O premiê israelense Binyamin Netanyahu foi recepcionado na terça-feira, 4, por Donald Trump na Casa Branca, o primeiro líder estrangeiro recebido no atual mandato do presidente dos EUA. Pela terceira semana seguida, a coluna precisa comentar declarações ou ações de Trump, dada sua repercussão. Agora, declarações que pregam pela expulsão dos palestinos do território da Faixa de Gaza e basicamente defendem um processo de limpeza étnica.
O presidente dos EUA falou abertamente que todos os palestinos deveriam sair de Gaza “permanentemente” e que os EUA podem “assumir” o território, algo que não foi discutido com nenhum outro país, aparentemente. As reações de Netanyahu chegam a indicar certa surpresa ao ouvir isso, mas não se deve duvidar da possibilidade de ser jogo de cena de um político astuto e veterano como Netanyahu. Sim, astuto. Netanyahu, por mais detestável que alguém ache que o acusado pelo TPI é, domina a política israelense desde a década de 1990. Uma pessoa intelectualmente limitada ou ingênua não conseguiria isso.
Netanyahu sabe que tais declarações de Trump ao seu lado renderão frutos domésticos com setores da política israelense, especialmente com a extrema-direita religiosa, descontente com o cessar-fogo imposto por Trump. Ao defender seu plano de “limpar a coisa toda” e construir resorts em Gaza, Trump afirmou, mais de uma vez, que Jordânia e Egito deveriam receber os palestinos do território, uma população que gira em torno de um milhão e meio a dois milhões de pessoas. É impossível saber quantas pessoas estão em Gaza hoje, com o enorme volume de bombardeios, de mortes diretas e indiretas e de pessoas que fugiram do território.

Lideranças políticas israelenses como Itamar Ben-Gvir e Daniella Weiss já defenderam abertamente esse plano de expulsão, que não é algo original da cabeça de Trump. Em primeiro lugar, é necessário deixar explícito que isso possui nome, limpeza étnica. Não que hoje o tal Direito Internacional tenha muita credibilidade. Essa proposta também é baseada numa perspectiva orientalista e racista de que árabes seriam todos iguais. É como se não existissem diferenças regionais e Estados nacionais soberanos e distintos, muitas vezes rivais.
Mesmo que se queira ignorar tais questões, uma visão realista do cenário político internacional mostra que tal plano seria um fracasso. Tanto a ditadura militar egípcia quanto a monarquia jordaniana não querem e não podem arcar com esse mais de milhão de pessoas. Ambos os regimes possuem na Irmandade Muçulmana um inimigo interno. Desse grupo surgiu o Hamas. Receber um grande fluxo de palestinos de Gaza fortaleceria a Irmandade Muçulmana, que poderia acusar esses governos de colaborarem com Israel ou de serem coniventes com uma limpeza étnica.

Ambos os países também vivem em profunda crise econômica. A combinação de pandemia, invasão da Ucrânia e conflito minaram a economia egípcia, dependente do turismo, da importação de alimentos e do trânsito no canal de Suez. A indústria do turismo, por exemplo, era responsável por 11% do PIB egípcio e por 14% das divisas fortes em números pré-pandemia. O país já corre sérios riscos de intensas convulsões sociais. A Jordânia mal possui água, um dos países mais secos do mundo, e as lembranças do Setembro Negro de 1970 ainda ecoam.
Receber os palestinos expulsos poderia significar a implosão dos únicos vizinhos fronteiriços árabes que já fizeram a paz com Israel, ambas as situações mediadas pelos EUA. Os novos regimes, provavelmente ligados à Irmandade Muçulmana, certamente seriam muito mais hostis ao Estado de Israel. Restou aos sauditas, o único país árabe com recursos políticos e econômicos para intervir nos eventuais planos de Trump, soltar uma nota enfática. Eram quatro horas da madrugada em Riade quando da nota, diga-se. Dentre os vários termos da nota, os sauditas deixam claro que, sem um Estado palestino ou com a expulsão dos palestinos, não haverá normalização de relações com Israel, o grande sonho dos EUA.
Não é prudente achar que as declarações de Trump são bravatas. Ele nomeou uma série de pessoas, incluindo seu secretário de Defesa, que acreditam ser uma “missão divina” apoiar Israel, que enxergam “profecias em movimento”. Além da ótica legal sobre uma limpeza étnica, da perspectiva realista de equilíbrio de poder e da geopolítica, as relações com Israel são uma das mais ideológicas no mundo hoje. Resta desejar que o realismo se imponha. Forçar o deslocamento de mais de um milhão de palestinos potencialmente cria um sismo para abalar toda a região e destruir o pouco que ainda resta da paz entre Israel e seus vizinhos.