Os críticos de Donald Trump o acusam com frequência de ser um bufão isolacionista. No entanto, mesmo antes de tomar posse, em 20 de janeiro, ele tem mostrado o quanto essas palavras estão aquém do que seu segundo mandato provavelmente trará. À medida que a posse se aproxima, Trump ajudou a garantir um cessar-fogo e um acordo de reféns em Gaza. Quebrando tabus, ele propôs controlar a Groenlândia, com seus minerais e posição estratégica no Ártico. O segundo mandato de Trump não será apenas mais perturbador do que o primeiro; também suplantará uma visão de política externa que domina os Estados Unidos desde a 2.ª Guerra.
Por décadas, líderes americanos argumentaram que seu poder acarreta a responsabilidade de ser o defensor indispensável de um mundo que a democracia tornou mais estável e benigno, de fronteiras estabelecidas e de valores universais. Trump abandonará esses valores e se concentrará em acumular e explorar poder. Sua abordagem será testada e definida em três conflitos: no Oriente Médio, na Ucrânia e na guerra fria dos EUA com a China. Cada qual demonstra como Trump é impelido a romper com as últimas décadas: em seus métodos pouco ortodoxos, seu acúmulo e uso oportunista de influência e sua crença de que o poder, por si só, cria a paz.
O Oriente Médio ilustra seu talento para a imprevisibilidade. Israelenses e palestinos finalmente concordaram com um acordo sobre Gaza porque Trump criou um prazo ao ameaçar que haveria um “inferno” se as partes não se acertassem. Ele precisará continuar pressionando-os para o acordo progredir para suas fases posteriores. Desde Richard Nixon, nenhum presidente buscou comportar-se como um “louco” para obter vantagem.

Seus caprichos são reforçados por pragmatismo. Ao contrário da maioria dos pacificadores, Trump não se comove com a penosa história do Oriente Médio. Os Acordos de Abraão, assinados em seu primeiro mandato, sugerem que ele usará a libertação dos reféns israelenses para promover um acordo entre Israel e a Arábia Saudita, que ele considera o caminho para a prosperidade — e para um Prêmio Nobel da Paz. Os aliados do Irã foram esmagados em Gaza, Líbano e Síria. Teerã também pode estar preparado para negociar.
No entanto, o lar das três religiões monoteístas testará severamente a disposição real das pessoas de deixar de lado crenças e insatisfações para dar chance à prosperidade. Repetidamente, extremistas tanto do lado israelense quanto do palestino anularam planos de paz usando violência para desacreditar o centro pragmático. A direita israelense quer anexar terras palestinas. O Irã oscila entre o envolvimento com os EUA e a busca de uma bomba nuclear. E se os fanáticos e os mulás ficarem no caminho de Trump?
Sua resposta será aumentar a pressão impondo sanções ou ameaçando uso de força — ou ir embora. Trump também está diante dessa escolha na Ucrânia, onde ele prometeu fazer cessar os combates. Como Trump tem mais influência sobre os aliados dos EUA do que Vladimir Putin, o caminho mais fácil é ir embora, encerrando o apoio e, desse modo, forçar o governo em Kiev a abrir concessões — especialmente se, como temem seus críticos, Trump se sentir lisonjeado quando Putin falar com ele de macho-alfa para macho-alfa. Mas isso prejudicaria outros objetivos de Trump. Retirar-se ocasionaria comparações com Biden e sua infeliz retirada do Afeganistão. Ciente das comparações com Taiwan, a China pode concluir que Trump é frouxo. E ele ainda pode decidir que expressar disposição para apoiar a Ucrânia fortalecerá sua posição contra Putin.
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O uso oportunista do poder tem seus benefícios. Trump continuará a pressionar os membros da Otan para gastar mais na defesa contra a Rússia, o que é bom. Mas também tem custos. A Otan provavelmente poderá sobreviver às ameaças de Trump de retirar os EUA da aliança, brigar pelo comércio, apoiar partidos conservadores nacionalistas insurgentes e intimidar a Dinamarca sobre a soberania da Groenlândia. No entanto, alianças prosperam na confiança. Conservadores nacionalistas que simpatizam com Putin agirão como um veneno. Considerando seu tamanho, a Dinamarca perdeu tantos soldados no Afeganistão quanto os EUA. Travar uma queda de braço pela Groenlândia é o tipo de tratamento que faz os EUA serem percebidos como uma ameaça, em vez de protetores.
Déspotas se confortarão com um recuo em relação a valores universais. Se Trump fizer valer uma esfera de influência americana que abranja o Canadá, a Groenlândia e o Panamá, os autocratas perceberão isso como um endosso ao seu próprio princípio de que as relações internacionais sempre foram, na realidade, um teste de força — útil quando a Rússia cobiça a Geórgia ou a China reivindica o Mar do Sul da China. Se Trump desprezar instituições como a ONU, que incorporam valores universais, a China e a Rússia dominarão esses territórios e os explorarão como veículos para seus próprios interesses.
O campo de Trump argumenta que o importante é a força dos EUA, que produzirá a paz com a China. Os trumpistas alertam sobre a necessidade de se evitar uma 3.ª Guerra Mundial, observando que Xi Jinping pretende ser capaz de tomar Taiwan pela força até 2027. A China também está construindo armas nucleares rapidamente e dominando sistematicamente tecnologias estratégicas. Os EUA, dizem eles, precisam restabelecer a dissuasão; e o rótulo da diplomacia “do homem doido”, o pragmatismo e o acúmulo de força econômica e militar são a maneira de fazer isso.
Infelizmente, quando se trata de Taiwan, há uma contradição. Se a fonte da força de Washington é ser implacavelmente pragmático sobre valores, duro com aliados e aberto a acordos com oponentes, então essas são exatamente as condições para Trump negociar Taiwan com a China. Embora os muitos falcões em relação à China em seu governo lutem contra isso, a própria possibilidade aponta para uma fraqueza no cerne da abordagem de Trump.
Pax Trumpiana
Quando o uso do poder não está vinculado a valores, o resultado pode ser caos em escala global. Se aspirantes a desordeiros ultraleais e ensandecidos como Pete Hegseth e Tulsi Gabbard forem confirmados como chefes do Pentágono e da inteligência, o caos se espalhará também internamente. Trump não consegue distinguir entre seus próprios interesses e os interesses de seu país, especialmente se o dinheiro dele e de seus colaboradores estiver em risco, como o de Elon Musk ficará na China. Ao se afastar dos valores que constituíram os EUA do pós-guerra, Trump estará abrindo mão da maior força que seus oponentes despóticos não detêm./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO