La Suíza é uma das mais miseráveis favelas que compõem o Petare - maior cinturão de pobreza da Venezuela, com 1 milhão dos 30 milhões de habitantes do país. Em La Suíza falta coleta de lixo, eletricidade e água, mas a maior preocupação é com a saúde. Não das 80 famílias que moram ali, mas a do presidente Hugo Chávez. Dela depende, creem, os subsídios em comida, moradia e transporte que explicam a onipresença do bolivariano. "Se ele morrer, tudo isso se acaba. Será um retrocesso tremendo", afirma a faxineira e cozinheira Rosa Salazar. Aos sábados, ela caminha 100 metros - 50 se atalhar por um íngreme barranco de terra - até o Mercal, o centro de distribuição de alimentos espalhado pelo chavismo nos bairros mais pobres. Ali, compra frango, leite em pó e outros produtos desembolsando em média 40% do valor pago no pé do morro, em um mercado convencional."Basta entrar na fila. Não é preciso dizer que vota em Chávez para comprar aqui. Mas posso garantir que 90% de quem vem é chavista", diz orgulhoso José Materan, de 46 anos, o tesoureiro da casa comunal que engloba o Mercal, uma sala com internet e um Simoncito - nome dado às creches para crianças de 3 a 6 anos, referência ao libertador Simon Bolívar. Conforme Materan, são distribuídas 3,5 toneladas de alimento, sempre aos sábados, aos madrugadores que conseguem uma das 17o fichas. "Se o frango vem pequeno ou não tem para todos, racionamos", conta.Opositores de Chávez acusam o presidente de usar as casas comunais como ferramenta de campanha permanente. A "denúncia" não chega a ter repercussão, porque o governo não nega. Tanto no Mercal quanto no centro de saúde em que Rosa busca antigripal para a neta, outros 50 metros morro acima, a propaganda bolivariana é aberta. Na parede do ambulatório coordenado por médicos cubanos, um cartaz anuncia: "Petare, território socialista". Sobre o balcão de atendimento, folhas ensinam como votar nos candidatos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e um jornal da agremiação saúda a "recuperação do comandante". Chávez submeteu-se dia 11 em Cuba à quarta cirurgia contra o câncer, na qual houve um sangramento e uma infecção respiratória. Sua posse está marcada para 10 de janeiro. Caso não assuma, a Constituição prevê a convocação de eleição em 30 dias, mas dirigentes chavistas indicam que recorrerão ao Tribunal Supremo, o qual dominam, para adiar o processo.Estratégia. As comunas são instaladas diretamente pelo governo nacional, sem parcerias com Estados ou municípios. La Suíza pertence ao Estado de Miranda, governado pelo opositor Henrique Capriles - derrotado por Chávez em outubro e potencial rival de Nicolás Maduro, nomeado sucessor pelo presidente mas envolvido em uma disputa interna (mais informações nesta página).Embora no mapa político apareça como território da oposição, o chavismo domina La Suíza. A proximidade é tanta que Chávez até tentou trocar o nome do lugar no programa Alô Presidente 251 por considerá-lo muito "aristocrático" - o primeiro loteador batizou a área de Jardines de la Suíza em razão da altitude e do clima ameno, de 20°C. Materan, que se apresenta como voluntário, é tratado como o líder político da área. É ele que responde a Rosa, por exemplo, por que sua casa ainda não tem endereço. Ou por que os medidores de eletricidade prometidos a Carlos Sánchez, de 40 anos, ainda não chegaram. Eletricista, ele tem a casa alimentada exclusivamente por ligações clandestinas. "Preferia pagar algo", diz. Com frequência, a oscilação da corrente queima os eletrodomésticos chineses distribuídos pelo governo - parte de um convênio em troca de 450 mil barris por dia de petróleo. Segundo especialistas, as reservas do sexto produtor mundial explicam os subsídios não só da gasolina - o litro custa R$ 0,08 -, mas também a importação do frango brasileiro e outros produtos do Mercal. "É uma situação insustentável", diz Boris Ackerman, chefe do departamento de ciências econômicas da Universidade Simon Bolívar. Para Ackerman, comunas como a de La Suíza "estão sufocando a oposição", uma vez que os recursos são enviados diretamente para as comunidades. A hegemonia das cores, lemas e figuras chavistas no alto dos morros é um sinal do que aponta o economista. "Desculpe perguntar, mas você conhece algum 'esquálido'?", questiona Rosa, sussurrando, a vários vizinhos. As respostas, negativas, vêm acompanhadas de uma cara de espanto. "Esquálido" é como Chávez chama os opositores. "Se existem, eles ficam quietos, não se manifestam", afirma a faxineira.A polarização política é alimentada desde a infância. Aos 9 anos, Wuitní Saray Salazar, neta de Rosa, se apresenta como chavista. "Na minha classe, tem alguns caprilistas, mas converso mais com minha colega chavista. Às vezes, temos algumas brigas por isso", conta a estudante da 4.ª série, também preocupada com a saúde do comandante. "Sem Chávez, vão cortar o Metrocable (teleférico que conecta a base ao topo das favelas, como o do Complexo do Alemão, no Rio) e as aposentadorias."Segundo Wuitní (homenagem à cantora Witney Houston, morta este ano), seus professores não orientam em quem se deveria votar. Nas aulas de história, o mais próximo disso é a exaltação da figura de Bolívar. A trajetória do libertador adotado como ícone pelo chavismo - seu sobrenome agora batiza a República Bolivariana da Venezuela - é martelada na televisão estatal, sempre comparada à do próprio presidente. Rosa discorda. "Ele é até mais do que Bolívar, né? Afinal, ficou conhecido no mundo inteiro", diz a faxineira, que há oito anos constrói uma casa com os 1.600 bolívares ganhos por mês (R$ 200). "Não preciso de mais que isso para viver."