Opinião | Dia da posse: O auge de uma Segunda Era Dourada

Com um segundo mandato de Trump, haverá uma maior concentração de riqueza e poder

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Por Eugene Robinson (The Washington Post)

Alguns cidadãos desta república considerarão a segunda posse de Donald Trump um glorioso recomeço; outros perceberão uma desanimadora rendição às piores tendências do país. Muitos comentaristas certamente concluirão que esta segunda-feira incomumente fria em Washington define a década recente, para o bem ou para o mal, como a Era Trump.

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Os historiadores, no entanto, têm capacidade de ver a posse de Trump através de uma lente maior: o dia 20 de janeiro de 2025 pode muito bem vir a ser lembrado como o auge de uma Segunda Era Dourada.

Os tempos em que vivemos ecoam a Era Dourada original, ocorrida aproximadamente de 1870 a 1900. Agora, como naquela época, a riqueza está cada vez mais concentrada nas mãos de muito poucos. De acordo com o St. Louis Federal Reserve, o 1% mais rico dos americanos detém cerca de 31% da riqueza total do país — em 1990, esse índice era de 23%. Os 50% mais pobres detêm apenas 2,4% da riqueza total.

Permita-me repetir: o patrimônio líquido de metade da população dos EUA, como um todo, corresponde a apenas uma pequena fração do patrimônio líquido do 1% mais rico.

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Trump tomou posse para novo mandato como presidente dos Estados Unidos nesta segunda-feira, 20 Foto: Chip Somodevilla/AFP

Na primeira Era Dourada, alguns magnatas acumularam riquezas inimagináveis — homens como John D. Rockefeller, Cornelius Vanderbilt e J.P. Morgan. Suas enormes fortunas engendraram grande poder e influência. Quando eles falavam algo, presidentes escutavam.

Nesta segunda-feira, quando um bilionário reassumir o cargo mais alto do país, os três seres humanos mais ricos do planeta, de acordo com as listas de bilionários da Forbes e da Bloomberg, estarão presentes: Elon Musk, Jeff Bezos (dono do Post) e Mark Zuckerberg. Se eles se unissem para comprar uma pequena ilha e declarassem independência, seu Estado-nação, com uma população de 3 habitantes, seria a 21.ª maior economia do mundo.

Musk gastou cerca de US$ 277 milhões no ano passado para impulsionar a campanha de Trump para a presidência. Esse dinheiro, bem menos que um milésimo do patrimônio líquido de Musk, lhe deu acesso constante a Trump em sua propriedade em Mar-a-Lago — e em breve, segundo relatos, lhe garantirá um gabinete no complexo da Casa Branca.

Em seu discurso de despedida ao país, na quarta-feira, o presidente Joe Biden alertou sobre os perigos dessa concentração de riqueza. “Hoje, uma oligarquia de extrema riqueza, poder e influência está tomando forma nos Estados Unidos e literalmente colocando sob ameaça toda a nossa democracia, todos os nossos direitos e todas as nossas liberdades básicas, assim como uma chance justa para todos progredirem”, disse Biden.

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O capitalismo é o modo americano, e os magnatas de hoje não devem ser punidos por serem bons nisso — nem por suas invenções e inovações que mudaram a maneira como vivemos, criando milhões de empregos. Mas a mobilidade ascendente também é o modo americano, e o governo tem um papel importante a desempenhar para possibilitar essa mobilidade.

Trump se conectou com muitos eleitores que sentem sua trajetória atual descendendo, que não têm mais a confiança de que a vida de seus filhos será mais rica do que a deles. Esses eleitores expressaram esperança de que Trump os colocará e às suas comunidades mais uma vez numa rota ascendente.

Mas Trump promete o oposto: dobrar a aposta em políticas que enriquecem os ricos e empobrecem os pobres.

Trump fala repetidamente de sua admiração pelo ex-presidente William McKinley, o último presidente da Era Dourada. Eleito em 1896, McKinley atendeu aos super-ricos “barões ladrões”. Ele protegeu a indústria dos EUA com tarifas altas e não adotou nenhuma ação importante para regular ou romper monopólios que sufocavam a competição. E também buscou o expansionismo, tomando Porto Rico na Guerra Hispano-Americana e anexando a República do Havaí.

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Trump também disse que vai impor tarifas altas sobre produtos importados — o que de fato será um imposto regressivo que taxa menos os ricos e tira dinheiro dos bolsos da classe média e dos mais pobres. Durante seu primeiro mandato, Trump cortou impostos dos ricos; desta vez ele promete cortar novamente. E planeja conceder o desejo mais acalentado pela comunidade empresarial, suprimindo drasticamente mecanismos de vigilância e regulamentação. Conceitos como monopólio e conflito de interesses parecem estranhos ao seu entendimento.

E quanto ao seu destino manifesto, Trump está de olho na Groenlândia. (Duvido muito que ele consiga.)

Sob McKinley, o herói de Trump, a concentração de riqueza e de poder atingiu o auge. Seu sucessor, Theodore Roosevelt, reverteu o curso do país. Ele usou a Lei Antritruste de John Sherman, de 1890, para acabar com monopólios e promover competição. Roosevelt pôs fim a uma greve de mineiros de carvão intervindo em favor dos mineiros; regulamentou as tarifas que as ferrovias poderiam cobrar para transportar cargas; e pressionou o Congresso pela aprovação de uma legislação que concedesse ao governo federal o poder de impor padrões de segurança para alimentos e medicamentos.

Roosevelt prometeu um “tratamento justo” para os americanos comuns. Trump se define como um defensor da classe trabalhadora, mas suas políticas e práticas dizem o contrário. Eu só acreditarei em Trump quando ele parar de tentar enganar seus apoiadores vendendo-lhes chinelos estampados com bandeira americana a US$ 40, bonés MAGA a US$ 55 e feios tênis vermelhos a US$ 200.

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Trump está de volta para quatro longos anos. Se você ama tudo sobre ele, aproveite a viagem. Se não, passe esse tempo planejando e trabalhando para pôr fim à Segunda Era Dourada. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Eugene Robinson

Eugene Robinson escreve uma coluna sobre política e cultura. Em suas três décadas de carreira no The Washington Post, foi repórter e editor de cidades, correspondente estrangeiro em Buenos Aires e Londres, editor de internacional e subeditor-executivo encarregado da seção Style do jornal

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