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Em decisão apertada, Suprema Corte dos EUA derruba lei que restringia o aborto

Resultado de 5 votos a 4 mostra a polarização interna da Corte e a influência que o próximo presidente americano terá ao nomear novos juízes

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Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla, CORRESPONDENTE e WASHINGTON

WASHINGTON - A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou nesta segunda-feira, 29, uma lei do Estado da Louisiana que restringia o aborto. A decisão, tomada por 5 votos a 4, foi a primeira sobre o tema na atual composição do tribunal, depois da nomeação de dois juízes conservadores pelo presidente Donald Trump.

O resultado do julgamento ilustra a polarização interna da Corte e a influência que o próximo presidente terá ao nomear novos juízes para um tribunal dividido. Trump tem usado a perspectiva de consolidar o domínio conservador no Judiciário como mote de campanha eleitoral, repetindo uma receita usada em 2016. O presidente argumenta que se tiver a chance de indicar um juiz a mais será também capaz de reverter o precedente histórico da década de 70 conhecido como Roe vs. Wade que reconheceu o direito da mulher à interrupção voluntária da gravidez sem restrições excessivas por parte do governo.

O edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington Foto: REUTERS/Will Dunham/File Photo

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Os quatro juízes liberais, indicados por políticos democratas, votaram por derrubar a legislação de Louisiana nesta segunda-feira. Do outro lado, quatro magistrados indicados por republicanos, incluindo os dois conservadores nomeados por Trump, votaram pela manutenção da lei. O caso foi desempatado pelo presidente do tribunal, John Roberts.

Se Trump for reeleito, provavelmente terá a chance de substituir dois progressistas por conservadores, consolidando sua visão por mais de uma década na Corte. Se o candidato democrata Joe Biden for eleito em novembro, a chance é de que Roberts continue a ser o voto do meio. Indicado por George W. Bush, o presidente do tribunal tem dado vitórias pontuais à ala progressista, mas é identificado com o movimento conservador.

O aborto é legalizado nos EUA, mas os Estados têm espaço para regulamentar a prática. Nos últimos anos, Estados com governadores e maioria republicana no legislativo local têm aprovado leis que limitam o aborto. A lei de Louisiana exigia que os profissionais que realizam o procedimento nas clínicas de aborto sejam médicos admitidos para trabalhar nos hospitais da região. Médicos afirmam que o pedido é desnecessário, porque a maioria dos casos não precisa ser encaminhada ao hospital.

Prerrogativa 

Apesar de se alinhar aos progressistas, Roberts não acompanhou os juízes na justificativa. Para ele, a razão para derrubar a lei estadual consiste meramente em obedecer a um precedente firmado em 2016, quando o tribunal analisou uma legislação do Texas.

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Na época, a Suprema Corte derrubou uma lei semelhante à atual por entender que os requisitos exigidos pelo Estado proporcionaram obstáculos à realização do aborto, tornando difícil ou impossível manter as clínicas abertas, sem comprovar a necessidade da medida para a segurança das mulheres. Na época, Roberts foi parte da divergência, votando a favor da lei editada pelo governo do Texas. Nesta segunda-feira, ele afirmou que "continua a acreditar que o caso (do Texas) foi decidido de maneira errada", mas disse que iria aderir ao precedente estabelecido pela maioria na ocasião.

O presidente do tribunal tem tentado mostrar a independência da Corte diante das sugestões de Trump de que pode influenciar o resultado de julgamentos e sua decisão, embasada em um precedente recente, é vista como uma tentativa de preservar a imagem dos juízes. O voto, no entanto, não é o suficiente para indicar que o presidente da Corte votaria a favor da manutenção da decisão Roe vs Wade em outra ocasião, afirma o professor de direito da Universidade de Michigan, Richard Friedman.

"Está claro que há quatro membros que gostariam de anular o precedente 'Roe' e quatro membros comprometidos em preservá-lo. Portanto, a única dúvida na composição atual é quanto ao presidente (da Corte). Se Trump for reeleito, e um dos membros progressistas da Corte se aposentar, a mudança de doutrina seria muito provável. Mas e se o presidente ainda for a pessoa do meio?", questiona Friedman.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em evento na Casa Branca Foto: EFE/EPA/CHRIS KLEPONIS / POOL

No mês de junho, o presidente John Roberts ajudou a impor duas derrotas ao governo Trump, ao formar maioria para estender a gays e transgêneros os direitos que protegem todos os americanos de discriminação no ambiente de trabalho e ao derrubar a ideia de acabar com o programa que protege de deportação filhos de imigrantes em situação ilegal nos EUA, o DACA. 

O revés no judiciário fez Trump retomar a promessa de trabalhar por uma Suprema Corte conservadora, assim como nomear para outros tribunais federais nomes ligados à direita.

Aposentadorias 

Na Suprema Corte, os dois magistrados mais velhos do tribunal foram indicados por democratas. A primeira que deve se aposentar é a juíza Ruth Bader Ginsburg, que completa 88 anos em março e enfrentou um câncer no início do ano. 

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Substituir RBG, como é conhecida, por um conservador contrário ao aborto terá um simbolismo forte para os progressistas. Ela foi a segunda mulher a ocupar uma das nove cadeiras do mais alto tribunal americano e é um ícone da luta pela igualdade de gênero. 

Sua história foi tema do filme Suprema, de 2018, em que ela foi interpretada pela atriz britânica Felicity Jones e sua vida foi retratada em documentário. O rosto da juíza costuma estampar camisetas com bordões feministas. 

A segunda possível cadeira a ficar vaga é a ocupada pelo juiz Stephen Breyer, que completará 82 anos.

Os juízes conservadores, por sua vez, são jovens para os padrões de aposentadoria da Suprema Corte, devendo permanecer por pelo menos uma década no tribunal. 

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