Pnomeor que os cubanos não podem freqüentar hotéis? Por que precisam trabalhar três dias para poder comprar uma escova de dentes? Embora essas perguntas passem pela cabeça de boa parte dos 11 milhões de habitantes da ilha de Fidel Castro, expô-las em público pode ser considerado ato de traição. Por isso causou tanto espanto o fato de estudantes da Universidade de Ciências Informáticas (UCI), em Havana, terem feito tais questões sem meias palavras e em alto e bom som para um alto funcionário do governo - o presidente do Parlamento, Ricardo Alarcón - num debate promovido na capital cubana. O que é ainda mais surpreendente: a cena foi gravada e enviada, não se sabe como, para a rede de TV britânica BBC. Hoje o vídeo virou sucesso na ilha, onde é vendido no mercado negro. Para os que têm acesso à internet, pode ser conferido no YouTube. "Por que os cubanos não podem viajar para diferentes lugares do mundo?", pergunta Eliécer Ávila, citando como exemplo que gostaria de conhecer o lugar onde o guerrilheiro Ernesto Che Guevara foi morto, na Bolívia. A resposta de Alarcón é desconcertante: " Se os seis bilhões de habitantes desse planeta pudessem viajar para onde quisessem, o congestionamento aéreo seria enorme. Isso não é assim. Quem viaja é apenas uma minoria", afirma o parlamentar, um dos cotados para assumir o comando da ilha após a morte de Fidel. Ávila diz que não entende os argumentos do governo para limitar o uso da internet, dos e-mails e dos chats na ilha. Ele também pressiona Alarcón sobre questões econômicas: "Por que o comércio migrou para o peso conversível, que vale 25 vezes mais do que a moeda nacional, que nossos operários e trabalhadores rurais recebem?", pergunta, lembrando a dificuldade dos trabalhadores de comprar uma simples escova de dentes. Alejandro Hernandez, outro estudante, faz referência às "eleições" parlamentares realizadas em Cuba no mês passado, nas quais foram apresentados 614 candidatos para 614 cargos. Ele pergunta como poderia dar um "voto unido" a todos os candidatos, tal como pedia Fidel, se nem sequer conhecia os postulantes. "De onde eles saíram?", quer saber. "Não posso votar neles se não sei quem são." O vídeo provocou diferentes reações na ilha. Há quem diga que se trata de uma montagem, porque os estudantes "não se atreveriam a falar assim" com um alto funcionário do governo. Outros vêem o vídeo como um sinal de que a demanda por mudanças na ilha está crescendo de forma incontrolável. "Esses meninos revelaram o que se comenta nas ruas", diz um mecânico cubano de 32 anos, que tem uma cópia do vídeo. "Agora todos estão se perguntando o que o governo fará para resolver esses problemas", afirma uma costureira. Outra dúvida é o que, afinal, ocorrerá com os estudantes que aparecem na gravação. Um dos palpites é que eles serão expulsos da universidade.
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