Após um primeiro turno acirrado, os equatorianos vão voltar às urnas no próximo dia 13 de abril para escolher o novo presidente do país. Daniel Noboa, que tenta a reeleição, e Luisa González, aliada do ex-presidente socialista Rafael Correa, disputam o cargo mais alto de um país marcado pela violência do crime organizado e polarizado entre duas correntes políticas.
Com 95% das urnas apuradas, González obteve 43,9% (4.322.689) dos votos e ficou logo atrás de Noboa, com 44,2% (4.346.037) dos votos. O jovem presidente, que antes do segundo turno de 2023 era quase desconhecido na política equatoriana, não conseguiu reivindicar a vitória no primeiro turno como esperava.

No poder desde 2023 e apoiado por sua campanha de punho de ferro contra o narcotráfico, Noboa era o favorito após um mandato curto, mas intenso, marcado por sua guerra contra o narcotráfico e uma crise energética causada pela seca.
A eleição acontece um ano depois do tumultuado mandato presidencial que começou com Guillermo Lasso e termina com Daniel Noboa. A eleição definirá quem presidirá o país pelos próximos quatro anos, mas pode ir para o segundo turno dependendo dos porcentuais finais.
O maior desafio dos equatorianos é impedir um retorno à instabilidade política que marcou o país no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, quando sete presidentes lideraram o país num período de dez anos.
Em pauta, estão três crises simultâneas. A mais grave delas, na segurança pública, persiste, apesar das medidas de exceção adotadas por Noboa, que tenta a reeleição. O presidente ainda enfrenta uma crise no setor energético, provocada pela seca que atinge o país, e não tem conseguido gerar empregos e um crescimento econômico razoável.
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O drama equatoriano começou ainda no fim da presidência de Rafael Correa (2007-2017). Eleito na sequência da instabilidade política provocada pela crise bancária de 1999, que levou ao congelamento das contas da população e à dolarização da economia, Correa, um economista de esquerda, se aproximou do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, na chamada Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).
Uma vez no poder, ele adotou parte das teorias do “socialismo do século 21″ defendidas por Chávez, destinando os recursos com a exploração de commodities, principalmente minérios e petróleo - que na época estavam num ciclo de alta -, em programas sociais.
Ao contrário de Chávez, no entanto, Correa investiu parte desses recursos na modernização da infraestrutura equatoriana. Pontes, hidrelétricas, viadutos e até aeroportos foram construídos no país, muitos deles com participação de empreiteiras brasileiras.
Por um lado, isso criou condições para uma melhora da economia. O PIB cresceu a taxas expressivas na maior parte do governo de Correa, muitas vezes superiores a 4% ao ano. A formalização do emprego - um problema crônico no Equador - dobrou, e a taxa de desemprego geral foi mantida abaixo dos 10%, com uma política de valorização do salário mínimo.
Com a desvalorização brusca do petróleo a partir de 2014, o país passou a ter problemas fiscais, já que a receita do Estado caiu abruptamente, e os gastos públicos seguiram aumentando. Correa ainda conseguiu fazer o sucessor, o seu ex-vice-presidente Lenín Moreno, num cenário já de contração, em 2017.
Uma vez no poder, Moreno rompeu com o padrinho político e estimulou a investigação de denúncias de corrupção envolvendo as obras de infraestrutura. Ele afastou procuradores e juízes leais ao ex-presidente e apontou novos juristas independentes.
No campo econômico, Moreno fechou um acordo com o FMI para diminuir a dívida pública e cortas gastos públicos. A ruptura provocou o colapso do partido Alianza País, que se dividiu entre morenistas e correístas. Os escândalos de corrupção abalaram a imagem de Correa, que havia se mudado para a Bélgica, enquanto a Justiça o investigava por suborno.
Moreno também reverteu diversas medidas populistas aprovadas por Correa, entre elas a que permitia a reeleição indefinida por meio de um referendo. Mas então, no final de 2019, em um mercado em Wuhan na China, uma misteriosa pneumonia viral começava a se espalhar.
O impacto da covid-19 no Equador foi brutal. As cenas dos mortos jogados na calçada em Guayaquil correram o mundo. O colapso do sistema de saúde e o despreparo das autoridades tornaram o país um dos mais atingidos pela pandemia. No total, mais de 1 milhão de pessoas foi contaminada e mais de 70 mil morreram.

Em 2021, os equatorianos elegeram pela primeira vez em décadas um candidato da direita conservadora. O banqueiro Guillermo Lasso foi eleito com uma pauta focada em dinamizar a economia e impulsionar a vacinação contra a covid.
Enquanto a pandemia e a queda em desgraça de Correa mobilizavam o país, um outro fenômeno obscuro transformava de vez o país. Com a desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) após o acordo de paz na Colômbia em 2016, o escoamento da produção de cocaína nos Andes, antes centralizado na narcoguerrilha, passou por mudanças estruturais.
Grupos menores passaram a vender e mover a droga para cartéis mexicanos por meio do território equatoriano, muito próximo às áreas de plantação e processamento da folha de coca na Colômbia. Foi nesse momento em que o porto de Guayaquil começou a se transformar na ‘autopista do pó’ na América do Sul, criando uma nova rota entre os produtores e os cartéis mexicanos responsáveis por levar a droga aos EUA.

Com isso, gangues criminosas passaram a ganhar mais poder dentro do Equador. O país outrora pacífico, com uma taxa de homicídios de 6,6 pessoas por 100 mil pessoas passou a viver uma guerra urbana. Em 2021, essa taxa tinha dobrado e chegou em 2023, no auge da crise, a 46 mortes por 100 mil habitantes - um aumento de quase 800%. Massacres em presídios, homicídios e disputa por territórios se tornaram comuns.
A crise de violência contribuiu para o enfraquecimento do governo Lasso, que recorreu a estados de emergência para combater os narcotraficantes. Ele mandou militares para combater os cartéis e militarizou províncias, mas a crise só crescia. Sem maioria no Congresso, teve dificuldade para aprovar sua agenda liberal e de reforma política.
No meio do mandato, em 2023, (e também no auge da crise de violência), e ameaçado de impeachment, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições. Mais uma vez a sombra da instabilidade política ameaçava o país.
As eleições foram caóticas. Grupos criminosos mataram o candidato Fernando Villavicencio durante um comício. Daniel Noboa, herdeiro do império da banana de Guayaquil, e de uma família que já teve dois ocupantes da presidência, disputou a eleição como outsider e foi eleito, derrotando a correísta Luiza Gonzalez.
No mandato, o presidente de 37 anos adotou uma tática similar a de outro millenial latino-americano, o salvadorenho Nayib Bukele, e ordenou uma tolerância zero contra o crime, em meio a temores de abusos de direitos humanos. Os indicadores de violência melhoraram, mas a crise está longe de acabar. No ano passado, a taxa de homicídios ficou em 38.
Além da violência, os equatorianos estão profundamente insatisfeitos com a crise energética provocada pela seca no país, que dificultou a geração de energia por hidrelétricas. A economia também é um ponto de preocupação, segundo analistas, sobretudo entre os jovens, que estão bastante alienados do processo.
Apesar disso, Noboa está em primeiro lugar nas pesquisas e é favorito. Isso se deve a dois fatores. O primeiro deles é o anticorreísmo ferrenho de grande parte da população equatoriana. O ex-presidente ainda conta com uma base de apoio relevante. Apesar disso, não tem tido força política para reconquistar o terço do eleitorado que o abandonou sem aderir totalmente ao anticorreísmo.
O segundo é que Noboa tem conta com um voto de confiança da população por ter enfrentado as gangues, ainda que com pouco tempo de mandato. A proposta de mão pesada contra o crime é popular, e a queda da violência foi sentida pela população, ainda que esteja em patamares altos. /Com Luiz Raatz e informações da AFP