Empresa revolta empregados ao defender jornada de trabalho durante furacão Ian

Diretora-executiva de empresa da Flórida minimizou riscos da tempestade e cobrou metas de funcionários

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Por Andrea Salcedo

Enquanto o furacão Ian se aproximava, na segunda-feira, funcionários de uma firma de marketing em Clearwater, Flórida, reuniram-se em uma sala de videoconferência para assistir à CEO de sua empresa em uma tela grande.

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O furacão Ian, então uma tempestade de categoria 1 que, esperava-se, cresceria, era um “pastel de vento” exagerado pelos meios de imprensa, afirmou Joy Gendusa, diretora-executiva da PostcardMania, que falou com os funcionários do banco do passageiro de um carro. Então ela pediu que quem estivesse com medo da tormenta levantasse a mão.

“Não vai ser assim tão ruim”, afirmou Gendusa na videoconferência, cuja gravação foi obtida pelo Washington Post.

“Obviamente é de absoluta importância que vocês se sintam seguros e confortáveis, mas eu honestamente pretendo continuar a entregar e quero ter um bom fim de trimestre”, afirmou Gendusa. “E quando vermos que não era nada demais, não quero que pensemos, ‘Ótimo, paramos de produzir por causa da mídia e (achamos que) talvez a coisa fosse terrível’.”

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Equipe de bombeiros em estrada de Bonitas Springs, na Flórida, após destruição do furacão Ian Foto: Sean Rayford / AFP


Na manhã da segunda-feira, o governador da Flórida, Ron DeSantis (republicano) já havia alertado que no meio da semana o furacão teria “risco significativo de intensificar-se ameaçando vidas, com maré de tempestade, ventos de força de furacão e chuva pesada” entre a costa oeste do Estado e a região do Panhandle. Várias escolas e universidades já haviam fechado as portas preparando-se para a passagem do Ian.

Vários funcionários da PostcardMania, que conversaram com o Post sob condição de anonimato por temer retaliações, afirmaram que a fala de Gendusa os fez sentir-se subvalorizados e explorados.

Sua fala ocorre em um momento em que a pandemia de covid-19 e a síndrome de burnout levam muitos trabalhadores a reavaliar suas condições de trabalho, dando impulso a debates a respeito de Grande Demissão e a demissão silenciosa.

Horas depois, a fala de Gendusa desencadeou uma bateria de comentários nas redes sociais criticando a empresa por insistir que seus funcionários trabalhassem durante a passagem do furacão.

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A empresa anunciou posteriormente que seus escritórios não abririam na quarta e na quinta-feira, acrescentando que também seriam oferecidos dois dias de licença remunerada para quem trabalhasse remotamente ou se voluntariasse para trabalhar em algum abrigo, afirmou ao Post por e-mail a porta-voz da PostcardMania, Jessica Lalau.

Gendusa não retornou imediatamente um pedido de comentário.

Ian chegou ao continente no sudoeste da Flórida na tarde da quarta-feira, como um furacão de Categoria 4, com ventos de até 240 km/h. Foi o quinto furacão mais forte a atingir os Estados Unidos. Seus ventos e alagamentos continuariam à medida que a tempestade rumasse para o interior da Flórida, noticiou o Centro Nacional de Furacões. Na tarde da quarta-feira, mais de 1 milhão de habitantes do sudoeste do Estado estavam sem luz.

Vários funcionários da PostcardMania presentes na reunião da segunda-feira disseram ao Post que a fala de Gendusa lhes passou a impressão de que sua segurança é menos importante do que o lucro da empresa. Mesmo enquanto as autoridades já orientavam pessoas a deixar suas residências, a direção da empresa esperava que os funcionários trabalhassem presencialmente, afirmaram eles.

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“Ela está dentro de seu carro, dirigindo para longe de nós e nos dizendo para continuar trabalhando”, afirmou ao Post um funcionário. “Pareceu errado. Eu tenho de trabalhar enquanto você foge daqui no seu SUV?”

Um outro funcionário acrescentou: “Houve uma grande desconexão entre ela e a equipe. Nem todo mundo vive em um lugar legal ou seguro como ela.”

Depois da reunião da segunda-feira, alguns funcionários foram às suas redes sociais privadas desabafar a respeito da fala de Gendusa. Outros, porém, se sentiram tão ofendidos que expressaram seu descontentamento a outros colegas em suas mesas.

Apenas na terça-feira a empresa enviou uma mensagem dizendo aos funcionários que os escritórios seriam fechados na quarta e na quinta-feira, disseram ao Post os trabalhadores. Mas a diretoria disse aos funcionários que eles deveriam trabalhar 40 horas esta semana. Se a luz acabasse e eles não conseguissem trabalhar quarta ou quinta-feira, eles teriam de compensar as horas perdidas em algum momento antes do fim desta semana, afirmaram alguns funcionários. Em resposta a uma pergunta a respeito da exigência das 40 horas de trabalho, a porta-voz da PosctcardMania compartilhou com a reportagem a mensagem enviada por Gendusa na quarta-feira.

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Na quarta-feira, após a indignação nas redes sociais, a empresa anunciou que daria licença remunerada aos funcionários.

Em um e-mail enviado na quarta-feira pela porta-voz da empresa, Jessica Lalau, e compartilhado com o Post, os funcionários foram informados de que a fala de Gendusa durante a videoconferência era “opinião pessoal” dela, “não algum posicionamento oficial da PostcardMania de nenhuma maneira”.

“Em seguida à fala de Joy, a presidente da PostcardMania, Melissa Bradshaw, assumiu a reunião e reiterou que garantir que todos estejam seguros era nossa prioridade número 1″, afirmou Lalau no e-mail.

Mas alguns funcionários não aceitaram a tentativa de Gendusa de mudar de curso, qualificando sua mensagem como dissimulada.

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“Ela fala sim em nome da empresa”, afirmou ao Post um funcionário. “Ela é a empresa. Ela é a chefe.”

Mesmo antes da empresa concordar em conceder licença remunerada, afirmaram ao Post funcionários, a maioria deles já havia decidido não comparecer ao escritório na quarta e na quinta-feira.

Um funcionário tentou trabalhar de casa na quarta-feira, mas teve problemas com a internet. “Mesmo querendo trabalhar, não consegui”, afirmou ao Post o funcionário. Por agora, a equipe está em casa, esperando para ver o estrago que o Ian causará.

“Nenhuma empresa vale o nosso sacrifício”, afirmou o funcionário. “Eu não daria minha vida (nem o que tenho) por nenhuma empresa.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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