Veja como funciona o decreto de Trump sobre cidadania de bebês por nascimento nos EUA

Presidente dos EUA havia anunciado decreto que aponta que seu governo não trataria mais os filhos de pessoas sem documentos nascidas nos EUA como cidadãos, mas juiz federal chamou medida de ‘flagrantemente inconstitucional’

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Por Eileen Sullivan (The New York Times), Patrick J. Lyons (The New York Times) e Isabelle Taft (The New York Times)
Atualização:

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou na última segunda-feira, 20, que seu governo não trataria mais os filhos de pessoas sem documentos nascidas nos EUA como cidadãos, sinalizando sua intenção de essencialmente ignorar a garantia constitucional de cidadania por direito de nascença.

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Em reação à medida, 22 Estados, além de vários grupos de direitos dos imigrantes, entraram com uma ação contra a ordem executiva de Trump. Na quinta-feira, 23, o juiz federal de Seattle, John Coughenour, suspendeu temporariamente a ordem executiva, chamando-a de “flagrantemente inconstitucional”.

O decreto executivo de Trump instruiu as agências federais a não emitirem documentos de cidadania para essas crianças. A ordem do presidente americano vai contra a garantia, que está na Constituição, de que qualquer pessoa nascida nos Estados Unidos tem cidadania americana.

No decreto, Trump disse que interpretaria a 14ª Emenda de forma diferente do que foi feito no passado, argumentando que ela “nunca foi interpretada para estender a cidadania universalmente a todos os nascidos nos Estados Unidos”.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assina decretos executivos no Salão Oval da Casa Branca  Foto: Evan Vucci/AP

A ordem significaria que a cidadania não seria estendida a uma criança cuja mãe e pai não estão autorizados a estar nos Estados Unidos no momento do nascimento.

Trump há muito tempo diz que conferir cidadania americana aos filhos de imigrantes ilegais era inaceitável para ele. Mas como a cidadania por direito de nascença é garantida pela 14ª Emenda à Constituição, tal ordem enfrenta grandes desafios legais. Qualquer mudança na Constituição requer votos de supermaioria no Congresso e, em seguida, ratificação por três quartos dos Estados.

“Eu realmente tenho dificuldade em entender como um membro da advocacia pode afirmar inequivocamente que essa é uma ordem constitucional”, declarou o juiz ao advogado do governo Trump, nesta quinta-feira. “Isso me deixa perplexo.”

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A Constituição garante a cidadania por direito de nascença

A 14ª Emenda, ratificada em 1868, diz: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à jurisdição dos mesmos, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que residem.”

A parte sobre jurisdição cria uma exceção muito estreita que até agora se aplicava essencialmente apenas a filhos de diplomatas estrangeiros credenciados. Fora isso, a cidadania ou o status de imigração dos pais de uma pessoa não tem qualquer efeito legal sobre a cidadania.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a primeira-dama, Melania Trump, participam de um desfile inaugural na Capital One Arena, em Washington  Foto: Angela Weiss/AFP

Trump não pode abolir a cidadania por direito de nascença por decreto

Um presidente não pode mudar a Constituição sozinho, e qualquer ordem executiva para restringir ou abolir a cidadania por direito de nascença quase certamente será contestada no tribunal como uma violação da 14ª Emenda.

Mas Trump está interpretando a linguagem da jurisdição na emenda para excluir “os filhos de estrangeiros ilegais nascidos nos Estados Unidos”. Até agora, o consenso acadêmico e jurídico esmagador tem sido que tal interpretação teria pouca ou nenhuma chance de prevalecer num tribunal.

Alguns estudiosos do direito apontam que tais argumentos continuarão a ser inaceitáveis nos tribunais. Mas a ideia de que a Suprema Corte pode, em algum momento, encontrar argumentos para restringir a cidadania por direito de nascença “não é mais risível”, segundo Amanda Frost, professora de direito na Universidade da Virgínia e especialista em imigração e direito de cidadania.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assina decretos executivos em Washington, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

Limitar a cidadania por direito de nascença foi a posição de consenso entre os candidatos presidenciais republicanos na eleição de 2024, e pelo menos um juiz federal indicou disposição para considerá-la. “Não acho que seja inconcebível, que é o que eu teria dito em 2019″, disse a especialista. “O terreno está mudando.”

Ao orientar agências federais a negar aos filhos de imigrantes ilegais documentos de afirmação de cidadania, como cartões de Previdência Social e passaportes, o governo Trump está efetivamente ordenando que eles sejam excluídos de serviços governamentais como escolas públicas, assistência médica, nutrição e benefícios de moradia. A política — agindo como se a 14ª Emenda não se aplicasse a essas pessoas — provavelmente também será contestada nos tribunais

Outros países têm cidadania por direito de nascença

Trinta e três países e dois territórios — quase todos no Hemisfério Ocidental, incluindo México e Canadá — têm cidadania irrestrita por direito de nascença semelhante à dos Estados Unidos, de acordo com uma estudo da World Population Review.

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Outros 40 têm versões restritas do direito. Pode se aplicar, por exemplo, apenas a filhos de residentes legais ou de pais nascidos no país. Ou pode excluir refugiados.

Vários países que, como os Estados Unidos, tinham tradições de cidadania universal por direito de nascença enraizadas no direito comum inglês — incluindo Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia e Índia — restringiram ou aboliram o direito nas últimas décadas.

Críticos da cidadania por direito de nascença dizem que ela incentiva a imigração

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A cada ano, milhares de mulheres grávidas de outros países entram nos Estados Unidos com um visto válido, dão à luz crianças que automaticamente ganham cidadania americana e depois levam os bebês de volta para casa ou para um terceiro país. A prática, às vezes chamada de “turismo de parto”, é legal, desde que a mãe obtenha seu visto e cumpra seus termos.

Trump e seus apoiadores, no entanto, reclamam sobre as futuras mães que entram no país para dar à luz o que eles chamam de forma irônica de “bebês âncora” — crianças cuja cidadania americana daria à família acesso a benefícios públicos e uma base para residência legal.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa ao lado da primeira-dama Melania Trump, em Washington, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

O Migration Policy Institute estima que, em 2019, cerca de 4,7 milhões de crianças nascidas nos Estados Unidos com menos de 18 anos viviam com um dos pais que estava ilegal no país — cerca de 7% de todas as crianças nos Estados Unidos. Mas estudos descobriram que a grande maioria dessas crianças não cruzou a fronteira quando as mães estavam grávidas. O Pew Research Center estimou em 2022 que cerca de cinco em cada seis crianças americanas de imigrantes não autorizados nasceram dois anos ou mais depois que seus pais entraram nos Estados Unidos.

Sejam criadas nos Estados Unidos ou no exterior, as crianças americanas de pais não cidadãos podem, depois dos 21 anos, patrocinar membros da família para residência permanente legal, assim como qualquer outro cidadão americano poderia — uma prática ridicularizada pelos críticos como “migração em cadeia”. O patrocínio de parentes tem ocorrido constantemente ao longo do último século.

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