O Partido Comunista aprendeu lições com o massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989, e ampliou a liberdade pessoal dos chineses, que hoje exercem escolhas inimagináveis há 20 anos. A avaliação é da escritora Lijia Zhang, de 45 anos, autora de Socialism is Great! ("O socialismo é ótimo!", em tradução livre), um irreverente livro de memórias que narra os dez anos em que ela trabalhou como operária em uma fábrica na cidade de Nanquim. Como a maioria dos trabalhadores urbanos dos anos 80, Lijia pertencia a uma danwei - a unidade de trabalho comunista -, na qual todos os aspectos da vida pessoal eram controlados. Ela considera improvável o surgimento de manifestações semelhantes hoje, pois os jovens estão satisfeitos com o progresso econômico e trocaram a paixão política dos anos 80 pelo consumo. Você liderou uma passeata em apoio aos protestos de 1989. Quanto a China mudou desde então? Muito. As pessoas pensam que 1989 foi apenas Tiananmen. O movimento foi iniciado pelos estudantes de Pequim, mas se tornou nacional em razão do grande descontentamento social que existia. Antes a China era pobre, mas igualitariamente pobre. Com as reformas, as pessoas que enriqueceram primeiro foram as que tinham conexões, como líderes do partido e seus filhos. Existe um menor grau de controle hoje, mas algumas coisas continuam a ser tabu e 1989 é uma delas. Mas o fato de o governo não falar sobre o assunto não significa que não tenha aprendido a lição. Muitos artigos previam a queda do governo, mas o governo chinês mostrou que tem uma enorme resistência. De maneira lenta e gradual, eles começaram a dar mais liberdade aos cidadãos, e as pessoas passaram a ter mais oportunidades de ganhar dinheiro. O governo canalizou a energia das pessoas para ganhar dinheiro. Eles falam "não pense em democracia, apenas toque a sua vida e ganhe dinheiro". O governo também passou a cortejar acadêmicos e profissionais liberais. Há uma política de generosidade seletiva. Isso significa que não haverá outra Tiananmen? Sim, não há razão para virar o barco. Mas há outro motivo pelo qual outro 1989 é improvável: o governo reprime os dissidentes. Muitos imaginam a China como um poder controlado de maneira centralizada. Não é assim. Eu sei que o governo não gosta de mim e provavelmente alguém já escreveu um dossiê sobre mim. O New York Times publicou uma crítica do meu livro e, quando comprei o jornal, a página onde ela estava havia sido cortada. Depois vi que todos os exemplares foram cortados pelos censores. Um outra crítica que sairia em uma revista também foi vetada, não por seu conteúdo, mas porque falava de mim. Fui descrita como "pessoa de caráter dúbio e posições políticas complicadas". Mas se eu não pertenço a nenhuma organização, não me declaro dissidente e escrevo em inglês, parece que está tudo bem. A decisão de escrever em inglês foi deliberada? Sim. Hoje há um crescente medo no mundo em relação à rápida emergência da China e é claro que a China dá motivos para isso. Mas alguns desses medos são motivados pela ignorância. Por isso, quero dar minha contribuição. Acredito que quando as pessoas entendem a China e olham seus habitantes, sentem menos medo. Quais as diferenças entre sua vida em uma ?danwei? e sua vida hoje? São dois mundos completamente diferentes. Os chineses hoje possuem um grau de liberdade muito maior. Naquela época, nossa vida era extremamente controlada. Havia uma longa lista do que era proibido, incluindo batom e salto alto. Pequim está tendo sucesso em adotar o modelo econômico ocidental sem mudar seu sistema político? Quando o desenvolvimento econômico é baixo, não tenho certeza sobre o papel que a democracia pode desempenhar. A questão agora é se a China pode manter seu rápido ritmo de crescimento econômico sem reformas. A China terá de ter mais democracia e direitos civis e liberdade. Por que escrever um livro? O mercado está cheio de memórias sobre a China, mas não há muitas que se passam nos anos 80. E esse período é fascinante. É quando a China começou a mudar, com as reformas de Deng Xiaoping. As mulheres começaram a usar roupas coloridas, as pessoas lutavam para se livrar das restrições políticas e havia uma enorme dose de paixão e idealismo. Os jovens de hoje se tornaram consumistas e autocentrados e têm pouco interesse em política. Falávamos de política todo o tempo e discutíamos questões como ?qual o futuro da democracia na China??. Claro que hoje há limites e o governo não quer que as pessoas se interessem por política. Os anos 80 são o período em que a China se tornou o que é hoje. Quem é: Lijia Zhang Escritora chinesa, autora do livro ?Socialism is Great!? Organizou uma passeata em apoio aos protestos de 1989 Por 10 anos, foi operária em uma fábrica militar