
Donald Trump e Elon Musk querem desestabilizar a Europa. Esta é a opinião de Nathalie Tocci, cientista política e diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália.
O homem mais rico do mundo tem criticado fortemente os governos de diversos países europeus, impulsionando partidos de extrema direita como o Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Reform UK, no Reino Unido. Já o presidente eleito dos Estados Unidos promete uma postura dura em seu segundo mandato, com altas tarifas contra o bloco europeu. Trump também já ameaçou retirar Washington da Otan e disse que quer acabar com a guerra na Ucrânia em seis meses, além de ameaçar a Dinamarca caso a Groenlândia não seja vendida aos EUA.
“É preciso aceitar que Trump e Musk querem prejudicar o projeto europeu”, aponta Tocci, em entrevista ao Estadão. “Então aqueles que acreditam em uma Europa unida devem parar de tentar ganhar a simpatia dessas pessoas”. A analista diz que os europeus estão assustados com o efeito que a dupla pode ter no continente e que uma resposta a altura deve vir de uma União Europeia fortalecida.

“O presidente eleito e Elon Musk apostam que será mais fácil lidar com os países europeus com uma UE enfraquecida, porque sozinhos os países europeus são muito pequenos”, avalia Tocci. A cientista política aponta que a UE também pode prejudicar os Estados Unidos com a imposição de tarifas caso esteja unida. “Esta deveria ser a posição também dos partidos de extrema direita porque enfraquecer a União Europeia não vai ajudá-los”.
Confira trechos da entrevista:
Na sua opinião, qual é o interesse de Elon Musk em se envolver na política europeia da mesma forma que fez nos Estados Unidos?
Acredito que ele tenha motivações econômicas. Claro que é estranho que o homem mais rico do mundo queira ficar ainda mais rico, mas é preciso ter uma mentalidade realmente diferenciada para se tornar o homem mais rico do mundo. Então a próxima pergunta é: por que você quer apoiar partidos de extrema direita para ganhar mais dinheiro na Europa?
A resposta é simples. Os partidos de extrema direita que ele apoia ajudam a desmantelar o projeto de integração europeia e é mais fácil ganhar dinheiro lidando bilateralmente com pequenos países europeus. Todos os países europeus, mesmo os maiores, são realmente pequenos.
Então ele quer desmantelar esse projeto porque é algo que o restringe. Então Elon Musk apoia esses partidos porque isso enfraquece a União Europeia.

Como a Europa pode lidar com isso? O continente está passando por um período de fragilidade, especialmente na Alemanha e na França
Esta é uma pergunta difícil, porque depende de quem estamos falando. Para aqueles que acreditam em uma Europa unida, é preciso aceitar que Donald Trump e Elon Musk querem desestabilizar a Europa. Então, em vez de tentar ganhar a simpatia dessas pessoas e se esforçar para agradá-las, é necessário reconhecer o fato de que elas estão querendo acabar com o projeto europeu.
Mas e aqueles que não acreditam em uma Europa unida? Estas são as pessoas que Elon Musk está indo atrás. Eu avalio que esses partidos de extrema direita que se consideram nacionalistas precisam entender que Donald Trump e Elon Musk não estão aqui para ajudá-los, mas sim para ajudar os Estados Unidos.
Se estes partidos se curvarem a Elon Musk e Donald Trump, não estarão colocando os interesses nacionais como prioridade. Enfraquecer a União Europeia não vai ajudá-los.

Qual é o impacto que Musk pode ter? Na sua opinião, ele pode melhorar os números de partidos de extrema direita como o Alternativa para a Alemanha e o Reform UK?
É difícil dizer, principalmente porque as eleições na Alemanha ainda não foram realizadas. Este será o primeiro teste da influência de Musk na União Europeia. Acredito que os europeus estão um pouco assustados com Musk e com o impacto que ele pode ter.
Existe o receio de que uma resposta dura contra Musk possa prejudicar o relacionamento da UE com o presidente eleito Trump?
Definitivamente. A União Europeia precisa se preparar e assumir que Musk e Trump vão continuar próximos. Muitas pessoas dizem que eles vão romper em algum momento, mas é preciso se preparar para um cenário em que isso não vai acontecer e eles vão conseguir ter uma boa relação durante todo o mandato de Trump.
O que podemos esperar da relação dos EUA sob Trump com a UE? Se Trump começar uma guerra comercial com os europeus, o que pode acontecer depois?
Acredito que depende mais de como os europeus vão responder a isso. Já sabemos o que Trump vai fazer e é bem previsível. Ele vai tentar dividir os países da União Europeia, mesmo sabendo que existe uma autoridade centralizadora da União Europeia, em Bruxelas.
O presidente eleito vai tentar desmantelar isso, propondo vantagens comerciais específicas para países amigos na Europa, como a Hungria e a Itália. Ele pode dizer a Giorgia Meloni que não vai taxar o parmesão italiano. A primeira-ministra deveria responder que a autoridade sobre estas questões está em Bruxelas, mas provavelmente ela não vai falar isso.

Trump deve sim aumentar tarifas e tentar dividir os europeus durante este processo. Se os europeus se mantiverem unidos, a Europa também tem maneiras de machucar os Estados Unidos. É claro que Washington pode machucar mais do que a União Europeia com tarifas, mas o bloco europeu também pode causar danos a eles.
Se Trump conseguir dividir os europeus, então nós estamos em apuros. A União Europeia pode machucar os Estados Unidos, mas a Alemanha sozinha não consegue, ou a Holanda, França. Sozinhos os países são muito pequenos.
Em uma Europa mais de extrema direita e nacionalista, tudo fica mais fácil para Trump.
O republicano disse recentemente que quer comprar a Groenlândia e que poderia usar força militar para obtê-la. Ele também está ameaçando impor tarifas à Dinamarca. Como a UE pode lidar com isso?
Não acredito que tropas americanas irão invadir a Groenlândia. Mas é preciso levar a sério o que Trump está falando. Quando o presidente eleito fala sobre a Groenlândia, Panamá, Canadá ou México, ele está falando de esferas influências.
Trump está dizendo que grandes potências têm esferas de influência e é aceitável usar coerção, incluindo força militar, para criar sua esfera de influência. E essa é uma mensagem que Vladimir Putin e Xi Jinping adoram. Se Trump pode anexar a Groenlândia, então isso quer dizer que Xi pode tomar Taiwan pela força.
Então mesmo que Trump não tome a Groenlândia a força, essas declarações têm grandes consequências.

Se Trump decidir que quer acabar com a ajuda militar a Kiev e elaborar um plano para encerrar guerra, qual seria a posição europeia?
Depende de como isso vai acontecer. Trump agora entende que a guerra não vai acabar em 24 horas. E não vai acabar em 24 horas porque ele tinha uma ideia sobre o tema e está percebendo que estava errado.
O presidente eleito assumiu que a razão de porque a guerra estava acontecendo é que Kiev não estava colaborando e seguia mantendo a posição de que queria recuperar o território perdido para a Rússia pela via militar. Nesta lógica, se os EUA ameaçassem a Ucrânia com o corte da ajuda econômica e militar a guerra acabaria em um dia.
Com base no que Trump disse nos últimos dias, ele entende que Putin não tem interesse em acabar com essa guerra. Washington tem muita influência sobre Kiev para pressionar os ucranianos, mas não tem este mesmo poder sobre Putin. Então se a guerra ainda está acontecendo por causa da Rússia, o conflito não vai acabar em um dia.
Então o que Trump vai fazer? E qual será a posição da União Europeia?
Saiba mais
Acredito que temos três cenários possíveis. O cenário número um é aquele em que Trump de fato consiga uma trégua entre Rússia e Ucrânia, mas não seria um cessar-fogo sustentável, seria um tempo para Putin se rearmar, reagrupar e talvez em dois ou três anos, começar de novo. Neste cenário, Trump poderia pressionar os europeus para atuarem como forças de manutenção da paz.
No segundo cenário, as negociações entre Rússia e Ucrânia começam, mas eles não conseguem entrar em um acordo. Neste caso, o acordo pode não sair porque Putin não quer e com isso Trump pode ficar irritado, aumentando a ajuda econômica e militar para a Ucrânia. É isso que os ucranianos estão esperando.
No terceiro cenário, que é o mais provável, na minha opinião, as negociações começam, mas nenhum acordo é atingido, e Putin convence Trump a se desengajar e perder o interesse no tema. Com isso, os europeus seriam deixados com uma guerra no continente e se tornariam os únicos responsáveis por armar a Ucrânia contra a Rússia.
Em qualquer um dos cenários, os europeus não estão preparados para isso.