Equador vai às urnas assombrado pelos fantasmas de Rafael Correa e da violência urbana

O maior desafio dos equatorianos é impedir um retorno à instabilidade política que marcou o país no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, quando sete presidentes lideraram o país num período de dez anos

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Foto do author Luiz Raatz

Os equatorianos vão às urnas neste domingo, 9, para eleger o novo presidente após o tumultuado mandato presidencial que começou com Guillermo Lasso e termina com Daniel Noboa. A eleição definirá quem presidirá o país pelos próximos quatro anos, mas pode ir para o segundo turno dependendo dos porcentuais finais.

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O maior desafio dos equatorianos é impedir um retorno à instabilidade política que marcou o país no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, quando sete presidentes lideraram o país num período de dez anos.

Em pauta, estão três crises simultâneas. A mais grave delas, na segurança pública, persiste, apesar das medidas de exceção adotadas por Noboa, que tenta a reeleição. O presidente ainda enfrenta uma crise no setor energético, provocada pela seca que atinge o país, e não tem conseguido gerar empregos e um crescimento econômico razoável.

Um soldado monta guarda do lado de fora do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em Quito, em 7 de fevereiro Foto: Rodrigo Buendia/AFP

O drama equatoriano começou ainda no fim da presidência de Rafael Correa (2007-2017). Eleito na sequência da instabilidade política provocada pela crise bancária de 1999, que levou ao congelamento das contas da população e à dolarização da economia, Correa, um economista de esquerda, se aproximou do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, na chamada Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

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Uma vez no poder, ele adotou parte das teorias do “socialismo do século 21″ defendidas por Chávez, destinando os recursos com a exploração de commodities, principalmente minérios e petróleo - que na época estavam num ciclo de alta -, em programas sociais.

Ao contrário de Chávez, no entanto, Correa investiu parte desses recursos na modernização da infraestrutura equatoriana. Pontes, hidrelétricas, viadutos e até aeroportos foram construídos no país, muitos deles com participação de empreiteiras brasileiras.

Por um lado, isso criou condições para uma melhora da economia. O PIB cresceu a taxas expressivas na maior parte do governo de Correa, muitas vezes superiores a 4% ao ano. A formalização do emprego - um problema crônico no Equador - dobrou, e a taxa de desemprego geral foi mantida abaixo dos 10%, com uma política de valorização do salário mínimo.

Com a desvalorização brusca do petróleo a partir de 2014, o país passou a ter problemas fiscais, já que a receita do Estado caiu abruptamente, e os gastos públicos seguiram aumentando. Correa ainda conseguiu fazer o sucessor, o seu ex-vice-presidente Lenín Moreno, num cenário já de contração, em 2017.

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Uma vez no poder, Moreno rompeu com o padrinho político e estimulou a investigação de denúncias de corrupção envolvendo as obras de infraestrutura. Ele afastou procuradores e juízes leais ao ex-presidente e apontou novos juristas independentes.

No campo econômico, Moreno fechou um acordo com o FMI para diminuir a dívida pública e cortas gastos públicos. A ruptura provocou o colapso do partido Alianza País, que se dividiu entre morenistas e correístas. Os escândalos de corrupção abalaram a imagem de Correa, que havia se mudado para a Bélgica, enquanto a Justiça o investigava por suborno.

Moreno também reverteu diversas medidas populistas aprovadas por Correa, entre elas a que permitia a reeleição indefinida por meio de um referendo.

Um soldado monta guarda durante um comício da campanha do presidente Daniel Noboa, que está tentando a reeleição, em Quito, Equador, em 6 de fevereiro Foto: Dolores Ochoa/AP

Mas então, no final de 2019, em um mercado em Wuhan na China, uma misteriosa pneumonia viral começava a se espalhar.

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O impacto da covid-19 no Equador foi brutal. As cenas dos mortos jogados na calçada em Guayaquil correram o mundo. O colapso do sistema de saúde e o despreparo das autoridades tornaram o país um dos mais atingidos pela pandemia. No total, mais de 1 milhão de pessoas foi contaminada e mais de 70 mil morreram.

Em 2021, os equatorianos elegeram pela primeira vez em décadas um candidato da direita conservadora. O banqueiro Guillermo Lasso foi eleito com uma pauta focada em dinamizar a economia e impulsionar a vacinação contra a covid.

Enquanto a pandemia e a queda em desgraça de Correa mobilizavam o país, um outro fenômeno obscuro transformava de vez o país. Com a desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) após o acordo de paz na Colômbia em 2016, o escoamento da produção de cocaína nos Andes, antes centralizado na narcoguerrilha, passou por mudanças estruturais.

Grupos menores passaram a vender e mover a droga para cartéis mexicanos por meio do território equatoriano, muito próximo às áreas de plantação e processamento da folha de coca na Colômbia. Foi nesse momento em que o porto de Guayaquil começou a se transformar na ‘autopista do pó' na América do Sul, criando uma nova rota entre os produtores e os cartéis mexicanos responsáveis por levar a droga aos EUA.

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Com isso, gangues criminosas passaram a ganhar mais poder dentro do Equador. O país outrora pacífico, com uma taxa de homicídios de 6,6 pessoas por 100 mil pessoas passou a viver uma guerra urbana. Em 2021, essa taxa tinha dobrado e chegou em 2023, no auge da crise, a 46 mortes por 100 mil habitantes - um aumento de quase 800%. Massacres em presídios, homicídios e disputa por territórios se tornaram comuns.

A crise de violência contribuiu para o enfraquecimento do governo Lasso, que recorreu a estados de emergência para combater os narcotraficantes. Ele mandou militares para combater os cartéis e militarizou províncias, mas a crise só crescia. Sem maioria no Congresso, teve dificuldade para aprovar sua agenda liberal e de reforma política.

A candidata presidencial do Equador pelo Movimento Revolução Cidadã (Movimiento Revolución Ciudadana), Luisa González, em 6 de fevereiro Foto: Marvin Recinos/AFP

No meio do mandato, em 2023, (e também no auge da crise de violência), e ameaçado de impeachment, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições. Mais uma vez a sombra da instabilidade política ameaçava o país.

As eleições foram caóticas. Grupos criminosos mataram o candidato Fernando Villavicencio durante um comício. Daniel Noboa, herdeiro do império da banana de Guayaquil, e de uma família que já teve dois ocupantes da presidência, disputou a eleição como outsider e foi eleito, derrotando a correísta Luiza Gonzalez.

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No mandato, o presidente de 37 anos adotou uma tática similar a de outro millenial latino-americano, o salvadorenho Nayib Bukele, e ordenou uma tolerância zero contra o crime, em meio a temores de abusos de direitos humanos. Os indicadores de violência melhoraram, mas a crise está longe de acabar. No ano passado, a taxa de homicídios ficou em 38.

A disputa desse ano será uma revanche de 2023. Noboa e González são os principais candidatos. As pesquisas variam muito no Equador, mas a maioria coloca Noboa em primeiro e a deputada em segundo, numa margem que pode selar a disputa já no domingo.

Além da violência, os equatorianos estão profundamente insatisfeitos com a crise energética provocada pela seca no país, que dificultou a geração de energia por hidrelétricas. A economia também é um ponto de preocupação, segundo analistas, sobretudo entre os jovens, que estão bastante alienados do processo.

Apesar disso, Noboa está em primeiro lugar nas pesquisas e tem chance até mesmo de ser eleito em primeiro turno. Segundo o instituto Ipsos, Noboa tem 45% e González, 31%. Como no Equador é possível vencer no primeiro turno com mais de 40% dos votos, desde que a diferença para o segundo seja maior que dez pontos, o atual presidente é favorito.

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Isso se deve a dois fatores. O primeiro deles é o anticorreísmo ferrenho de grande parte da população equatoriana. O ex-presidente ainda conta com uma base de apoio relevante. Apesar disso, não tem tido força política para reconquistar o terço do eleitorado que o abandonou sem aderir totalmente ao anticorreísmo.

O segundo é que Noboa tem conta com um voto de confiança da população por ter enfrentado as gangues, ainda que com pouco tempo de mandato. A proposta de mão pesada contra o crime é popular, e a queda da violência foi sentida pela população, ainda que esteja em patamares altos.