Costumamos imaginar que as grandes pragas têm como efeito igualar os homens diante da dor, da angústia e da morte. O rico e o pobre se submetem aos mesmos exames, aos mesmos tratamentos. O coronavírus teria, portanto, encontrado um método simples, mas um pouco brutal de resolver a questão social que se coloca para os homens há 3 mil anos, que resiste aos remédios mais diversos: liberalismo, teocracia, comunismo. Sejam indivíduos do norte ou do sul, da floresta ou do deserto, todos são submetidos ao mesmo inimigo, destinados aos mesmos cuidados, aos mesmos delírios, a sofrimentos semelhantes.
Mas o vírus não é da mesma opinião. Parece que ele aplica a suas diferentes vítimas tratamentos adaptados para cada uma delas, “sob medida”, e segundo regras misteriosas. A Europa, sobre a qual a onda se abateu há algumas semanas, sugere isso. O primeiro país vitimado, a Itália, levou inicialmente a coisa sem se preocupar muito, e depois trancafiou todo mundo. E a doença seguiu com o seu programa. A Espanha está pasma. Já chegou aos primeiros lugares, talvez ao primeiro entre as nações martirizadas pelo coronavírus.
Há três dias, o país soube de uma notícia espantosa: alguns soldados que desinfetavam casas de repouso forçaram uma porta e descobriram algo espantoso. Ali, jogados como ao acaso sobre leitos, jaziam pessoas idosas, abandonadas e mortas. Outros soldados procuraram em vão o pessoal de outra casa de repouso. Não encontraram ninguém. Trata-se de uma falha humana, não de um ataque de loucura do vírus.
E estas falhas não são raras na Espanha, explicáveis por um despreparo chocante diante de um acontecimento excepcional. A Espanha não tinha nenhum equipamento. Ela improvisou desordenadamente dispositivos com o que tinha à mão. Foram montados 500 leitos de campanha, com toda a velocidade, em um enorme edifício, no norte de Madri, reservado para exposições.
Mais preocupante ainda: na semana passada, uma pista de patinação de gelo foi transformada em necrotério, pois os crematórios estavam lotados. Como sempre, os grandes pintores viram antecipadamente estas cenas bárbaras. Como não evocar as telas de Goya sobre a guerra que Napoleão travava contra a Espanha? Menos sensível do que Goya, o diretor do centro de emergências comentou o triste espetáculo com fleuma. “Estamos em uma semana difícil.” Esperemos então a próxima semana. Será mais fácil então?
Madri, aflita, quis recuperar o atraso. O período de confinamento decretado é feroz. Pior do que o da França. Raros carros são autorizados a circular. Multas gigantescas recaem sobre as cabeças ocas, mas as pessoas continuam morrendo. Os funerais são suspensos por causa das aglomerações. O que resultou disso tudo?
O contraste é total com a Alemanha. Os próprios alemães estão incrédulos. Parece que a doença se esqueceu deles. Até ontem, haviam sido 206 mortes no país. Na França, 1.331. Na Espanha, 3.445, na Itália, 7.503. A Alemanha parece preparada. Faz testes em massa, é disciplinada e tem um grande número de leitos disponíveis, equipamentos aperfeiçoados, caríssimos e eficientes.
Por outro lado, é bem verdade que o vírus afeta pessoas mais ou menos resistentes aqui como lá e os exames chegam às mesmas conclusões: é o grau de preparo de uma população e de um país que explica as disparidades entre vizinhos. O coronavírus parece indiferente a essas nuances sociológicas, históricas, religiosas, culturais ou fisiológicas na Europa. Ele atinge todos os lugares da mesma maneira. “Deus reconhecerá os seus.” E o diabo também.
*É CORRESPONDENTE EM PARIS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.