Crise no Peru aumenta pressão por nova Constituinte, diz professor peruano

Para especialista em direito internacional, população vai buscar solução mais fácil e direta após crise política

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Por Paulo Beraldo
4 min de leitura

A crise política no Peru  - com três presidentes em uma semana - aumenta a pressão por uma nova Constituinte no país andino, avalia Alonso Gurmendi Dunkelberg, professor de Direito Internacional na Universidad del Pacífico e doutorando no University College of London.

O Peru começou a semana passada com o presidente Martín Vizcarra, destituído na noite de segunda-feira sob acusações de corrupção - que ele nega. Um dia depois, o presidente do Congresso e - o principal arquiteto da derrubada de Vizcarra -, Manuel Merino, assumiu. 

Diante de protestos contra a saída de Vizcarra e a posse de Merino nas principais cidades do país e violência policial que deixou dois mortos e dezenas de feridos, o novo governante se viu obrigado a renunciar.

Manifestantes com bandeira do Peru em Lima Foto: REUTERS/Sebastian Castaneda

Dunkelberg argumenta que a maior motivação de muitos políticos não tem sido resolver a desigualdade no país, atender demandas sociais ou fornecer melhores serviços públicos, mas apenas contemplar interesses pessoais de curto prazo. 

Na tarde desta segunda-feira, o Parlamento chegou a um acordo e Francisco Sagasti, político de centro de 76 anos, foi escolhido presidente. Ele assume um país que enfrenta uma das maiores crises políticas da história recente e em meio à pandemia que debilitou a economia nacional - o Fundo Monetário Internacional projeta queda de 14% em 2020. Abaixo, a entrevista completa. 

Por que a política peruana chegou a esse estado de instabilidade com três presidentes em uma semana?

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O problema é que o Peru não tem um sistema de partidos de longa data. Os que existem estão em brigas internas e falta tradição partidária. Muitos são "barrigas de aluguel", criados no momento apenas para permitir ‘vender’ a candidatura de uma pessoa e de seus aliados.

Esse é o padrão, não causa nenhum choque. O sistema peruano fica nesse balanço entre partidos pequenos e diferentes, normalmente com um Congresso dominado pelo partido do presidente. 

E o que mudou na eleição de 2016?

O presidente Pedro Pablo Kuczynski (PPK) não teve maioria no Congresso (renunciou em março de 2018, quando o vice, Martín Vizcarra, assumiu). Isso criou um desequilíbrio que não havia desde a Constituição de 1993. Esse desequilíbrio, somado com a falta de institucionalidade, com a fraqueza dos partidos que não têm agendas próprias e apenas interesses de curto prazo, criou esse enfrentamento entre Executivo e Legislativo que explodiu a política peruana. 

Por que é assim?

Durante o governo de Alberto Fujimori (1990 a 2000), a oposição foi enfraquecida de propósito. A política peruana não se recuperou. A participação política ficou sendo vista como algo ruim, sujo. As pessoas que têm o perfil preferem não entrar na política. Mas as novas gerações e os políticos novos estão mudando essas práticas.  

Como interpretar as manifestações?

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As pessoas percebem o que está por trás desse movimento (que tirou Vizcarra do poder): a manipulação do direito para favorecer interesses escusos. Há anos o Congresso briga com o Executivo para promover esses interesses. Há muitos líderes políticos, quase máfias, que usam o poder para se beneficiar. 

As pessoas se deram conta de que não é um impeachment, é uma manipulação da instituição da vacância por incapacidade moral para conseguir derrubar o presidente. Essa não era a intenção da Constituição e nem do povo. 

Manifestação em Lima em apoio ao ex-presidente Vizcarra Foto: Aldair Mejia/AFP

Isso fortalece o movimento por uma nova Constituição? 

O cidadão peruano tem aspirações que não têm sido ouvidas pela política por muito tempo. Em outros países da região, já houve momentos onde essas frustrações surgiram. O Peru ainda não viveu isso. Estamos assistindo a esse momento agora. As pessoas vão procurar explicações fáceis, elas querem saídas fáceis - e a mais direta e fácil de vender é de que o país precisa de uma nova Constituição. 

Qual sua avaliação sobre essa possibilidade?

Sou cético. Quando o cidadão vai votar, o sistema eleitoral produz Congressos como o atual. Tenho medo que o sistema produza uma assembleia constituinte que seja um retrocesso. Não sei se estamos preparados para esse desafio. 

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Como está esse debate? 

A esquerda sempre teve uma política constante de procurar uma nova Constituição - o principal objetivo é mudar as regras de economia liberal para criar com maior facilidade empresas públicas. Mas a maior parte das pessoas que quer uma Constituição nova deseja lutar contra a corrupção, a insegurança, para reformar o sistema político, esse sistema que colapsou com o governo Kuczynski e o governo Vizcarra.

Essa crise vai dar muito mais popularidade para esse movimento da nova Constituição - e isso é um pouco irônico, porque muitas pessoas que apoiaram o golpe contra Vizcarra são as que menos gostam das propostas da esquerda. 

Crise política fez com que país tivesse trêspresidentes em uma semana Foto: EFE/Paolo Aguilar

Como essa crise impacta a eleição presidencial marcada para abril de 2021? 

Tudo vai se reconfigurar nos próximos dias. Mas o que os candidatos fizeram nos últimos dias vai determinar seu futuro daqui para frente. O candidato George Forsyth, ex-goleiro do Alianza Lima, o clube mais popular do Peru, apoiou os protestos. Depois, aceitou o golpe e negou o presidente. Essa dúvida vai custar. 

Verónika Mendoza (que já tentou a eleição em 2016) pode se beneficiar porque tem uma política mais clara, a de mudar a Constituição e pronto. Mas estava na Bolívia, na posse do Luís Arce, quando os protestos começaram. Perdeu muitos dias em que podia ter aproveitado essa liderança. 

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Júlio Guzmán, presidente do Partido Morado, não tinha uma reputação muito boa, mas o papel que desempenhou nos últimos dias, estando junto com as pessoas nas ruas, votando contra a vacância vai beneficiá-lo. 

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