dezembro, o levantamento ouviu 20 mil pessoas em 50 cidades chinesas e mostrou o maior grau de insatisfação em 11 anos, além de representar aumento significativo em relação aos 58% registrados no terceiro trimestre.

Sob o impacto negativo do aumento do custo de vida, a confiança do consumidor caiu em dezembro pelo terceiro mês consecutivo e se aproximou do mais baixo patamar da série, registrado em novembro de 2008, no auge da crise financeira global.

A maior pressão sobre os preços vem dos alimentos, que acumularam alta de 7,2% em 2010. Até novembro, a alta de vegetais frescos havia sido de 23,7% e a de frutas, de 16,3%. Ao mesmo tempo em que tiveram que gastar mais para suprir uma necessidade tão básica quanto comer, os chineses urbanos também viram sua renda crescer no menor patamar em sete anos _7,8% em termos reais, comparados a 9,8% em 2009.

O ritmo de expansão da renda ficou aquém da forte alta no preço dos imóveis, que para muitos chineses atingiu um patamar inalcançável, e também não acompanhou a expansão do PIB, de 10,3%.

Publicidade

"Minha família poupa cada centavo que pode, mas ainda assim nós não conseguimos acompanhar a velocidade do preço dos imóveis. A inflação está tão grave que nós temos que aprender a administrar o dinheiro, para que ele não se desvalorize", diz a escritora Shi Shang, 31. Com taxas de juros negativas, há poucas opções de investimento que preserve o poder de compra dos chineses.

Poupar o suficiente para pagar a entrada de um apartamento é o principal objetivo da família, que não gasta em restaurantes, táxi, viagens ou qualquer coisa "supérflua". Shi e o marido, o engenheiro Sun Rui, têm uma renda anual de 150 mil yuans (R$ 38 mil) e pretendem comprar um imóvel de 2 milhões de yuans (R$ 506 mil) _13 vezes mais o que ganham a cada ano.

Só para o primeiro pagamento eles precisarão economizar 600 mil yuans (R$ 152 mil), o equivalente a 30% do preço. O restante será financiado pelos bancos em prazo que pode chegar a 30 anos.

O preço dos imóveis _que não entra no cálculo do índice de inflação_ sobe há 19 meses seguidos e sustentou altas mensais de dois dígitos no período de fevereiro a junho de 2010.

Mas essa é a média. Nas grandes cidades como Pequim e Xangai, os novos imóveis registraram alta de 35,4% no ano passado, segundo a empresa de consultoria DTZ. Com isso, o preço do metro quadrado dos lançamentos nessas regiões atingiu a média de 18,85 mil yuans, o equivalente a R$ 4.765.

Publicidade

Em Pequim, a renda per capita líquida foi de 26,74 mil yuans em 2009 _último dado disponível. Se ela for corrigida pelos 7,8% de alta registrados no ano passado, ela seria de 28,8 mil yuans, o suficiente para comprar apenas 1,5 metro quadrado de um imóvel novo.

A inflação, a assistência médica e o preço dos imóveis foram os principais fatores de preocupação dos chineses no ano passado, de acordo com levantamento realizado a pedido da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ACCS), o principal centro de pesquisas ligado ao governo.

Os dados mostraram queda para o menor patamar desde 2006 do "índice de satisfação" dos chineses com suas próprias vidas, que integra estudo anual da academia sobre a situação social do país.

"O indicador é bastante sensível à flutuação de preços", afirma Li Peilin, diretor do Instituto de Pesquisa Sociológica da ACCS. O aumento da insatisfação foi mais acentuado nas pequenas localidades, onde a renda per capita é mais baixa que nas grandes cidades.

Segundo Li, os gastos com alimentação representam parcela significativa da renda nessas localidades, o faz com que a inflação "coma" uma fatia proporcionalmente maior da renda, deixando poucos recursos disponíveis para outros gastos.

Publicidade

Diretora do Horizon Research Consultancy Group, que realiza a pesquisa para a ACCS,

Zhang Hui acredita que os números refletem o fato de que o desenvolvimento social do país não é tão veloz quanto o econômico.

Segundo ela, a insatisfação foi amenizada em 2008 e 2009 pela Olimpíada de Pequim e o bom desempenho da China em meio à crise financeira global. "Em 2010, esses estímulos desapareceram e o ritmo de crescimento da renda, a flutuação de preços e a situação da seguridade social não trouxeram benefícios notáveis e concretos à população", observou Zhang.

A perspectiva para 2011 não é animadora. A expectativa dos analistas é que a inflação seja superior à de 2010, com forte alta dos alimentos no primeiro semestre, em razão da seca que assola o norte do país.

Apesar das medidas adotadas pelo governo, o preço dos imóveis continua a subir e algumas consultorias acreditam que a velocidade voltou a se acelerar em janeiro, depois de um período de redução da alta nos últimos meses de 2010.

Publicidade

O próprio primeiro-ministro Wen Jiabao reconheceu na quarta-feira que o ano não será fácil. "Nosso caminho ainda terá muitas dificuldades e problemas."

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.