Episódio do teatro reflete situação de direitos na Rússia

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Por Agencia Estado
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Em primeiro lugar, aliviadas, as capitais ocidentais começaram a felicitar Vladimir Putin, depois do desfecho da tomada de reféns em Moscou. Mas, à medida que passavam as horas e iam chegando as imagens de reféns intoxicados pelo gás e moribundos, as chancelarias foram "mordendo a língua". A Casa Branca se absteve de fazer comentários. Na Europa, os chefes de governo ficaram meio embaraçados. Com exceção de José María Aznar, da Espanha, que manifestou sua compreensão. Quer isto dizer que o ignóbil espetáculo de Moscou poderá enfraquecer a posição de Putin? Conheço pessoalmente os russos, os moscovitas. O ódio que eles nutrem, desde o tempo dos czares, desde Catarina II, contra o povo da Chechênia e contra os caucasianos em geral - "esses vagabundos, malfeitores, assassinos" - é tão negro que a maior parte deles fecha os olhos ante estas "façanhas" do Exército russo. E no exterior? O "grande desígnio" de Putin corre o risco de sofrer com isso? Lembremos que este "grande desígnio" não é de ontem, nem mesmo desde o ataque contra as torres gêmeas de Nova York, em setembro de 2001. Na verdade, desde que chegou ao poder, Putin tinha um projeto, que quase constitui uma obsessão: concluir uma aliança estratégica entre a Rússia e o Ocidente e sobretudo com os Estados Unidos. No início de 2001, Bush e Putin se encontraram em Lubliana e prometeram realizar algo "realmente histórico". E o que seria essa coisa "verdadeiramente histórica"? Soubemos um pouco mais a respeito disso em maio passado, por ocasião de um encontro de cúpula russo-norte-americano em Moscou. Durante essa reunião de cúpula, os líderes dos dois países, outrora inimigos mortais, afirmaram que "atualmente compartilham os mesmos valores". E isso foi traduzido, com ardor e talento, pelo dirigente liberal de direita, Gregory Iavlinski: "Nós temos atualmente a mesma tábua de multiplicação". E hoje, depois do teatro de Moscou, onde está essa tábua de multiplicação comum? Putin aproveita imediatamente a ocasião. Recoloca em ação seu grande projeto: cortar o mundo em dois. De um lado, os Estados ocidentais, do outro, os que Bush chamou ainda há pouco de "Estados fora da lei", Estados terroristas. Esta visão corresponde mais ou menos à que expressou George W. Bush há um ano, na emoção da barbárie de Nova York. Bush viu o planeta dividido em dois: de um lado, o "bem" , do outro, "o mal". E ele reinventou, com alguns séculos de atraso, a temática da "Cruzada". Sem dúvida, nos dias que se seguiram, Bush atenuou um pouco as suas idéias. Mas elas encontraram desde então dois aliados de peso: por um lado, Bin Laden e seus amigos, "os islâmicos radicais" que pregam também a "guerra santa" islâmica, contra os cristãos, os ocidentais; e de outro lado, Putin, que também se alia às tropas dos cruzados ocidentais. Desta forma, a própria Rússia parece estar sob a bandeira dos povos livres, dos povos que respeitam os "direitos humanos". O problema é que a Rússia de Putin está bem longe de respeitar, no interior do país, esses "direitos humanos" no combate contra o terrorismo, que ela reivindica como uma causa legítima. Todos puderam observar que o ataque ao Teatro de Moscou obedeceu muito escrupulosamente aos métodos da União Soviética estalinista: acima de tudo, restabelecer a ordem, mesmo à custa do sacrifício dos reféns. Emprego da força sem limites. Culto do segredo, a tal ponto que nem os médicos de Moscou conhecem a natureza do gás utilizado, etc. O episódio do teatro se situa na linha direta adotada por Putin e que estamos acostumados a perceber há dois anos; um "autocrata" que dirige seu país a seu critério, no qual a própria Justiça está sob o controle do Kremlin. E assim, o Exército da liberdade e da democracia contém em seu seio um soldado poderoso que não é nem democrata nem respeita as liberdades ou os direitos humanos. Para dizer a verdade, isso não é nenhuma novidade: o Ocidente, e sobretudo os Estados Unidos. Nem sempre são muito delicados em relação ao "humanismo" de seus aliados (Arábia Saudita, etc.). A Rússia de Putin nos oferece um espetáculo muito estranho: a diplomacia de duas caras. No exterior, Moscou está apaixonadamente do lado da ordem, do respeito aos direitos humanos, da liberdade, etc. Mas, no seio da Rússia, os antigos valores da Rússia czarista, e sobretudo de Stálin, conservam direito de cidadania: arbitrariedade, violência, culto do mistério, centralização, estrangulamento das liberdades individuais.

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