Em entrevista ao 'Estadão', Bolton diz que Bolsonaro precisa abrir canais com Biden

Em entrevista ao ‘Estadão’, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA diz que governo brasileiro deve dialogar com democratas 

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Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla, Correspondente e Washington

Jair Bolsonaro precisa abrir “linhas de comunicação” com o Partido Democrata nos EUA, se levar em consideração o interesse do Brasil na relação com os americanos. A frase não é dos adversários de Donald Trump, mas do conservador John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca. Em entrevista ao Estadão, Bolton garante que Trump “tem um bom relacionamento com Bolsonaro”, mas diz que as relações com o Brasil não mudarão “do dia para a noite”.

Durante os primeiros nove meses da gestão Bolsonaro, Bolton era considerado pelo governo brasileiro, especialmente pela ala militar, como um importante interlocutor junto a Trump. Ele foi o primeiro da alta cúpula da Casa Branca a se reunir com o então eleito presidente brasileiro, em um café da manhã na casa de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, em 2018. 

Bolsonaro e Bolton em café da manha na casa do presidente eleito, no Rio Foto: Ascom/Transição

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Bolton foi o responsável por aconselhar Trump sobre questões de segurança nacional, entre abril de 2018 e setembro de 2019. Em setembro, foi demitido pelo Twitter. “Seus serviços não serão mais necessários na Casa Branca”, escreveu o presidente. 

Em junho, Bolton lançou seu livro de memórias, The Room Where It Happened (“A Sala Onde Tudo Aconteceu”, em tradução livre), com críticas ao presidente. Ao Estadão, ele afirmou que a reeleição de Trump pode ser perigosa para os EUA e garantiu que não votará no republicano – tampouco no democrata Joe Biden

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Segundo ele, Trump vê Bolsonaro como “alguém que enfrentou um tipo de oposição arraigada depois de anos de governos de esquerda no Brasil”, mas que cada país deve buscar seu próprio interesse. O presidente brasileiro já se declarou publicamente fã do americano e afirmou torcer por sua reeleição – um gesto que contraria a tradição diplomática de não se envolver em disputas domésticas. 

“É bom que as relações pessoais entre os líderes sejam positivas. Mas os países buscam seu próprio interesse nacional. É exatamente assim que deve ser. Então, o presidente Bolsonaro, olhando para a eleição em novembro e tendo o interesse do Brasil em mente, precisa garantir linhas de comunicação abertas com os democratas”, afirmou Bolton. A recomendação reflete o que dizem as pesquisas. Trump tem perdido apoio e aparece atrás de Biden em quase todas as sondagens. 

“O desejo de governos brasileiros anteriores de se afastar dos EUA era muito forte. Então, Bolsonaro representou a possibilidade de um novo começo nas relações e vimos que valeria a pena explorar”, afirma. Os interesses comuns, segundo Bolton, eram as ameaças de Nicolás Maduro, na Venezuela, a oposição a uma chapa de esquerda na Argentina e à influência da China na América Latina.

Questionado sobre o avanço chinês na região, Bolton menciona a possibilidade de o Brasil permitir a entrada de empresas da China para operação de tecnologia 5G. Segundo ele, os EUA têm dificuldades para enfrentar a estratégia chinesa de longo prazo, enquanto os americanos se pautam por “relatórios trimestrais”. 

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O livro 'The Room Where It Happened'('A Sala Onde Tudo Aconteceu', em tradução livre), fotografado na Casa Branca Foto: Doug Mills/The New York Times

O Brasil é marginalmente citado nas quase 600 páginas do livro de Bolton. Há 11 menções ao País, sendo a maior parte em referências geográficas, ao descrever o plano de entrega de ajuda humanitária à Venezuela, em fevereiro de 2019. Não há qualquer menção ao chanceler Ernesto Araújo ou ao conteúdo dos dois encontros presenciais entre Trump e Bolsonaro. 

Apesar disso, Bolton, que mostra simpatia por Bolsonaro, afirma que o Brasil esteve envolvido em consultas sobre a Venezuela. “Provavelmente, o Brasil não recebeu a atenção que deveria ter (no livro), mas ninguém deve subestimar a extensão das consultas que realizamos”, disse. 

Bolton defendeu uma “relação militar mais próxima” entre os dois países e afirmou que parte das conversas com o Brasil foi para evitar que Maduro “desse refúgio a terroristas” na fronteira brasileira. “É algo sobre o qual nós e o Brasil já conversamos antes e onde faria muito sentido ter uma cooperação operacional mais próxima.”

No livro, Bolton escreve que Trump acreditava que invadir a Venezuela seria “legal” e estaria disposto a se encontrar com Maduro, mas foi dissuadido por ele e seus assessores. “Muitas das decisões de Trump no campo da segurança nacional foram baseadas na preocupação de não ser prejudicado politicamente. Há apenas três semanas, ele disse que se encontraria com Maduro. Quando as pessoas na Flórida disseram que era uma péssima ideia, ele desistiu”, disse. “Se ele for reeleito – e se ver livre da necessidade agradar seus apoiadores – será difícil prever qual será sua política externa.”

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Ainda sobre a relação com o Brasil, o ex-conselheiro de segurança nacional afirma que a aproximação proposta pelo governo Bolsonaro isso deve transcender governos "seja em Brasília, seja em Washington. "Levará algum tempo para essa relação se desdobrar, mas Bolsonaro deve continuar trabalhando nisso, sendo Trump o presidente ou não. Os que estão preocupados com a Segurança Nacional dos EUA vão querer fortalecer o relacionamento com o Brasil, mesmo depois que Bolsonaro deixar o cargo", disse.

No livro, Bolton descreve Trump como um presidente que desconhece informações básicas de geopolítica, que toma decisões de segurança nacional com interesse puramente eleitoral e que admira líderes autoritários.

A Casa Branca tentou barrar a publicação do livro, enquanto a oposição criticou Bolton por não ter prestado depoimento no processo de impeachment contra Trump.

O ex-conselheiro de segurança nacional, por sua vez, argumenta que os democratas erraram ao se concentrar a investigação apenas sobre a relação de Trump com a Ucrânia, quando toda a política externa do presidente poderia ser alvo das apurações feitas no Congresso.

Antes de servir no governo Trump, ele ocupou cargos nos governos dos republicanos Ronald Reagan, George Bush e George W. Bush, até se tornar embaixador dos EUA na Organização das Nações Unidas. É considerado um representante da ala mais conservadora do partido republicano. "Trump não é um conservador, também não é um progressista. Não é nada filosoficamente", argumenta Bolton.

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