THE WASHINGTON POST - Seu impulso era receber as pessoas em desespero, então Maria Ancipiuk se certificou de que sua cidade fronteiriça estava pronta. Como imigrantes do Oriente Médio começaram a chegar à Polônia no ano passado vindos de Belarus, ela pressionou o prefeito a oferecer dois apartamentos vazios de propriedade da cidade para quem precisasse deles. Voluntários trocaram o papel de parede e reformaram o piso. Ancipiuk comprou uma geladeira e uma televisão.
Cinco meses depois, porém, os apartamentos estão vazios.
Em vez de serem recebidos em casas polonesas, a grande maioria das pessoas que atravessam a fronteira por Belarus está sendo detida ou rechaçada pelas autoridades polonesas.
Essa postura, na verdade ao norte da fronteira da Polônia com a Ucrânia, significa que dois grupos diferentes que buscam a mesma coisa – refúgio – estão chegando para encontrar o que equivale a duas versões diferentes da Europa.
Ao longo de um segmento da fronteira da Polônia, para onde 2,5 milhões de ucranianos fugiram, agentes de fronteira ajudam a carregar mochilas, empurrar cadeiras de rodas, segurar crianças cansadas e escoltar com segurança refugiados que receberam residência automática na União Europeia por até três anos.
Em outro segmento dessa fronteira, a Polônia está tentando impedir o que descreve como imigrantes “ilegais” usando drones, câmeras de infravermelho e helicópteros. Ela enviou 13.000 soldados e guardas de fronteira para patrulhar a fronteira florestal, enquanto isolava a área – sob um decreto de emergência – para jornalistas e grupos de direitos humanos. Está correndo para terminar um muro de aço de 380 milhões de dólares e cerca de 186 Km que o governo diz que será “impenetrável”.
“Não suporto o contraste”, disse Ancipiuk, uma vereadora de 65 anos e avó de seis netos que agora presta ajuda furtivamente a imigrantes que tentam se deslocar pela floresta polonesa à noite. “Os ucranianos são considerados refugiados de guerra e os iemenitas são considerados migrantes. Por quê? Qual é a diferença?”
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A abordagem da Polônia está alinhada com a política mais ampla da União Europeia de dissuadir com força a imigração sem documentação — inclusive de partes do mundo onde há poucas opções legais para chegar a este continente. A União Europeia vem financiando a guarda costeira da Líbia para impedir que os imigrantes cruzem o Mediterrâneo para a Itália.
Na Grécia, as forças de segurança foram acusadas por imigrantes e pela Turquia de repelir possíveis requerentes de asilo de volta às águas turcas. E quando a Polônia prometeu bloquear as pessoas que tentavam cruzar por Belarus – uma crise orquestrada pelo líder autoritário Alexander Lukashenko, que atraiu pessoas para seu país com a promessa de acesso à Europa – líderes da União Europeia disseram que a Polônia estava respondendo justificadamente a um “ataque híbrido”.
Meses depois, porém, a instituição nacional de direitos humanos da Polônia diz que o país não está cumprindo os ideais europeus – e também está violando a lei internacional.
De volta a Belarus
É ilegal que as autoridades de segurança expulsem estrangeiros sem lhes dar a chance de pedir asilo. Grupos humanitários documentaram guardas de fronteira poloneses rastreando pessoas na floresta e levando-as de volta à fronteira de Belarus, uma prática que o parlamento da Polônia efetivamente legalizou. A Polônia patrulha tanto a fronteira que alguns imigrantes dizem terem sido mandados de volta a Belarus diversas vezes. O comissário de direitos humanos do Conselho da Europa disse que uma mulher que retornou a Belarus havia dado à luz apenas algumas horas antes.
A Polônia recebeu muitos elogios por sua disposição em aceitar tantos refugiados após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas a guerra também deixa a Polônia em uma posição de quem envia pessoas de volta para um país que está servindo como plataforma para mísseis lançados na Ucrânia.
“A Polônia não deveria mandar ninguém de volta”, disse Hanna Machinska, vice-comissária polonesa para direitos humanos. “Belarus não é um país seguro. Não há dúvidas sobre isso.”
Belarus tem um dos governos mais repressivos do mundo e sua abordagem aos imigrantes também é dura: embora tenha convidado milhares de pessoas, parece não ter interesse em recebê-las; centenas passaram o inverno em um armazém e, quando a instalação foi recentemente fechada, os imigrantes foram levados para a fronteira polonesa e receberam instruções para sair de lá.
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Para aqueles que vêm de Belarus e têm a sorte de não serem mandados de volta, a próxima parada geralmente é um centro de detenção fechado, incluindo um onde as pessoas são mantidas em quartos com 24 camas. A Polônia permite que apenas um pequeno subconjunto se mude para instalações alternativas – como as casas que Ancipiuk preparou em Michalowo. Desde janeiro, quando o fluxo geral de Belarus começou a diminuir, o número dos poucos sortudos foi zero.
Em meados de março, Ancipiuk recebeu um telefonema de uma autoridade regional, notificando-a sobre incentivos de financiamento para cidades que receberiam ucranianos.
Ela perguntou se havia incentivos semelhantes para hospedar pessoas que vieram por Belarus.
“Houve um pouco de consternação na linha”, disse Ancipiuk.
Ela nunca obteve uma resposta, mas tomou o silêncio como um não. Sua cidade também está oferecendo agora os dois apartamentos para refugiados da Ucrânia.
Na sede da agência de fronteira da Polônia em Varsóvia, a tenente Anna Michalska disse que seu país está respondendo como deveria: defendendo a ordem e suas próprias leis. Lukashenko precipitou a emergência em um lugar onde quem cruza a fronteira sem documentos já foi “praticamente zero”, ela disse, e argumentou que as pessoas que aceitaram a oferta de ir para Belarus tinham tempo e luxo para planejar sua jornada. Elas tiraram vistos de turista. Ao contrário dos ucranianos, ela disse, elas não estão procurando “o primeiro lugar seguro”.
O que eles tendem a querer acima de tudo, ela disse, é uma vida na Alemanha. Ela negou a acusação amplamente documentada de que a Polônia está mandando de volta as pessoas que solicitam asilo. A maioria das pessoas não quer solicitar proteção, ela disse, sabendo que tal solicitação desencadeia uma estadia obrigatória no país. Ela disse que não há problema legal em devolver as pessoas a Belarus.
“Não tenho informações de que haja guerra em Belarus”, ela disse. “Não somos um serviço de táxi de Belarus para Berlim.”
‘Tudo conforme o planejado’
E assim a Polônia está construindo seu muro. A agência de fronteira concedeu a dois jornalistas do The Washington Post acesso à zona restrita, proporcionando-lhes um ponto de encontro a oito quilômetros de Belarus, onde uma van da guarda de fronteira estava esperando. Na zona de exclusão, a polícia trabalhava em postos de controle e a estrada que atravessava vilarejos e pequenas fazendas estava praticamente vazia, exceto por veículos militares. Os guardas de fronteira descreveram uma tensão diária: imigrantes que atiram pedras nas autoridades de segurança, contrabandistas que fazem rotas de e para a Alemanha, ativistas que se comunicam com os imigrantes e os “incentivam” a atravessar.
Então a van parou no muro.
Está parcialmente concluído, composto por tábuas de 18 pés de altura de vigas de aço verticais, com pequenos espaços entre elas. Os espaços dão visibilidade ao outro lado e, de longe, o muro tem o aspecto de uma faixa prateada translúcida que percorre o horizonte, cobrindo um território onde este ano houve mais de 3.500 tentativas de travessia.
“Tudo está indo conforme o planejado”, disse Katarzyna Zdanowicz, porta-voz da guarda de fronteira que estava no trajeto. Ela disse que o muro seria concluído em junho.
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Ela disse que a guarda de fronteira nos últimos meses melhorou “muito” em sua eficiência de deter as pessoas. Enquanto aguarda a conclusão do muro, a agência estendeu arame farpado na fronteira, abriu novas estradas e comprou botijões de gás lacrimogêneo.
Como parte do trajeto, Zdanowicz caminhou até um Toyota SUV pintado de verde, estacionado em um campo, onde dois agentes patrulhavam a fronteira com câmeras de alta resolução.
“Estamos tentando mostrar que esse não é o caminho a seguir”, ela disse.
Em vilarejos próximos à fronteira, alguns moradores – simpatizantes da situação dos imigrantes – passaram a acender luzes verdes em suas casas, um sinal de que têm um lugar seguro para ficar para alguém em fuga. Michalska, a oficial de fronteira em Varsóvia, disse que é permitido fornecer moradia para alguém vindo de Belarus – com a condição de que o anfitrião alerte imediatamente os guardas de fronteira.
“Caso contrário”, ela disse, “você está oferecendo ajuda para uma estadia ilegal na Polônia.”
Ativistas e autoridades de direitos humanos dizem que a Polônia está tratando os imigrantes que passam por Belarus como universalmente indignos de proteção na Europa, quando nem sempre é o caso. Alguns vêm de países, como Camarões, cujos cidadãos raramente ganham asilo na Europa. Mas outros vêm de países como o Iêmen, devastado pela guerra, ou a Síria, onde cidades foram dizimadas por ataques aéreos russos.
Para Ibrahim Al Maghribi, 27, um sírio, ver a resposta da Polônia à Ucrânia fez com que se sentisse ainda mais confuso com as desigualdades.
Depois de ser deslocado de sua casa para fora de Damasco, tudo o que ele queria era segurança e uma “vida decente”, disse em uma entrevista realizada pelo WhatsApp, porque disse que poderia ser mais articulado com o inglês escrito.
Para conseguir essa vida, ele reservou um pacote turístico para Belarus, onde foi conduzido por militares bielorrussos para um local ao longo da fronteira polonesa que eles disseram ser fácil de atravessar. Depois de caminhar quilômetros durante a noite na floresta polonesa, ele foi preso por guardas de fronteira poloneses, que lhe disseram “esta não é sua terra”. Ele foi devolvido a Belarus, que também lhe negou a reentrada, deixando-o preso brevemente entre duas fronteiras, antes de tentar entrar novamente na Polônia. Desta vez, ele e alguns amigos chegaram com sucesso ao carro de um contrabandista e acabaram na Alemanha - uma viagem que lhe custou US$ 5.000, pagos a guias turísticos e motoristas, além de várias noites de exaustão e insônia.
“É uma sensação horrível sentir que você veio de outro planeta”, disse Al Maghribi, que agora está solicitando asilo e morando em um complexo habitacional público em Rieden, na Alemanha. As mesmas autoridades polonesas que acolhem os ucranianos não nos “oferecem um copo de água”, ele disse.
Uma consequência da abordagem da Polônia é que a imigração ao longo da fronteira bielorrussa ficou quase esquecida. A Polônia negou um pedido para visitar os centros fechados que abrigam requerentes de asilo.
Ativistas dizem que tiveram que se tornar mais cautelosos depois que a Polônia prendeu no mês passado quatro voluntários sob a acusação de organizar a imigração ilegal.
Até o número de mortes de imigrantes na Polônia é contestado; o governo diz que nove morreram desde meados do ano passado, enquanto ativistas colocam o número em mais de duas dúzias. Entre as incógnitas está o que acontece com os imigrantes que são mandados de volta e não retornam – incluindo duas famílias curdas, ambas com bebês, que foram repelidas várias vezes depois de atravessar para a Polônia e recentemente ficaram sem comunicação com os ativistas.
“Não podemos alcançá-los”, disse Monika Matus, ativista que trabalha com um dos principais grupos ativistas de fronteira. “Esta é a razão pela qual estou tendo dificuldade para dormir à noite.”
Mesmo no auge da crise, em novembro passado, o volume de pessoas atravessando era de cerca de 700 por dia – em comparação com dezenas de milhares de ucranianos. Agora, o número de pessoas que chegam de Belarus caiu ainda mais; alguns dias, até 130 tentam atravessar, de acordo com dados do governo polonês. Outros dias, são apenas algumas dezenas.
A diminuição decorre em parte da pressão sobre as companhias aéreas internacionais e grupos de turismo para descontinuar o fluxo de imigrantes para Belarus. Alguns daqueles que cruzam agora entram em Belarus não diretamente, mas pela Rússia. Ativistas que costumavam ficar sobrecarregados com chamadas SOS no meio da noite agora passam alguns dias sem um único alerta.
Para a Polônia, é um sinal de que suas táticas estão funcionando.
Para os ativistas, é um sinal de que a resposta da Polônia foi desproporcional.
“Estamos gastando muito dinheiro para criar uma fortaleza”, disse Tomasz Thun-Janowski, voluntário do grupo de ajuda humanitária Fundacja Ocalenie, “quando ajudá-los custaria uma fração”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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