PUBLICIDADE

Cresce cisão entre Trump e republicanos de olho nas eleições de meio de mandato

Recente rodada de confrontos aos seus apoios, fissuras com a base republicana a respeito de vacinas e novas pesquisas mostram como seu persistente controle pétreo do Partido Republicano enfrenta crescentes pressões

PUBLICIDADE

Por Shane Goldmacher

Aproximadamente na metade do comício em que participou no Texas, na noite do sábado, Donald Trump voltou-se para o teleprompter, desviando de um tortuoso conjunto de mágoas para recitar uma lista cuidadosamente preparada de seus próprios sucessos e de fracassos do presidente Joe Biden.

PUBLICIDADE

“Vamos apenas comparar o histórico de cada um”, afirmou Trump, enquanto apoiadores vestidos com camisetas estampadas com o slogan “Trump 2024” vibravam atrás dele, enquadrados perfeitamente pela lente da câmera.

Trump, que continuou seu discurso falando a respeito “daquela linda, linda casa, que por acaso é branca”, deixa cada vez menos dúvidas a respeito de suas intenções, delineando um papel influente nas eleições de meio de mandato de 2022 e outra possível postulação pela Casa Branca.

Mas uma recente rodada de confrontos com seus apoiadores, fissuras com a base republicana a respeito de vacinas — termo que notadamente não mencionou no comício de sábado — e novas pesquisas mostram como seu persistente controle sobre o Partido Republicano enfrenta crescentes pressões.

Ex-presidente americano Donald Trump discursa para apoiadores em Conroe, Texas, em 29 de janeiro Foto: Meridith Kohut/The New York Times

No Texas, alguns conservadores de base estão expressando frustração com o apoio de Trump ao governador Greg Abbott, e chegaram a vaiá-lo quando ele subiu ao palanque. Na Carolina do Norte, os esforços de Trump nos bastidores para restringir o campo republicano para seu preferido a concorrer ao Senado fracassaram na semana passada. E no Tennessee, um recente apoio de Trump desencadeou indignação pública até mesmo entre seus mais leais aliados, tanto no Congresso quanto nos meios de comunicação conservadores.

O episódio no Tennessee, em particular, mostrou que o movimento Make America Great Again (Torne os EUA grandes novamente) criado por Trump está maduro ao ponto de conseguir, em certos momentos, existir separadamente, independentemente do próprio Trump — e mesmo em discordância com ele.

Trump continua, esmagadoramente, a figura mais popular e poderosa do Partido Republicano. Ele está em primeiro lugar nas pesquisas para a eleição de 2024, é uma força incomparável para captar financiamentos de campanha e ainda é capaz de atrair grandes multidões. Mas, depois de comunicar aproximadamente 100 apoios em disputas eleitorais de todo o país, Trump enfrentará uma série de testes indiretos a respeito de sua força política nos próximos meses, num momento em que pesquisas mostram que sua influência sobre o eleitorado republicano não é mais a mesma.

Publicidade

“Parece que as coisas têm mudado”, afirmou Patrick Ruffini, especialista em pesquisas republicano que sonda regularmente a posição de Trump no partido. “O vínculo é forte, e provavelmente lhe garantiria uma vitória se as primárias republicanas fossem hoje. Mas será o mesmo vínculo ferrenho, monolítico e à moda soviética que vimos quando Donald Trump estava na presidência? Não, não é a mesma coisa.”

Numa pesquisa da agência Associated Press recente, 44% dos republicanos afirmaram não querer que Trump concorra à presidência novamente, enquanto um possível rival republicano em 2024, o governador Ron DeSantis, da Flórida, diminuiu a diferença em duas simulações preliminares de primárias hipotéticas — novos sinais de vulnerabilidade do ex-presidente.

Eleitores fiéis de Trump em discurso em Florence, Arizona, em 15 de janeiro; no cartaz, a mensagem: 'Trump venceu' Foto: Mario Tama/Getty Images/AFP

Em uma reversão em relação aos tempos de Trump na Casa Branca, uma pesquisa NBC News publicada no fim de janeiro constatou que 56% dos republicanos agora definem-se acima de tudo como apoiadores do Partido Republicano, enquanto 36% afirmaram apoiar Trump em primeiro lugar.

Primeiro, a facção Trump representava 54% dos eleitores republicanos em outubro de 2020. E a erosão desde então espalha-se por todos os grupos demográficos: homens e mulheres, moderados e conservadores, pessoas de todas as idades.

Uma das maiores mudanças ocorreu num grupo amplamente visto como o mais leal a Trump: republicanos brancos sem ensino superior; dos quais 62% se identificavam primeiramente com Trump anteriormente e, agora, 36%.

Frank Luntz, um proeminente especialista em pesquisas do Partido Republicano, afirmou que o apoio dos republicanos ao ex-presidente move-se de maneiras complexas — ao mesmo tempo se intensificando e diminuindo.

“O grupo de Trump é menor hoje do que foi durante cinco anos, mas é ainda mais intenso, mais apaixonado e mais implacável em relação aos críticos”, afirmou Luntz. “Conforme as pessoas gradualmente se afastam — o que estão fazendo — aqueles que ainda o apoiam parecem até mais firmes em seu apoio.”

Publicidade

Trump encara mais complicações para um retorno, incluindo uma investigação em andamento na Geórgia a respeito de ele ter tentado pressionar autoridades estaduais a rejeitar a eleição e uma investigação em Nova York a respeito de suas práticas comerciais.

Faz anos que ir contra o poder de Trump no Partido Republicano tem sido uma aposta perdedora tanto para especialistas quanto para rivais republicanos, e ele mantém amplo apoio no aparato do próprio partido. Quando o Comitê Nacional Republicano organizar sua reunião de inverno (Hemisfério Norte) em Salt Lake City, nos próximos dias, o comitê executivo deverá discutir a portas fechadas se continuará a arcar com algumas das despesas jurídicas do ex-presidente em processos pessoais.

Mesmo alguns estrategistas republicanos céticos em relação a Trump notam que qualquer abrandamento no apoio vem após um ano em que Trump não buscou chamar a atenção do público com toda a dedicação de que é capaz.

Ele voltou aos holofotes no comício de sábado no Texas, um evento com pinta de festival de música e palavras de ordem contra Biden irrompendo espontaneamente. Mas, em meio a bandeiras que ostentavam o lema “Trump venceu”, alguns ativistas conservadores murmuravam a respeito do apoio a Abbott, criticando os lockdowns que ele impôs no início da pandemia de covid-19 e a maneira como ele administra a fronteira.

No palanque, Abbott enfrentou berros chamando-o de “RINO" (sigla em inglês para “republicano só no nome”) e algumas vaias, que ele reverteu conclamando a multidão a cantar “Vamos, Trump!”.

Em suas declarações, Trump pareceu sinalizar para seu flanco de extrema direita ao declarar que “se concorrer e ganhar”,ele consideraria perdoar as pessoas que participaram do ataque de 6 de janeiro contra o Capitólio, no ano passado, que deixou cinco mortos.

Uma diferença crucial que emerge entre Trump e sua base é relativa às vacinas. Ele enfrentou zombarias em aparições passadas — tanto ao pedir para seus apoiadores se vacinarem como após afirmar que tomou a dose de reforço — e agora coloca o foco em se opor a obrigatoriedades federais relativas à vacinação, enquanto tenta, simultaneamente, ganhar crédito pela velocidade com que as vacinas chegaram.

Publicidade

Trump notavelmente evitou usar a palavra “vacina" no sábado, referindo-se somente à “Operação Warp Speed” — o esforço de seu governo para produzir uma vacina.

Políticas relativas à vacinação e à covid também são objeto de ferventes tensões com DeSantis, que se recusa a afirmar se recebeu a dose de reforço. Trump afirmou que políticos “sem colhões” desviam desse tipo de pergunta.

Ruffini pesquisou o cenário Trump versus DeSantis em outubro e outra vez este mês. Na primeira sondagem, Trump liderou por uma margem de 40 pontos percentuais; agora, sua vantagem é de 25 pontos. Mas entre republicanos que conhecem os dois, a margem foi de apenas 16 pontos; e foi mais estreita ainda, de apenas 9 pontos, entre aqueles que gostam de ambos.

“Os eleitores de Trump têm procurado alternativas”, afirmou Ruffini. Ainda que haja escassa evidência de qualquer desejo por um republicano anti-Trump, afirmou Ruffini, existe uma abertura para o que ele qualificou como “um Trump da nova geração”.

Em Washington, líderes republicanos no Congresso divergem agudamente em relação asuas avaliações a respeito de Trump.

O deputado Kevin McCarthy, da Califórnia, líder da minoria na Câmara, tem se mostrado solícito e se reuniu com Trump por aproximadamente uma hora na terça-feira passada no resort de Mar-a-Lago do ex-presidente na Flórida, para falar a respeito de disputas na Câmara e do cenário político, de acordo com fontes cientes da reunião. Considera-se que McCarthy pretende manter Trump próximo, enquanto tenta garantir a maioria para seu partido em novembro, assim como a presidência da Câmara para si mesmo.

No Senado, Mitch McConnell, do Kentucky, líder da minoria, está rompido com Trump, e seus aliado continuam a apoiar o governador Larry Hogan, de Maryland, um notório republicano anti-Trump, para concorrer ao Senado.

Publicidade

Apesar dos apoios de Trump serem por vezes aleatórios, a despeito dos atuais esforços para formalizar o processo, poucos atraíram críticas mais negativas do que seu apoio aMorgan Ortagus, que foi assessora do ex-secretário de Estado Mike Pompeo e chegou a ser cogitada como possível secretária de imprensa da Casa Branca.

Ortagus, com sua família a reboque, encontrou-se com Trump em Mar-a-Lago na segunda-feira passada e discutiu um assento na legislatura estadual do Tennessee para o qual ela ainda nem é candidata oficial, de acordo com três fontes cientes da reunião; na noite seguinte, Trump anunciou apoio pela candidatura não oficializada.

“Trump entendeu tudo errado”, tuitou Candace Owens, uma proeminente figura pró-Trump presente nos meios de comunicação.

Owens demonstrou apoio a Robby Starbuck, um candidato rival ligado ao movimento ativista pró-Trump. A deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, prontamente apoiouStarbuck, também, e o deputado Matt Gaetz, da Flórida, tipicamente um convicto aliado de Trump, promoveu um dos vídeos de Starbuck.

Gavin Wax, um franco ativista pró-Trump e presidente do Clube da Juventude Republicana de Nova York, que criticou os apoios a Ortagus e Abbott, afirmou que o ambiente político agora torna possível a expressão dessas querelas. “É muito mais fácil que essas divisões comecem a se produzir quando ele está fora do cargo”, afirmou Wax a respeito de Trump.

“Ele continua o cachorro grande, com ampla vantagem, mas quem sabe…”, afirmou Wax. “É um daqueles casos em que um milhão de pequenas fissuras poderão, por fim, fraturar a sua imagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.