Com o apoio encolhendo e Trump no poder, Zelenski pode enfrentar uma reeleição difícil

A alta popularidade que o presidente ucraniano tinha no começo da guerra, com 90% de aprovação, caiu drasticamente e oposição se reorganiza

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Por Andrew E. Kramer (The New York Times) e Kenneth P. Vogel (The New York Times)

KIEV - Desde que a Rússia invadiu seu país há três anos, o presidente Volodmir Zelenski, da Ucrânia, sobreviveu a um ataque militar em sua capital, conspirações de assassinato, escândalos de corrupção em seu governo, disputas políticas internas e reveses ameaçadores na luta de seu Exército contra a Rússia.

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Ele teve apoio suficiente dos ucranianos para seguir adiante em todas as vezes.

Agora, com Donald Trump instalado na Casa Branca, Zelenski está enfrentando um novo desafio: manter boas relações com o aliado mais fundamental do país e um presidente que tem sido desdenhoso com ele e cético em relação à ajuda militar.

A chegada de Trump ocorre em um momento precário para Zelenski internamente. A popularidade crescente que ele experimentou no início da guerra, com um índice de aprovação de cerca de 90%, tem caído muito. A mais recente pesquisa mostra que o apoio caiu para quase 50%, e cai ainda mais em pesquisas que avaliam sua popularidade contra potenciais concorrentes se as eleições fossem realizadas após um acordo de cessar-fogo com a Rússia.

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E surgiu um novo ponto problemático para Zelenski: o renascimento da oposição política na Ucrânia, animada pelas perspectivas de um cessar-fogo e as eleições que podem acontecer em breve. Seus oponentes também são encorajados pela enxurrada de críticas que Trump e seus assessores têm direcionado a Zelenski.

Com popularidade em queda, presidente Volodmir Zelenski vê a oposição ressurgir na Ucrânia. Foto: Daniel Berehulak/The New York Times

Dois adversários que concorreram contra Zelenski nas eleições ucranianas em 2019 — o ex-presidente Petro O. Poroshenko e a ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko — entraram em contato com membros da equipe de Trump. Timoshenko viajou para Washington para participar de alguns eventos inaugurais na segunda feira.

Zelenski não compareceu à cerimônia. Ele disse que viajaria para Washington apenas se fosse convidado por Trump.

“Ele acredita no show de um homem só, mas isso não funciona”, disse Oleksii Goncharenko, membro do Parlamento no partido de oposição, Solidariedade Europeia, a respeito do papel de Zelenski como o rosto da resistência ucraniana após a invasão russa em 2022. Mais pluralismo ajudará no esforço de guerra, ele disse em uma entrevista: “Nós não somos a Rússia”.

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Zelenski uniu seu povo e países aliados durante a guerra com vídeos noturnos e viagens frequentes ao exterior. Mas, além disso, ele se enclausurou em um círculo cada vez mais estreito de assessores leais, restringindo o acesso a figuras da oposição e ignorando seus conselhos em geral, disse Goncharenko. A oposição mais ativa que está surgindo agora ajudará no esforço de guerra, ele acrescentou.

É verdade que não há eleições marcadas na Ucrânia — elas nem mesmo são possíveis, dizem especialistas eleitorais — enquanto a guerra continua e o país está sob lei marcial. A Rússia pode atrapalhar qualquer votação com saraivadas de mísseis. Milhões de ucranianos, incluindo soldados em combate, refugiados na Europa e pessoas vivendo sob ocupação, correriam o risco de perder seu direito ao voto. Então, enquanto lutam por sua democracia, os ucranianos não podem praticá-la.

Ainda assim, figuras da oposição não deixaram de notar como os reveses na guerra reduziram a popularidade de Zelenski. De acordo com a Constituição, as eleições devem ser convocadas após o fim da lei marcial. O Parlamento impôs a lei marcial pela primeira vez em fevereiro de 2022, após a invasão russa em larga escala, e a prorroga com votações periódicas.

Em uma pesquisa, Zelenski ainda tem o apoio da maioria dos ucranianos, embora seja pequeno: 52% deles ainda confiam no presidente, de acordo com uma pesquisa em dezembro pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev.

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Mas pesquisas focadas mais especificamente em uma eleição presidencial hipotética mostram Zelenski atrás de um ex-comandante militar, Valeri Zaluzhni, que foi afastado pelo presidente como parte de uma ampla reforma do comando militar e agora é o embaixador da Ucrânia na Grã-Bretanha.

Uma pesquisa feita pela agência de pesquisas Leading Legal Initiatives mostrou que Zaluzhni venceria em um hipotético primeiro turno de uma eleição de dois turnos com 24% dos votos. Zelenski ficou para trás, com 16%; e Timoshenko, a figura da oposição, ficou em terceiro lugar com 12%. Nem Zaluzhni nem Timoshenko declararam intenção de concorrer.

Para Zelenski, o apoio decrescente tem implicações além da política: pode minar seu papel como comandante-chefe em tempos de guerra.

“Não vale a pena seguir explicando a respeito dos desastres que podem acontecer em caso de deslegitimação e colapso do controle”, escreveu Anton Hrushetskyi, diretor executivo do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, em uma análise da queda dos índices de aprovação.

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Isso não impediu Trump e membros de sua comitiva de atacar Zelenski. Em um comício em setembro, por exemplo, Trump chamou Zelenski de “o maior vendedor da história” por causa dos bilhões em ajuda militar que ele garantiu para defender seu país.

Falando com repórteres na segunda feira após a posse, no entanto, Trump ofereceu uma avaliação positiva da abertura de Zelenski para negociações de um acordo e uma de suas avaliações mais duras até o momento do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que ele disse estar “destruindo a Rússia” com a guerra.

Antes da posse, Donald Trump encontrou com Volodmir Zelenski e Emmanuel Macron na França Foto: James Hill /The New York Times

Zelenski e seus assessores se esforçaram para fazer incursões com a equipe de Trump. O presidente ucraniano se encontrou com Trump em Nova York em setembro. Andrii Iermak, chefe de gabinete presidencial ucraniano, se encontrou em dezembro no Capitólio com o vice-presidente eleito, JD Vance, e o novo conselheiro de segurança nacional, Michael Waltz, que era então um congressista da Flórida, de acordo com duas pessoas informadas a respeito da reunião.

Os assessores de Zelenski também tentaram obter favores nos bastidores. Autoridades em Kiev discutiram a possibilidade de intermediar um acordo para comprar os direitos do livro de Melania Trump, “Melania”, para o idioma ucraniano, de acordo com uma autoridade ucraniana informada a respeito da discussão.

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Não ficou claro se alguém no grupo havia entrado em contato com os assessores ou a editora da primeira-dama americana, disse a autoridade. Ele descreveu a discussão como nada mais do que um “brainstorming” dos assessores de Zelenski envolvendo o estabelecimento de boas relações com Trump.

Em uma viagem a Washington em dezembro, Poroshenko falou com Waltz, o escolhido para conselheiro de segurança nacional. Poroshenko elogiou a conversa em uma publicação no Facebook na qual ele promoveu seus laços com a equipe de Trump e incluiu fotos de si mesmo com Waltz.

“Recebi garantias da prontidão do novo governo dos EUA para demonstrar liderança na questão de repelir a agressão russa e estabelecer uma paz justa na Ucrânia”, ele escreveu, acrescentando que a equipe de Trump “se lembra bem da nossa cooperação com ele durante minha presidência”.

Uma pessoa que estava presente disse que Poroshenko havia exagerado a importância da conversa com Waltz, que ocorreu em um corredor em um evento do qual os dois estavam participando e não foi uma reunião formal. Poroshenko negou perseguir quaisquer objetivos políticos durante a guerra.

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Oleksandr Merezhko, presidente do comitê de política externa no Parlamento da Ucrânia e membro do partido político de Zelenski, disse que se envolver com um partido de oposição era diplomacia padrão para a equipe de Trump.

“A Ucrânia é uma sociedade democrática”, ele disse. “É ótimo se reunir com a oposição.”

Mas ele alegou que o gesto da oposição buscava “principalmente a autopromoção e as relações públicas políticas”. Merezhko tentou uma abordagem diferente para chamar a atenção de Trump para a guerra: no outono passado, ele indicou Trump para o Prêmio Nobel da Paz.

Merezhko disse que não acreditava que Trump tivesse qualquer animosidade profunda em relação a Zelenski. O comentário do “maior vendedor”, ele disse, poderia ser lido como positivo.

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“No mundo de Trump, isso é um elogio”, ele disse. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL