Numa resposta atrasada aos comunicados em 17 de dezembro dos presidentes Raúl Castro e Barack Obama, Fidel Castro - ou pelo menos a mensagem divulgada em seu nome - endossou sem muito entusiasmo a decisão histórica dos dois presidentes de normalizarem as relações entre Estados Unidos e Cuba, enfatizando que a reconciliação seguramente será um processo lento diante da desconfiança acumulada nos últimos cinquenta anos. No entanto, a desconfiança, elemento previsível em todas as negociações entre adversários, não é o único desafio para as diplomacias americana e cubana. O que mais ameaça arruinar as conversações em curso são determinados vícios de comportamento nacionais que se chocam: a terrível impaciência de Washington no campo da política externa frente à excessiva cautela do governo de Havana e sua resistência tenaz às mudanças. As relações entre cubanos e americanos desde que Fidel Castro assumiu o poder em 1959 têm sido pautadas por uma impaciência dos EUA que entra em choque com a resistência de Cuba. Embora tenha se mostrado tolerante no início, em menos de um ano o governo de Dwight D. Eisenhower fez tentativas para derrubar o regime revolucionário e em seguida estabeleceu um embargo comercial contra a ilha. Depois de alguns meses no cargo, o presidente John F. Kennedy determinou a invasão da Baía dos Porcos. Entre os presidentes americanos, Barack Obama mostra-se inusitadamente cauteloso, mas tem grande interesse na rapidez das reformas política e econômica em Cuba. Para Washington, o parâmetro para julgar sua nova política com relação à ilha serão os avanços do governo na área dos direitos humanos, da liberdade de expressão e da abertura política - temas que foram incluídos, adequadamente, na agenda de negociações dos EUA e considerados de máxima prioridade. A Casa Branca já tem planos para reforçar os vínculos com dissidentes e outros atores não governamentais, impulsionar uma economia privada incipiente, ampliar o acesso dos cubanos à informação e opinião e apoiar outras iniciativas com vistas à consolidação da democracia. Nada disso deveria ser uma surpresa para o governo cubano. Mas as autoridades cubanas, desconfiadas e receosas, consideram iniciativas mesmo que modestas nessa linha uma "intromissão" com "o objetivo de promover mudança de regime". Parafraseando Fidel, se você der a mão para os EUA, em breve eles vão querer o braço. Cuba orgulha-se de ter desafiado com sucesso os EUA durante meio século. Mesmo quando tenta melhorar as relações não se mostra disposta a ceder muito, caso ceda, a pressões dos Estados Unidos. Temos razões para duvidar que o governo cubano queira sinceramente um degelo prolongado nas relações com os EUA, principalmente para respaldar uma economia enfraquecida, prejudicada ainda mais com a supressão da ajuda da Venezuela, país também assolado pela crise. Cautela. Mas Raúl Castro e outras autoridades cubanas têm afirmado consistentemente sua intenção de manter intactos os sistemas econômico e político de Cuba. O processo insuportavelmente lento de reformas políticas vitais nos últimos oito anos realça a resistência da liderança às mudanças ou em ceder seu controle centralizado. Numa reunião de chefes de Estado da América Latina e do Caribe, no mês passado, Raúl Castro exigiu como precondições para normalizar as relações, que os Estados Unidos suspendam o embargo contra Cuba e devolvam a baía de Guantánamo para soberania cubana. O que mostra que os líderes cubanos não têm pressa. Eles sabem que os EUA não poderão atender a essas demandas num período breve. Embora tenham sido necessárias negociações secretas por muitos meses com o fim de determinar o rumo da reconciliação, para esse processo ser mantido é necessária uma transparência de ambos os governos. Não deve haver surpresas de ambas as partes. Linhas de comunicação oficiais terão de ser abertas em muitos níveis. Tanto a população cubana como a americana devem ser mantidas informadas de eventos importantes. Operações secretas levadas a cabo pelos americanos, como os programas que financiaram as atividades de Alan Gross e apoiaram grupos dissidentes, devem ser substituídas por iniciativas inteiramente públicas como o governo sabiamente prometeu. Mudança de regime é um tema proibido. O governo cubano, por seu lado, tem de começar a respeitar as normas internacionais sobre direitos humanos e a ordem legal. Isso significa abandonar práticas comuns no país como detenções em massa, prisões de oponentes do governo, perseguição de dissidentes seja pela polícia ou grupos vigilantes, o tratamento cruel de prisioneiros políticos e outras negações de direitos básicos. Como Cuba está hoje sob os intensos holofotes da mídia, tais violações despertarão enorme atenção em todo o mundo. Se elas forem exacerbadas, um recuo político dos Estados Unidos pode muito bem por fim à aproximação em curso. Estratégias. É também crucial que os EUA avaliem os limites da sua influência sobre a evolução política de Cuba. Só veremos mudanças duradouras na ilha a partir de medidas adotadas pelo governo e o povo cubanos. Os Estados Unidos devem continuar insistindo que os cubanos têm de respeitar os direitos humanos e os princípios democráticos, mas precisam manter a promessa de não fazer exigências duras, pressionar e estabelecer prazos. O que pode também ser contraproducente, aumentando a resistência do governo cubano às mudanças. Com muitos países latino-americanos empenhados na implementação de políticas democráticas, os governos da região necessitam apoiar as reformas política e econômica em Cuba. Brasil, México e outros países com vínculos mais fortes com Cuba, são fundamentais no auxílio à transição do país. Mas é somente quando o governo cubano deixar claro que valoriza tal assistência que as outras nações latino-americanas se mostrarão prontas para ajudar. Nesse ponto com certeza não reagirão à pressão dos Estados Unidos. A receita para a reconciliação é mais cautela e paciência por parte dos EUA, como também a disposição para tolerar a ambiguidade, e mesmo a inação, durante algum tempo; mais flexibilidade e coragem de assumir riscos por parte do governo de Cuba, que terá de aceitar uma diminuição do seu controle e uma certeza menor quanto ao seu futuro. E nações latino-americanas prontas para mostrar sua solidariedade, assumindo a responsabilidade de ajudar Cuba durante um período difícil de mudanças potencialmente radicais. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO *É PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.