O rompimento entre o partido Perú Libre e o presidente Pedro Castillo, eleito pela legenda, é o mais novo fator de instabilidade na conturbada vida política peruana. Após o anúncio do presidente do partido, Vladimir Cerrón, de que não vai reconhecer o novo gabinete escolhido por Castillo, inicia-se um período de disputas nos campos retórico e de composição no Parlamento.
É isso que aponta o cientista político Eduardo Dargent, professor da PUC Peru. “Abre-se um novo tempo, no qual [o governo] vai ter que aprender a lutar contra a ‘direita dura’ e contra seus próprios grupos de esquerda, que vão confrontar o novo gabinete - que, por sua vez, dependerá muito de uma coalizão fraca, composta por grupos centristas, que estão mais próximos da direita do que do governo propriamente”, explicou.
O gabinete presidencial de Castillo continua à esquerda no campo político, segundo Dargent, mas composto por figuras mais moderadas. "Se Mirtha Vasquéz tivesse sido a primeira premiê de Castillo, ninguém teria questionado se o gabinete é esquerda ou não. O que acontece é que frente a Guido Bellido, que é um radical e uma pessoa que exerceu o cargo com muita incompetência, ela é vista como mais moderada”, disse.
Além da insatisfação pela saída do ex-primeiro-ministro, fiel aliado de Cerrón, a ruptura do partido com o presidente peruano também revela o interesse do mandatário da legenda de se posicionar como “a verdadeira esquerda”, atribuindo ao grupo de Castillo a pecha de “traidores”, segundo Dargent.
Mas a movimentação também guarda seus riscos para o partido.
“Creio que o cálculo de Cerron é se posicionar politicamente como a figura à esquerda, pensando nas eleições do próximo ano, ou, talvez, caso o governo caia, em uma eleição presidencial antecipada. Mas me parece que ele não se dá conta de que perde muito [com a saída de Castillo], porque o partido havia conquistadopopularidade com Castillo”, explicou.
Além disso, o professor alerta que um alinhamento do Perú Libre com o fujimorismo na votação sobre o novo gabinete pode enfraquecer eleitoralmente a sigla.
Enquanto isso, para o novo gabinete, as dificuldades começam na aprovação no Congresso - possivelmente tendo que superar o incomum alinhamento entre extrema direita e extrema esquerda, com uma aliança com muitos pontos de divergência.
Posteriormente, será necessário acompanhar o comportamento dos Parlamentares no dia a dia do Congresso, e se formarão uma base sólida para o governo. Neste aspecto, o comportamento dos congressistas do Perú Libre - 37, ao todo - podem ter um papel central.
Dargent acredita que a maioria, algo por volta de 2/3 dos congressistas permaneçam com Cerrón, e 1/3 com Castillo - apesar de, ressalta, ser cedo para uma contagem precisa. Mesmo com um pouco mais de apoio, o governo não deve ser fácil.
“Vai ser necessariamente uma Presidência que não pode cometer muitos erros, e ante a inexperiência no gabinete e à ausência de compreensão democrática do próprio presidente - na forma que atuava, na má-escolha que fez de seus ministros - é de se pensar que o futuro vai ser turbulento, para dizer o mínimo”.