Era quase meio-dia e Nick Ut achava que o trabalho estava no fim. Ele já havia fotografado gente morrendo de tudo que é jeito e decidiu voltar para a estrada onde estavam os outros fotógrafos. No caminho, escutou um barulho de avião. Era um A-1 Skyraider, que mergulhou carregado de napalm sobre a aldeia de Trang Bang.
Não havia ninguém no lugar. Ou pelo menos era o que todo mundo acreditava. Por isso, a surpresa quando crianças começaram a aparecer correndo, fugindo da fumaça e do fogo. Uma senhora surgiu com um bebê de 1 ano no colo, pedindo que ajudassem o seu neto.
Imediatamente, formou-se um comitê de fotojornalistas para registrar o drama. Ut assistiu à morte do garoto na lente de sua Leica. Antes de recolher a câmera, notou no canto do visor a chegada de uma menina nua com os braços abertos. Correu na direção da garotinha e liquidou seu oitavo rolo de filme.
Era 8 de junho de 1972. Algumas horas depois, sua foto seria o ícone da Guerra do Vietnã. Depois de revelar os negativos e de fazer cópias 5×7 polegadas da imagem, a foto de Ut quase morreu nas mãos de Carl Robinson, um dos editores da Associated Press. “Lamento, mas acho que não poderemos usá-la”, disse Robinson, citando o código de ética da empresa.
A razão: o nu frontal da criança. Mas, antes que a imagem fosse arquivada, seu chefe Horst Faas e o repórter Peter Arnett chegaram do almoço.
- Quem fez esta foto?, gritou Faas
- Foi o Nick, respondeu um editor.
- O que ela ainda está fazendo aqui?, perguntou Faas. Transmitam já para Nova York.
No dia seguinte, a imagem da garotinha nua, ardendo em napalm, estampou os jornais do mundo inteiro. Os protestos pacifistas se intensificaram: Londres, Paris, Tóquio, Washington. Talvez não tenha mudado de fato os rumos da guerra. Afinal, desde 1968, a maioria dos americanos já estava insatisfeita com o conflito.
Em novembro de 1971, o presidente Richard Nixon anunciou o fim das operações terrestres no Vietnã do Sul. No momento da foto, sete meses depois, quase todas as unidades de combate dos EUA já haviam deixado a região. Mas a imagem é tão forte que até hoje muitos veteranos agradecem a Nick Ut por terem saído daquele inferno mais cedo.
Se não alterou o curso da guerra, a foto mudou a vida de Ut. Ele tinha 21 anos. Aos 22, ganhou o Prêmio Pulitzer. Naquela manhã, após registrar a última imagem, viu as costas descamadas da garota - o napalm adere à pele, queima os músculos e funde os ossos - e chorou. Correu na direção da menina, pegou-a nos braços e levou-a até o carro da Associated Press. Duvidou que ela chegasse viva ao hospital de Cu Chi.
Durante o trajeto, Kim Phuc Phan Thi, de 9 anos, balbuciava: “Estou morrendo. Estou morrendo”. Segundo Ut, o hospital era uma pocilga, com corpos espalhados, gente ferida e moribunda por todos os lados. Na entrada, pediu que um médico cuidasse da criança. “Não podemos fazer nada”, foi a resposta.
Irritado, ele tirou do bolso o crachá da Associated Press, fez ameaças que não podia cumprir, até que a levassem dali. Dias depois, Christopher Wain, correspondente da TV britânica ITN, buscou informações sobre Kim no hospital. “Perguntei como ela estava e a enfermeira foi seca: ‘Deve morrer amanhã ou depois de amanhã’”.
Mas Kim sobreviveu. Foi transferida para Saigon, passou um ano internada e voltou para Trang Bang. Virou estudante de medicina e recebeu autorização para completar o curso em Cuba, onde começou a namorar um colega vietnamita.
Achou que a família nunca permitiria o casamento, porque ele era do Vietnã do Norte. Finalmente, obteve permissão para passar a lua de mel em Moscou e, na volta, durante escala no Canadá, pediu asilo - e recebeu. Hoje, vive perto de Toronto com a família, o marido e dois filhos. Nick Ut mora em Los Angeles e ainda trabalha para a Associated Press. Até hoje, o caminho dos dois se cruza de vez em quando.
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