Quando tinha 7 anos, Greisa Martinez e seus pais deixaram o Estado mexicano de Hidalgo e se mudaram ilegalmente para Dallas, no Texas. Agora, com 28 anos, Greisa trabalha na entidade de proteção a imigrantes United We Dream. Desde a eleição de Donald Trump, a ativista anda bastante ocupada.
No caso de chegada das autoridades de controle de imigração, ela orienta seus protegidos a só abrir a porta de casa se os agentes tiverem mandado judicial e recomenda que permaneçam em silêncio até poderem falar com um advogado.
Greisa é uma das 740 mil pessoas favorecidas pelo programa Deferred Action for Childhood Arrivals (Daca), que Barack Obama criou em 2012 por meio de um decreto. Trump prometeu revogar todos os decretos de Obama. Nada impede que o republicano acabe com o Daca assim que tomar posse.
Por outro lado, ele pode optar por não renovar os benefícios concedidos no âmbito do programa, que expiram a cada dois anos, deixando que o Daca morra lentamente. Graças ao decreto, imigrantes ilegais que tenham entrado nos EUA com menos de 16 anos – e atendam a alguns outros critérios – ficam temporariamente livres da deportação, além de estarem autorizados a trabalhar.
No início da campanha eleitoral, Trump prometeu expulsar todos os 11 milhões de imigrantes ilegais dos EUA. Eleito, escolheu Jeff Sessions, maior entusiasta das deportações no Senado, para ser seu secretário de Justiça. Isso pôs os beneficiários do Daca em alerta.
“Quando nos cadastramos no programa, declaramos nossa condição ilegal, informamos nossos endereços. Agora, o governo tem essas informações e pode vir atrás de nós e de nossos parentes”, diz Perla Salgado, moradora do Arizona que chegou aos EUA com 6 anos.
Depois de eleito, Trump passou a dizer que seu foco serão os imigrantes com antecedentes criminais. É mais ou menos o que vem fazendo Obama, cujo governo deportou mais pessoas do que o de qualquer um de seus antecessores.
Trump dá sinais de que será menos rigoroso com os que chegaram aos Estados Unidos na infância. Em entrevista ao programa 60 Minutes, da CBS, ele estimou o contingente de imigrantes criminosos em “2 ou 3 milhões”. Segundo o Migration Policy Institute, o número de pessoas nessa condição está mais próximo de 820 mil.
Escolhas. Dois fatores limitarão o escopo da política de deportações de Trump. O primeiro é de ordem financeira. As deportações já consomem volume de recursos maior do que o destinado ao FBI, à Agência de Combate às Drogas, à Polícia Judiciária Federal e ao Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo somados. Também é cada vez mais difícil encontrar pessoas para deportar. Isso se deve, em parte, ao fato de que o número de capturas em áreas próximas da fronteira vem recuando bastante nos últimos anos, pois também diminuiu o fluxo de mexicanos que tentam entrar nos EUA.
O segundo fator é a cooperação das autoridades municipais e estaduais. A Califórnia é o Estado que mais ativamente vem se preparando para enfrentar a política anti-imigração de Trump. Mais de 3 milhões de imigrantes ilegais moram no Estado. Segundo estudo realizado em 2014 pela Universidade do Sul da Califórnia, os trabalhadores ilegais representam 10% da força de trabalho do Estado e contribuem com US$ 130 bilhões dos US$ 2,5 trilhões de seu PIB.
Advogados. Na segunda-feira, os legisladores californianos aprovaram uma série de medidas para dificultar ações de deportação em massa no Estado, incluindo a criação de um programa para ajudar os imigrantes a contratar advogados. Também ficou proibida a realização de ações de combate à imigração em escolas, hospitais públicos e instalações da Justiça.
“Não vamos ficar de braços cruzados e permitir que o governo federal utilize nossos órgãos públicos para separar mães e filhos”, afirmou o presidente do Senado estadual. De acordo com estudo realizado em 2015 pela Universidade da Pensilvânia, as chances de evitar a deportação são mais de cinco vezes maiores quando os imigrantes têm um advogado constituído.
Refúgio. As políticas das chamadas cidades-santuário – como Los Angeles, Nova York, San Francisco e Chicago – oferecerão obstáculos adicionais ao furor anti-imigração de Trump. Embora não corresponda a nenhuma figura jurídica formal, o termo é largamente empregado para se referir a jurisdições que restringem a cooperação com autoridades migratórias federais. O Immigrant Legal Resource Centre contabiliza 4 Estados, 39 cidades e 364 condados nessa condição. Alguns proíbem a polícia local de questionar indivíduos detidos a respeito de seu status migratório. Outros se recusam a obedecer as autoridades migratórias, caso não tenham um mandado judicial.
Os defensores dessas práticas alegam que, ao reduzir o medo da deportação, elas contribuem para que os imigrantes ilegais não relutem em informar a ocorrência de crimes à polícia, buscar tratamentos em hospitais e matricular os filhos em escolas.
A pressão sobre as cidades-santuário aumentou em julho, depois que uma jovem americana foi morta em San Francisco. O assassino era um imigrante em situação ilegal que acumulava sete condenações e já havia sido deportado cinco vezes. Trump disse que pretende suspender investimentos federais em áreas que não colaborem com as autoridades migratórias. O impacto seria grave, mas muitos prefeitos duvidam que a ameaça se concretize, pois, acreditam, não faz sentido prejudicar a economia das maiores cidades dos EUA.
De qualquer forma, o fato é que, entre 2009 e 2015, o governo Obama deportou cerca de 360 mil pessoas, em média, por ano. Muzaffar Chishti, advogado do Migration Policy Institute, acredita que, se não aplicar um volume substancial de recursos no recrutamento e treinamento de agentes migratórios, assim como na ampliação do número de varas judiciais responsáveis pelos processos, Trump terá dificuldades para expulsar mais de meio milhão por ano. Ainda assim, em oito anos, isso significaria 4 milhões de deportados. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER
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