Opinião | Como Donald Trump pode refazer o Oriente Médio

Se ele conseguir atingir dois objetivos concretos — de acabar com a guerra em Gaza e reduzir a infraestrutura atômica do Irã — muitas coisas se tornarão possíveis

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Por Dennis Ross (The Washington Post)

O general prussiano e teórico militar Carl von Clausewitz observou famosamente que a guerra é um instrumento, não um fim em si. Somente em circunstâncias em que travamos uma guerra de sobrevivência pode-se dizer que os meios militares ofuscam considerações políticas.

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Após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, com Israel, sua liderança e seus militares em estado de choque, os israelenses se depararam com uma guerra de sobrevivência. Eles diziam frequentemente que, sem destruir os militares do Hamas e garantir que o grupo deixasse de controlar Gaza, Israel não seria capaz de sobreviver na região. A política não esteve em primeiro lugar.

Desde então, Israel destruiu o Hamas enquanto força de combate e erradicou a maior parte de sua infraestrutura militar em Gaza. E as conquistas militares e de inteligência de Israel foram muito além dos danos ao Hamas: ninguém fora de Israel acreditava que o país seria capaz de dizimar o Hezbollah, decapitando sua liderança, desmantelando seu sistema de comando e controle e destruindo 80% de seus mísseis. Da mesma forma, poucos pensavam que Israel seria capaz de destruir todas as defesas antiaéreas e antimísseis do Irã e 90% de sua capacidade de produção de mísseis balísticos na noite de 26 de outubro de 2024.

Outdoor em Tel Aviv mostra foto de Trump com referência à ameaça do republicano de que Gaza viraria 'o inferno' se os reféns não fossem libertados até sua posse. Foto: AP Photo/Oded Balilty

Finalmente, quase ninguém teria previsto que a derrota do Hamas e do Hezbollah impingida por Israel colocaria em movimento os ataques da Hay’at Tahrir al-Sham que ocasionaram a queda do regime de Assad na Síria. Sem a Síria, o Irã deixou de possuir um corredor terrestre para reabastecer e reconstruir o Hezbollah, a joia da coroa de seu “eixo da resistência”.

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Como resultado, a estratégia do Irã para tornar Israel inabitável — cercando o país com seus aliados violentos, com intenção de destruí-lo — recebeu um golpe fatal. Um investimento massivo da República Islâmica não tem funcionado absolutamente. As conquistas militares de Israel mudaram de maneira fundamental o equilíbrio de poder na região.

Se estivesse vivo hoje, porém, Clausewitz perguntaria como esses ganhos militares notáveis se traduziriam em resultados políticos.

Israel permanece em Gaza. Mas tendo rejeitado a estratégia do general David Petraeus de “limpar, manter e construir”, as forças israelenses têm de retornar aos bairros de Gaza, como Beit Hanoun e Jabalya, pela quarta ou quinta vez. Sem uma alternativa ao Hamas — que Israel não pode criar — Gaza pode continuar sendo um empecilho para os israelenses, não uma vitória.

Além disso, em razão das perdas do Irã e sua atual vulnerabilidade, há quem acredite no país que é seu dever restaurar sua dissuasão buscando uma arma nuclear. Com o acúmulo de material físsil quase a graus militares pelo Irã, este perigo é real.

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Israel pode sentir que terá tanto uma oportunidade — quanto a necessidade — de atacar a infraestrutura nuclear do Irã para evitar essa ameaça. Mas aqui, novamente, a força não deve ser um fim em si. A força é capaz de reduzir a ameaça, mas a estratégia deve desempenhar um papel no estabelecimento de uma nova realidade política.

Tal estratégia deve ser orientada por dois objetivos concretos em 2025: Israel deve acabar com a guerra em Gaza e, desde que os reféns sejam libertados, retirar-se militarmente do enclave. E precisa que a infraestrutura atômica do Irã seja reduzida a ponto de uma arma nuclear não ser mais uma opção. Por conta própria, Israel é incapaz de produzir esses resultados. Mas com um papel ativo dos Estados Unidos, ambos os objetivos podem ser alcançados, o que, por sua vez, transformaria o Oriente Médio.

O presidente eleito Donald Trump assumirá o cargo diante desse desfecho como uma possibilidade real. Mas também entra com outra coisa: poder e influência. No início de seu governo, líderes israelenses e importantes líderes árabes temerão o custo de lhe dizer não. Pode ser exatamente o necessário para encerrar totalmente a guerra em Gaza. (O cessar-fogo temporário e o acordo de reféns anunciados na quarta-feira já são um reflexo do efeito Trump.)

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, reluta em se retirar de Gaza enquanto o Hamas permanecer no controle político. Emirados Árabes Unidos, Egito, Marrocos e algumas nações europeias — com apoio dos EUA — estão preparados para estabelecer e administrar um governo de transição em Gaza para substituir o Hamas, evitar um vácuo de poder, restaurar a lei e a ordem e iniciar o processo de reconstrução. No entanto, esses parceiros não se envolverão se Israel não se retirar. E, como pretendem dar a parecer que estarão resgatando palestinos e não dando cobertura a Israel, querem que a Autoridade Palestina desempenhe algum papel — um cenário que Netanyahu rejeitou. A pressão de Trump pode ajudar.

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Trump também está ansioso para ver a Arábia Saudita normalizar relações com Israel. Mas os sauditas não o farão enquanto a guerra continuar e Israel permanecer em Gaza. A morte e a destruição em Gaza amargaram as atitudes em relação a Israel na região. Enquanto a guerra não acabar e o processo de reconstrução se inicie, os sauditas não colaborarão.

A fraqueza econômica do Irã combinada à sua vulnerabilidade militar também dão a Trump uma vantagem em relação à questão nuclear. Não há dúvida de que ele pressionará economicamente. Mas Trump também pode usar a possível ameaça de força israelense — ou a nossa — para obrigar o Irã a negociar. Os iranianos podem não concordar em reduzir o tamanho e o caráter de seu programa nuclear na medida necessária apenas por meio de negociações. Mas ter o uso da força na mesa como ponto de partida fará com que os iranianos entendam muito claramente os riscos caso eles se movimentem na direção do desenvolvimento de uma arma nuclear.

Trump deve ter em mente que a questão do Irã é suficientemente importante para Netanyahu tanto quanto para Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, ao ponto de ambos os lados cederem em muitos outros aspectos — sobre Gaza ou política palestina, por um lado, e sobre o reconhecimento saudita de Israel, por outro. Se Trump for capaz de mostrar que removeu essencialmente a ameaça iraniana, muita coisa será possível.

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Trump seria capaz disso? Quem sabe. Se fosse, Clausewitz certamente aprovaria./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Dennis Ross

Assistente especial do ex-presidente americano Barack Obama. É conselheiro e membro ilustre do Instituto de Política do Oriente Próximo de Washington.

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