Eleição em Israel: ‘voto útil’ e falta de consenso ameaçam trabalhistas e árabes no Parlamento

Em meio a um cenário eleitoral polarizado pela figura do ex-premiê Binyamin Netanyahu, as pesquisas eleitorais divulgadas antes do pleito projetam uma redução tanto da bancada trabalhista quanto da bancada árabe do Knesset

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Por Renato Vasconcelos
6 min de leitura

SÃO PAULO ― Um é herdeiro direto do Mapai, partido do histórico premiê David Ben Gurion, e que projetou lideranças como Golda Meir, Yitzhak Rabin e Shimon Peres. Os outros representam quase 20% da população, e conquistaram um lugar no governo pela primeira vez no ano passado, 78 anos após a fundação de Israel. Mas quando eleitores de todo o país forem às urnas na terça-feira, 1°, tanto o Partido Trabalhista quanto as representações árabes-israelenses correm o risco de encolherem radicalmente, ficado quase sem (em pelo menos um caso sem) representação no Knesset.

Em meio a um cenário eleitoral polarizado pela figura do ex-premiê Binyamin Netanyahu, que tenta voltar ao poder um ano depois de ser ejetado do cargo, as últimas pesquisas eleitorais divulgadas antes do pleito projetam uma redução tanto da bancada trabalhista quanto da bancada árabe do Knesset.

Se os números do levantamento encomendado por canais de televisão e divulgados na quinta-feira, 28, se confirmarem, os trabalhistas devem perder uma cadeira e ficar com apenas 6 representantes no Parlamento, enquanto nenhum partido ou coalizão árabe deve conseguir mais que o mínimo de 4 deputados para garantir representação.

Cartaz espalhado por ruas de Israel pelo Likud, partido de Netanyahu, mostram os integrantes árabes da coalizão que formou governo com o centrista Yair Lapid, com a frase: 'uma vez é o suficiente'  Foto: Menahem Kahana/ AFP

As razões para a decadência do Partido Trabalhista e do bloco árabe (que inclui os partidos Ra’am, Hadash, Ta’al e Balad) são distintas. Os árabes, apesar de representem um extrato de aproximadamente 20% da população total de Israel (hoje em 9.364.000 pessoas), nunca tiveram um espaço decisivo na política nacional, muito pela resistência de alianças a partidos de centro-direita e direita israelense, que costumeiramente atraem uma parte do voto religioso.

O período em que as representações árabes alcançaram mais sucesso eleitoral foram nas eleições de 2015 e 2019, quando deixaram divergências ideológicas de lado ― comumente vistos pelo viés étnico, cada sigla tem sua própria agenda, que vão do nacionalismo-árabe ao socialismo ― e concorreram como uma coalizão única, a Lista Conjunta. Nas eleições de 2015 e de setembro de 2019, a coalizão conquistou 13 cadeiras, alcançando o ápice do sucesso eleitoral em 2020, quando conseguiram 15 vagas no Knesset, consolidando-se como a terceira força política àquela altura.

A participação no governo, porém, só veio em 2021, quando um dos partidos, o Ra’am, liderado por Mansour Abbas, rompeu com a Lista Conjunta e resolveu concorrer sozinho, conquistando a representação mínima no Parlamento. Os quatro deputado de Abbas foram fundamentais no ambiente polarizado de Israel, sendo um pilar necessário para o arranjo de governo formado por Yair Lapid e Naftali Bennett.

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“Digo aqui com clareza e franqueza: quando o estabelecimento deste governo for baseado em nosso apoio... seremos capazes de influenciá-lo e realizar grandes coisas para nossa sociedade árabe”, disse Abbas ao assinar o acordo para formação do improvável governo, no ano passado, ao lado do centrista Lapid e do nacionalista Bennett.

Um ano depois, com o colapso da aliança e sem nenhuma grande realização das prometidas por Abbas ao se aliar aos rivais históricos, o cenário é desanimador para todos os partidos árabes. Um novo racha na Lista Conjunta fez o Balad, partido do nacionalismo árabe, se retirar da aliança, restando apenas uma coalizão entre Hadash e Ta’Al. Se as pesquisas de intenção de voto se confirmarem, a estreita aliança e o Ra’am devem conquistar, cada um, no máximo 4 representantes.

“Depois de 75 anos sendo uma minoria dentro de Israel, as pessoas querem soluções prontas ou rápidas”, afirmou a educadora Dalia Fadila, que promove a integração árabe na sociedade israelense, em entrevista a Associated Press. “Eles estão cansados e chateados com todas as promessas”, acrescentou.

Encolhimento trabalhista

O Partido Trabalhista, de tendência Social-Democrata, já nasceu como o maior partido de Israel. Somando o tempo em que se chamava Mapai, os trabalhistas governaram o país por quase 30 anos, liderando em tempos de guerra, da Guerra Árabe-Israelense à Guerra do Yom Kippur, e em tempos de paz, sendo o ex-premiê Yitzhak Rabin, assassinado em 1995, o responsável por assinar os Acordos de Oslo, de pacificação com os palestinos.

Às vésperas de mais uma eleição, o Partido Trabalhista não é eleitoralmente nem sombra do que foi. Pesquisas apontam que a sigla só deve conquistar entre 5 e 7 cadeiras, uma representação que pode ser importante para a formação do governo em uma eleição polarizada, mas longe de garantir um papel de destaque na política nacional.

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Embora tenha chegado ao governo pela última vez no começo dos anos 2000, com o ex-premiê Ehud Barak, os Trabalhistas foram os principais rivais do Likud, de Netanyahu, em boa parte das décadas passadas, tanto integrando coalizões de oposição, quanto entrando sozinho nas eleições. Mas um declínio profundo reduziu o partido a um papel marginal na política nacional.

Palestino lança pedras contra forças de segurança de Israel na Faixa de Gaza: temor de terrorismo impulsiona a extrema-direita no país  Foto: Fatima Shbair/AP Photo

“A decaída mais severa do Partido Trabalhista começa em 2019, acompanhando um movimento internacional de perda de espaço da esquerda. Israel acompanhou essa tendência, mas no caso específico, também podemos atribuir essa queda ao voto útil, em meio a processos eleitorais pautados basicamente no bloco pró-Netanyahu e anti-Netanyahu”, explicou Karina Calandrin, doutora em relações Internacionais e coordenadora do Instituto Brasil-Israel.

A migração dos votos do Partido Trabalhista fica clara quando observamos os números. Após conquistar 24 cadeiras em 2015, como parte da coligação União Sionista, que alcançou a segunda posição na época, os trabalhistas se viram com apenas 6 deputados na eleição seguinte, em abril de 2019, quando concorreram sozinhos. Daí para frente, seja sozinho ou em coalizões com outros partidos de esquerda e centro-esquerda, como o Gesher e o Meterz, os trabalhistas nunca mais conseguiram eleger mais de 10 deputados.

Em paralelo, outras siglas sem a mesma tradição política cresceram. Nas duas eleições de 2019, o Partido Azul e Branco, união de centro-direita liderada pelo ex-general Benny Gantz, então principal opositor de Bibi, recebeu votações recordes, chegando a ficar em 1° lugar na segunda votação realizada naquele ano.

Após entrar em acordo com Netanyahu para formar um novo governo ― e ser escanteado antes da sua vez de liderar ―, Gantz viu também sua popularidade derreter. Em março de 2021, o partido de Gantz conquistou apenas 8 cadeiras (uma a mais que os trabalhistas em crise), enquanto o Yesh Atid, do centrista Yair Lapid, recebeu uma votação até então recorde, alcançando 27 assentos.

A descaracterização dos trabalhistas como uma força política independente, com vida própria, também passa pela elitização do partido, segundo o professor Henri Barkey, da Universidade de Leigh, na Pensilvânia.

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“Se você for a regiões desenvolvidas de Israel, como Tel Aviv, onde se concentra o polo tecnológico, vai ver que aquelas pessoas votam nos Trabalhistas”, disse Barkey. “Aconteceu algo parecido com o que vimos com o Partido Democrata nos EUA. Mesmo que os democratas devam atender aos anseios da classe trabalhados, assim como os Trabalhistas em Israel, eles se tornam a elite, com as classes populares se voltando para outras opções populistas”./ Com informações de AP

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