Após o hiato das grandes concertações multilaterais durante o mandarinato de Donald Trump, os EUA voltam a liderar e retornam dominando o palco internacional naquilo que será o mais importante assunto de hoje e das próximas gerações. O Brasil, por sua vez, que tinha tudo para desempenhar um papel chave seja por ser o detentor da maior floresta tropical do planeta ou até pelo capital diplomático acumulado desde a Conferência da ONU Rio-1992, estreou, na Era Biden, com status de pária ambiental e descapitalizado politicamente e moralmente.
O discurso do presidente americano foi objetivo e endereçou o tema em consonância com o seu discurso de campanha, convocando os países a se aterem aos seus compromissos de proteção do meio ambiente, especialmente, na redução do desmatamento, da emissão de gases na atmosfera e no emprego da tecnologia como vetor fundamental para o desenvolvimento sustentável. As metas assumidas pelo presidente americano de reduzir em cerca de 50% a emissão de poluentes na atmosfera até 2030 e alcançar a neutralidade nas emissões até 2050 era, enfim, o esperado.Biden mostra que os EUA estão jogando o jogo das mudanças climáticas para valer.
Já o discurso do presidente brasileiro foi baseado em um emaranhado de argumentos demonstrando que o governo segue em sua costumeira toada de se colocar na defensiva de lançar promessas sem direção. O discurso do presidente brasileiro trouxe à baila os avanços logrados pelo Brasil ao longo das últimas décadas e com as metas de governos passados – e cuja contribuição de seu governo é negativa. As conquistas brasileiras na área ambiental refluíram nos últimos dois anos sob Bolsonaro. À par da verborragia burocrática empregada no discurso, resta saber se o inquilino do Planalto e o seu ministro de meio ambiente acreditam em uma única palavra do que foi dito na leitura do discurso presidencial.
O presidente brasileiro ainda não percebeu que a Amazônia se tornou maior do que o Brasil nas discussões ambientais. Trata-se de um perigo estratégico incomensurável para o interesse nacional. Perdida em narrativas esquálidas e descontroladas, a política ambiental brasileira põe em risco os interesses econômicos, comerciais, geração de emprego e, especialmente, a proteção dos povos tradicionais da região amazônica.
A promessa do presidente Bolsonaro de zerar o desmatamento ilegal até 2030 é um compromisso inexequível dada a realidade e a prática política verificada em seu governo. A inércia brasileira e o desmonte otológico da capacidade operacional e do aparato de inteligência ambiental após décadas de avanço, tornam vulnerável quaisquer promessas.
O discurso de Bolsonaro dá mostras de que ainda não saímos da distopia onde a "boiada" segue dando as cartas. As pretensões lançadas pelo governo brasileiro não têm como serem cumpridas enquanto não se restaurar o papel do Ibama e do ICMBio como órgãos vitais de proteção e de combate à devastação da floresta. A política ambiental do governo Bolsonaro (ou falta dela, na verdade) subtraiu do Brasil a sua principal arma no tabuleiro climático mundial: a condição de liderar! Observando os discursos das autoridades americanas, fica nítida a discrepância de comprometimento. Fica claro que o presidente Biden lançou uma nova equação sobre as mudanças climáticas e que será amparada por um novo código de regras no jogo ambiental internacional.
Não dá para pensar o mundo hoje sem o meio ambiente como pilar vital na relação entre os países. É inegável que as florestas desempenham um papel fundamental para as questões climáticas globais. As florestas ajudam a controlar o ciclo hidrológico, fundamental para a agricultura, e armazenam quantidade considerável de carbono. O desmatamento gera desequilíbrio, fazendo com que a floresta acabe liberando mais carbono do que absorve, o que agrava o aquecimento global. A luta contra o desmatamento, portanto, tem interesse para o futuro do próprio planeta. O desafio é superar a velha economia predatória sem que isso implique em perda de renda, empregos ou aumento da pobreza. Além disso, já está comprovado que a floresta tenha muito mais valor de pé do que derrubada. Para isso, é preciso conectar a floresta com a chamada Quarta Revolução Industrial – e nessa etapa a tecnologia passa a ter um papel preponderante.
Fica difícil acreditar na validade das promessas do governo Bolsonaro para o meio ambiente. Enquanto existir a diplomacia da boiada, a capacidade do país de ser visto como uma potência climática e como país construtor de uma nova ordem internacional ambiental e sustentável é absolutamente irreal.
Com ação, liderança e metas concretas, Joe Biden consolida o papel dos EUA como baluartes na construção de uma nova doutrina geopolítica que governará o futuro das mudanças climáticas no mundo. Já o discurso do presidente Bolsonaro não teve, infelizmente, a força e a capacidade de tirar o Brasil da condição de vilão mundial do meio ambiente.
* HUSSEIN KALOUT, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018)