Aproximadamente na metade do comício em que participou no Texas, na noite do sábado, Donald Trump voltou-se para o teleprompter, desviando de um tortuoso conjunto de mágoas para recitar uma lista cuidadosamente preparada de seus próprios sucessos e de fracassos do presidente Joe Biden.
“Vamos apenas comparar o histórico de cada um”, afirmou Trump, enquanto apoiadores vestidos com camisetas estampadas com o slogan “Trump 2024” vibravam atrás dele, enquadrados perfeitamente pela lente da câmera.
Trump, que continuou seu discurso falando a respeito “daquela linda, linda casa, que por acaso é branca”, deixa cada vez menos dúvidas a respeito de suas intenções, delineando um papel influente nas eleições de meio de mandato de 2022 e outra possível postulação pela Casa Branca.
Mas uma recente rodada de confrontos com seus apoiadores, fissuras com a base republicana a respeito de vacinas — termo que notadamente não mencionou no comício de sábado — e novas pesquisas mostram como seu persistente controle sobre o Partido Republicano enfrenta crescentes pressões.
No Texas, alguns conservadores de base estão expressando frustração com o apoio de Trump ao governador Greg Abbott, e chegaram a vaiá-lo quando ele subiu ao palanque. Na Carolina do Norte, os esforços de Trump nos bastidores para restringir o campo republicano para seu preferido a concorrer ao Senado fracassaram na semana passada. E no Tennessee, um recente apoio de Trump desencadeou indignação pública até mesmo entre seus mais leais aliados, tanto no Congresso quanto nos meios de comunicação conservadores.
O episódio no Tennessee, em particular, mostrou que o movimento Make America Great Again (Torne os EUA grandes novamente) criado por Trump está maduro ao ponto de conseguir, em certos momentos, existir separadamente, independentemente do próprio Trump — e mesmo em discordância com ele.
Trump continua, esmagadoramente, a figura mais popular e poderosa do Partido Republicano. Ele está em primeiro lugar nas pesquisas para a eleição de 2024, é uma força incomparável para captar financiamentos de campanha e ainda é capaz de atrair grandes multidões. Mas, depois de comunicar aproximadamente 100 apoios em disputas eleitorais de todo o país, Trump enfrentará uma série de testes indiretos a respeito de sua força política nos próximos meses, num momento em que pesquisas mostram que sua influência sobre o eleitorado republicano não é mais a mesma.
“Parece que as coisas têm mudado”, afirmou Patrick Ruffini, especialista em pesquisas republicano que sonda regularmente a posição de Trump no partido. “O vínculo é forte, e provavelmente lhe garantiria uma vitória se as primárias republicanas fossem hoje. Mas será o mesmo vínculo ferrenho, monolítico e à moda soviética que vimos quando Donald Trump estava na presidência? Não, não é a mesma coisa.”
Numa pesquisa da agência Associated Press recente, 44% dos republicanos afirmaram não querer que Trump concorra à presidência novamente, enquanto um possível rival republicano em 2024, o governador Ron DeSantis, da Flórida, diminuiu a diferença em duas simulações preliminares de primárias hipotéticas — novos sinais de vulnerabilidade do ex-presidente.
Em uma reversão em relação aos tempos de Trump na Casa Branca, uma pesquisa NBC News publicada no fim de janeiro constatou que 56% dos republicanos agora definem-se acima de tudo como apoiadores do Partido Republicano, enquanto 36% afirmaram apoiar Trump em primeiro lugar.
Primeiro, a facção Trump representava 54% dos eleitores republicanos em outubro de 2020. E a erosão desde então espalha-se por todos os grupos demográficos: homens e mulheres, moderados e conservadores, pessoas de todas as idades.
Uma das maiores mudanças ocorreu num grupo amplamente visto como o mais leal a Trump: republicanos brancos sem ensino superior; dos quais 62% se identificavam primeiramente com Trump anteriormente e, agora, 36%.
Frank Luntz, um proeminente especialista em pesquisas do Partido Republicano, afirmou que o apoio dos republicanos ao ex-presidente move-se de maneiras complexas — ao mesmo tempo se intensificando e diminuindo.
“O grupo de Trump é menor hoje do que foi durante cinco anos, mas é ainda mais intenso, mais apaixonado e mais implacável em relação aos críticos”, afirmou Luntz. “Conforme as pessoas gradualmente se afastam — o que estão fazendo — aqueles que ainda o apoiam parecem até mais firmes em seu apoio.”
Trump encara mais complicações para um retorno, incluindo uma investigação em andamento na Geórgia a respeito de ele ter tentado pressionar autoridades estaduais a rejeitar a eleição e uma investigação em Nova York a respeito de suas práticas comerciais.
Faz anos que ir contra o poder de Trump no Partido Republicano tem sido uma aposta perdedora tanto para especialistas quanto para rivais republicanos, e ele mantém amplo apoio no aparato do próprio partido. Quando o Comitê Nacional Republicano organizar sua reunião de inverno (Hemisfério Norte) em Salt Lake City, nos próximos dias, o comitê executivo deverá discutir a portas fechadas se continuará a arcar com algumas das despesas jurídicas do ex-presidente em processos pessoais.
Mesmo alguns estrategistas republicanos céticos em relação a Trump notam que qualquer abrandamento no apoio vem após um ano em que Trump não buscou chamar a atenção do público com toda a dedicação de que é capaz.
Ele voltou aos holofotes no comício de sábado no Texas, um evento com pinta de festival de música e palavras de ordem contra Biden irrompendo espontaneamente. Mas, em meio a bandeiras que ostentavam o lema “Trump venceu”, alguns ativistas conservadores murmuravam a respeito do apoio a Abbott, criticando os lockdowns que ele impôs no início da pandemia de covid-19 e a maneira como ele administra a fronteira.
No palanque, Abbott enfrentou berros chamando-o de “RINO" (sigla em inglês para “republicano só no nome”) e algumas vaias, que ele reverteu conclamando a multidão a cantar “Vamos, Trump!”.
Em suas declarações, Trump pareceu sinalizar para seu flanco de extrema direita ao declarar que “se concorrer e ganhar”,ele consideraria perdoar as pessoas que participaram do ataque de 6 de janeiro contra o Capitólio, no ano passado, que deixou cinco mortos.
Uma diferença crucial que emerge entre Trump e sua base é relativa às vacinas. Ele enfrentou zombarias em aparições passadas — tanto ao pedir para seus apoiadores se vacinarem como após afirmar que tomou a dose de reforço — e agora coloca o foco em se opor a obrigatoriedades federais relativas à vacinação, enquanto tenta, simultaneamente, ganhar crédito pela velocidade com que as vacinas chegaram.
Trump notavelmente evitou usar a palavra “vacina" no sábado, referindo-se somente à “Operação Warp Speed” — o esforço de seu governo para produzir uma vacina.
Políticas relativas à vacinação e à covid também são objeto de ferventes tensões com DeSantis, que se recusa a afirmar se recebeu a dose de reforço. Trump afirmou que políticos “sem colhões” desviam desse tipo de pergunta.
Ruffini pesquisou o cenário Trump versus DeSantis em outubro e outra vez este mês. Na primeira sondagem, Trump liderou por uma margem de 40 pontos percentuais; agora, sua vantagem é de 25 pontos. Mas entre republicanos que conhecem os dois, a margem foi de apenas 16 pontos; e foi mais estreita ainda, de apenas 9 pontos, entre aqueles que gostam de ambos.
“Os eleitores de Trump têm procurado alternativas”, afirmou Ruffini. Ainda que haja escassa evidência de qualquer desejo por um republicano anti-Trump, afirmou Ruffini, existe uma abertura para o que ele qualificou como “um Trump da nova geração”.
Em Washington, líderes republicanos no Congresso divergem agudamente em relação asuas avaliações a respeito de Trump.
O deputado Kevin McCarthy, da Califórnia, líder da minoria na Câmara, tem se mostrado solícito e se reuniu com Trump por aproximadamente uma hora na terça-feira passada no resort de Mar-a-Lago do ex-presidente na Flórida, para falar a respeito de disputas na Câmara e do cenário político, de acordo com fontes cientes da reunião. Considera-se que McCarthy pretende manter Trump próximo, enquanto tenta garantir a maioria para seu partido em novembro, assim como a presidência da Câmara para si mesmo.
No Senado, Mitch McConnell, do Kentucky, líder da minoria, está rompido com Trump, e seus aliado continuam a apoiar o governador Larry Hogan, de Maryland, um notório republicano anti-Trump, para concorrer ao Senado.
Apesar dos apoios de Trump serem por vezes aleatórios, a despeito dos atuais esforços para formalizar o processo, poucos atraíram críticas mais negativas do que seu apoio aMorgan Ortagus, que foi assessora do ex-secretário de Estado Mike Pompeo e chegou a ser cogitada como possível secretária de imprensa da Casa Branca.
Ortagus, com sua família a reboque, encontrou-se com Trump em Mar-a-Lago na segunda-feira passada e discutiu um assento na legislatura estadual do Tennessee para o qual ela ainda nem é candidata oficial, de acordo com três fontes cientes da reunião; na noite seguinte, Trump anunciou apoio pela candidatura não oficializada.
“Trump entendeu tudo errado”, tuitou Candace Owens, uma proeminente figura pró-Trump presente nos meios de comunicação.
Owens demonstrou apoio a Robby Starbuck, um candidato rival ligado ao movimento ativista pró-Trump. A deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, prontamente apoiouStarbuck, também, e o deputado Matt Gaetz, da Flórida, tipicamente um convicto aliado de Trump, promoveu um dos vídeos de Starbuck.
Gavin Wax, um franco ativista pró-Trump e presidente do Clube da Juventude Republicana de Nova York, que criticou os apoios a Ortagus e Abbott, afirmou que o ambiente político agora torna possível a expressão dessas querelas. “É muito mais fácil que essas divisões comecem a se produzir quando ele está fora do cargo”, afirmou Wax a respeito de Trump.
“Ele continua o cachorro grande, com ampla vantagem, mas quem sabe…”, afirmou Wax. “É um daqueles casos em que um milhão de pequenas fissuras poderão, por fim, fraturar a sua imagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL