Como Putin poderia ser processado por crimes de guerra na Ucrânia?

Saiba quais as medidas para descobrir quem foram os culpados pelo massacre em Bucha, crime que o Exército russo nega ter cometido, e como será possível responsabilizá-los

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Por Jacqueline Thomsen e Mike Scarcella, Reuters
Atualização:
6 min de leitura

WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu nesta segunda-feira, 4, que o presidente russo, Vladimir Putin, seja acusado de crimes de guerra após a descoberta, na ucraniana Bucha de valas comuns e corpos de civis algemados baleados à queima-roupa, crimes que o Exército russo nega serem de sua responsabilidade.

Veja, abaixo, como descobrir quem são os culpados e como seria possível responsabilizá-los.

Atacar civis é um crime de guerra?

Sim. O Tribunal Penal Internacional de Haia define crimes de guerra como “violações graves” das Convenções de Genebra pós-2ª Guerra, que estabelecem leis humanitárias a serem seguidas em tempo de guerra. Atacar alvos militares legítimos em que as baixas civis seriam “excessivas” também viola as convenções, dizem especialistas jurídicos.

A execução de civis, como alegado em Bucha, é um “crime de guerra por excelência”, disse Jonathan Hafetz, especialista em direito penal internacional e segurança nacional da Seton Hall University School of Law.

O Ministério da Defesa da Rússia nega atacar civis no que chama de “operação militar especial” na Ucrânia e diz que imagens e fotografias mostrando corpos em Bucha são “mais uma provocação” do governo ucraniano.

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Corpo é carregado de escola em Bucha, subúrbio de Kiev, nesta segunda-feira, 4. Após saída de tropas russas da cidade, centenas de civis mortos foram encontrados pela Ucrânia Foto: Ronaldo Schemidt / AFP

Como os investigadores coletam evidências?

Os investigadores visitarão cenários como de Bucha e entrevistarão testemunhas para construir um caso, disseram especialistas.

O diretor executivo da organização de defesa dos direitos humanos Open Society Justice Initiative, James Goldston, em Nova York, diz que imagens e relatos de Bucha permitirão que investigadores na Ucrânia acompanhem rapidamente os sobreviventes de algumas das supostas atrocidades.

As forças ucranianas capturaram soldados russos, outra via para obter provas.

Alguns especialistas afirmam, no entanto, que os promotores podem ter dificuldade em obter provas de uma zona de guerra ativa devido a preocupações de segurança e testemunhas que podem ser intimidadas ou relutar em falar.

Construindo um caso contra Putin e outros superiores

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Para a maioria das acusações de crimes de guerra, os investigadores devem provar a intenção, e a culpa do réu deve ser provada além de qualquer dúvida razoável, explicam especialistas.

O professor visitante da Harvard Law School, Alex Whiting, diz que as imagens mais recentes tornarão o caso mais fácil de processar.

“A questão então se torna: quem é o responsável e o quão alto se alcança na hierarquia de comando?”, questiona.

Os casos serão mais fáceis de construir contra soldados e comandantes, mas também podem se referir a chefes de Estado, afirmam especialistas.

Um promotor poderia apresentar evidências de que Putin ou outro líder do governo cometeu um crime de guerra ao ordenar diretamente um ataque ilegal ou porque sabia que crimes eram cometidos e não os impediu.

Especialistas dizem que é muito cedo para dizer se as ações em Bucha foram dirigidas pelos mais altos níveis do governo russo, mas que, se atrocidades semelhantes forem cometidas em outros lugares da Ucrânia, isso pode apontar para uma política ou direção de funcionários graduados.

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Pode haver um julgamento ‘in absentia’?

O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, disse em 28 de fevereiro que abriu uma investigação de crimes de guerra após a invasão. Apesar de a Ucrânia e a Rússia não serem membros do tribunal, a Ucrânia aprovou anteriormente uma investigação que remonta a 2013, que inclui a anexação da Crimeia pela Rússia.

O TPI emitirá mandados de prisão se os promotores puderem mostrar “motivos razoáveis” para acreditar que crimes de guerra foram cometidos.

No entanto, nem a Rússia nem a Ucrânia são membros do TPI, Moscou não reconhece o tribunal e é quase certo que se recusará a cooperar.

Qualquer julgamento seria adiado até que um réu fosse preso, pois o TPI não pode julgar alguém “à revelia” ou que não esteja fisicamente sob custódia.

O TPI ainda pode investigar e emitir mandados de prisão. “O mero fato de existir uma acusação pública pode atuar para estigmatizar o acusado e desatar pressão que, com o tempo, leve à prisão”, disse Goldston.

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Além do TPI, um tribunal separado poderia ser estabelecido como aqueles criados para julgar crimes de guerra cometidos durante as guerras dos Bálcãs, no início dos anos 1990, e o genocídio de Ruanda, em 1994.

Philippe Sands, professor da University College London, disse que está em contato com o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, sobre a criação de um tribunal para assumir a acusação internacional de “crime de agressão” da Rússia. O TPI não pode assumir essa acusação porque tem que envolver pelo menos um dos Estados membros do tribunal.

É improvável que um tribunal realize julgamentos sem réus sob custódia, já que julgamentos “à revelia” são desaprovados pelo direito internacional, afirma Rebecca Hamilton, professora de direito da American University.

Quanto tempo pode demorar um processo?

Especialistas jurídicos disseram que acusações de crimes de guerra podem ser apresentadas de três a seis meses, mas processar um caso pode levar anos.

O TPI para a ex-Iugoslávia levou dois anos para obter uma condenação em sua primeira acusação.

O tribunal indiciou seu primeiro chefe de Estado, o então presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, em 1999, e o prendeu em 2001. Seu julgamento começou em 2002 e estava em andamento quando ele morreu em Haia, em 2006.

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