WASHINGTON - As Forças Armadas curdas que dominam o nordeste da Síria fizeram um acordo com o exército sírio e a Rússia neste domingo, 13, para contra-atacar a Turquia e retomar as áreas invadidas, em meio ao conflito na fronteira entre Síria e Turquia.
Analistas afirmam que a iminente entrada em cena das forças armadas sírias, com apoio dos russos, pode aumentar ainda mais a instabilidade na região e provocar a escalada do conflito.
"Para prevenir e enfrentar a agressão turca e impedir que prossiga, chegamos a um acordo com o governo sírio para que o exército se instale ao longo da fronteira sírio-turca e ajude as Forças Democráticas Sírias", disse a administração curda em um comunicado.
O acordo foi anunciado após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter determinado a retirada de mil soldados americanos que ainda estão no norte da Síria, abrindo caminho para a expansão da ofensiva da Turquia contra os curdos, aliados dos EUA na região.
Os mais de mil soldados americanos na Síria estão posicionados na parte nordeste do país, e a decisão fará com que essas tropas sejam enviadas para o sul. Oficiais militares disseram ao The New York Times que os planos são uma incógnita, e que não está claro até onde as tropas vão recuar. Mas, em qualquer caso, as implicações eram claras: as forças americanas não vão ajudar os curdos diante da ofensiva apoiada pela Turquia.
Neste domingo, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Mark Esper, defendeu a decisão de Trump. À rede de televisão CBS, Esper afirmou que o conflito entre as forças da Turquia e os curdos da Síria se tornou “insustentável” para os militares americanos.
“Os EUA não têm forças para impedir uma invasão da Turquia com 15.000 soldados”, disse. “Nós provavelmente temos forças americanas presas entre dois exércitos adversários em avanço e é uma situação muito insustentável”, disse Esper.
O exército turco começou a invasão ao norte da Síria – onde há maioria curda – na última quarta-feira, depois que os Estados Unidos, aliados dos curdos na guerra contra o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) anunciaram a retirada de suas tropas da região diante da iminência da operação. Os curdos, que comandam as Forças da Síria Democrática (FSD), consideraram a medida uma “traição”.
A incursão turca alcança praticamente todos os 480 quilômetros de extensão da fronteira controlados pelos curdos, especialmente nas cidades de Ras al Ain e Tell Abiad, onde ocorrem constantes bombardeios aéreos e de artilharia.
A Turquia quer tirar dos curdos o controle de 480 quilômetros de comprimento e 30 quilômetros de largura do que chamou de “zona de segurança” para tirar de lá as FSD e seu principal integrante, as Unidades de Proteção do Povo (YPG).
O YPG é uma milícia curda apoiada pelos EUA na Síria, e o braço armado do PYD (Partido de União Democrática), um partido curdo fundado em 2003 para ser o braço na Síria do PKK, um grupo separatista curdo na Turquia, responsável por dezenas de atentados terroristas no território turco ao longo de décadas.
Por isso o governo turco repudia o apoio de Washington ao grupo. Na visão turca, PKK e YPG/PYD são a mesma coisa. A Turquia considera os curdos do YPG na Síria terroristas. Já os Estados Unidos os viam como aliados para combater o EI.
Durante a luta contra o Estado Islâmico, que começou em 2014, as forças curdas provaram ser os parceiros mais capazes dos Estados Unidos na região. As forças curdas foram fundamentais para quebrar o controle do território do EI na Síria, destruindo efetivamente seu califado autoproclamado.
Apesar da alegação de Trump de que o EI foi derrotado, os combatentes continuam sendo uma força insurgente eficaz na Síria e no Iraque. Se a incursão turca na Síria romper o poder da força curda, algumas autoridades militares acreditam que o Estado Islâmico poderia mais uma vez encontrar refúgios sem lei para se reconstruir.
O ex-secretário de defesa Jim Mattis, que renunciou no ano passado depois que Trump ordenou uma grande retirada das tropas americanas da Síria, disse em uma entrevista neste domingo que é possível que o Estado Islâmico se reagrupe.
“Podemos declarar que a guerra acabou e podemos nos vangloriar de ter vencido”, disse Mattis. “Você pode até retirar suas tropas, como fez o presidente Obama no Iraque. Mas o inimigo reúne as forças neste vácuo. Se não mantivermos a pressão, o EI ressurgirá. É absolutamente certo que eles voltarão.”
O anúncio da ampliação da retirada deixou irritados os curdos. “Os EUA nos decepcionaram abandonando suas posições e abrindo a porta para a Turquia atacar e massacrar nosso povo”, disse ao NYT Badran Jia Kurd, um alto funcionário curdo na cidade de Qamishli.
Ele se recusou a confirmar ou negar a alegação de Esper de que os curdos estão prestes a fechar um acordo com a Rússia e Damasco para confrontar a Turquia, mas disse que as negociações começaram. “A retirada dos EUA nos obrigou a procurar opções alternativas que pudessem parar esses massacres.”
Comboio
Neste domingo, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos afirmou que ao menos nove pessoas, entre elas cinco civis, teriam morrido em um bombardeio aéreo da Turquia contra um comboio. O grupo era composto por opositores da ofensiva turca no norte da Síria e era acompanhado por jornalistas.
A ONG, que monitora a violência na Síria, afirmou que o comboio era protegido por homens armados e teria sido atingido quando alcançou Ras al-Ain. A cidade fica na fronteira do país e foi conquistada por forças aliadas à Turquia na manhã. O ataque foi um dos mais violentos desde o início da incursão. / NYT, AFP e AP
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