Governo Trump nega ter violado ordem de juiz na deportação de venezuelanos para El Salvador

Secretária de imprensa da Casa Branca afirmou que tribunais federais ‘não têm jurisdição’ sobre conduta do presidente Donald Trump em questões estrangeiras

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Por Devlin Barrett (The New York Times), Annie Correal (The New York Times) e William K. Rashbaum (The New York Times)
Atualização:

O governo de Donald Trump negou neste domingo, 17, ter violado uma ordem judicial ao deportar centenas de imigrantes venezuelanos para uma prisão em El Salvador no fim de semana. Segundo a Casa Branca, o presidente tem poder para expulsar os migrantes de forma rápida, sob uma lei do século 18 de uso em tempos de guerra.

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A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse em uma declaração que os tribunais federais “não têm jurisdição” sobre a conduta do presidente em relações exteriores e seu poder de expulsar “inimigos estrangeiros”.

“Um único juiz em uma única cidade não pode dirigir os movimentos de um porta-aviões cheio de terroristas estrangeiros que foram fisicamente expulsos do solo dos EUA”, disse a secretária. Não ficou claro por que ela se referiu a um porta-aviões. Todos os indícios eram de que os venezuelanos tinham sido levados de avião para El Salvador.

Imagem divulgada pelo governo de El Salvador neste domingo, 16, mostra chegada de venezuelanos deportados dos EUA em prisão de segurança máxima do país. Venezuelanos são acusados pelo governo americano de serem membros de uma facção criminosa, mas não passaram por processo legal para deportação Foto: Governo de El Salvador/via AFP

Embora autoridades da Casa Branca tenham comemorado o que consideram uma vitória sem precedentes nos esforços de deportações em massa, o comentário da Casa Branca também reconhece tacitamente que as batalhas judiciais sobre a legalidade podem estar apenas começando.

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Os venezuelanos foram deportados após Trump assinar um decreto no dia 14 invocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798. Todos foram acusados pelo governo de serem membros da facção criminosa Tren de Aragua, mas não passaram pelos processos legais comuns em casos de imigração. A lei de 1798 permite deportações sumárias de pessoas de países em guerra com os Estados Unidos.

No dia 15, o juiz James Boasberg do Tribunal Distrital Federal em Washington emitiu uma ordem de restrição temporária para impedir o governo de deportar quaisquer imigrantes sob a lei. Ele também ordenou que quaisquer voos que tivessem partido com imigrantes venezuelanos sob o decreto de Trump retornassem aos EUA “independentemente de como isso fosse feito — seja dando a volta no avião ou não”.

As autoridades não disseram quando os voos de deportação pousaram em El Salvador, mas a Casa Branca insistiu no domingo que os migrantes “já haviam sido removidos do território dos EUA” no momento da ordem do juiz. Ela não disse se os aviões poderiam ter, como o juiz ordenou, dado meia-volta e retornado ao país.

Ao retornar para Washington na noite de domingo após um fim de semana na Flórida, Trump defendeu as ações do governo, mas evitou uma pergunta sobre se as instruções do juiz haviam sido seguidas. “Você teria que falar com os advogados sobre isso”, disse ao ser questionado sobre o tema, de acordo com o canal CNN.

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O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, postou um vídeo de três minutos nas redes sociais de homens algemados sendo levados para fora de um avião durante a noite e levados para a prisão. O vídeo também mostra agentes da prisão raspando as cabeças dos prisioneiros.

Lei de Inimigos Estrangeiros e violação da decisão

O governo Trump espera que o acordo de transferência de prisioneiros — não uma troca, mas um acordo para El Salvador aceitar suspeitos de serem membros de gangues — seja o início de um esforço maior para usar a Lei de Inimigos Estrangeiros.

A lei, mais conhecida por seu papel na internação de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, foi invocada três vezes na história dos EUA — durante a Guerra de 1812 e em ambas as Guerras Mundiais — de acordo com o Brennan Center for Justice, uma organização de leis e políticas dos EUA. Autoridades americanas familiarizadas com o acordo disseram que os Estados Unidos pagariam a El Salvador cerca de US$ 6 milhões para abrigar os prisioneiros.

Durante a audiência no sábado, Boasberg disse que estava ordenando ao governo que cancelasse os voos, dadas as “informações, não refutadas pelo governo, de que os voos estavam partindo ativamente”.

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Um advogado que representa o governo, Drew Ensign, disse ao juiz que não tinha muitos detalhes para compartilhar e que descrever detalhes operacionais levantaria “questões de segurança nacional”.

O horário dos voos para El Salvador é importante porque o juiz emitiu sua ordem pouco antes das 19h em Washington, mas o vídeo postado de El Salvador mostra os deportados desembarcando do avião à noite. O país está dois fusos horários atrás de Washington, o que levanta questões sobre se o governo Trump ignorou uma ordem judicial explícita.

A ordem do juiz para reverter os voos veio depois de uma outra decisão, no sábado, em que ele determinou a proibição de deportar cinco venezuelanos, que eram o foco inicial do processo judicial.

Em resposta, o governo disse que os Departamentos de Estado e de Segurança Interna foram “prontamente notificados” da ordem escrita do juiz quando ela foi publicada no processo eletrônico às 19h26 de sábado e os cinco venezuelanos não foram deportados.

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Entretanto, o governo disse que “alguns membros de gangues sujeitos à remoção” pelo decreto do presidente “já haviam sido removidos” do território dos EUA antes que o juiz emitisse a segunda decisão, mais ampla.

Críticas da Venezuela

No domingo, o governo venezuelano denunciou a transferência, dizendo que violava as leis dos EUA e internacionais e que a tentativa de aplicar a Lei de Inimigos Estrangeiros “constitui um crime contra a humanidade”.

A declaração comparou a transferência com “os episódios mais sombrios da história humana”, incluindo a escravidão e os campos de concentração nazistas. Em particular, a Venezuela denunciou o que chamou de ameaça de sequestro de menores de 14 anos e disse que eles são “considerados criminosos simplesmente por serem venezuelanos”.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, se tornou um obstáculo ao plano de deportação do governo Trump porque há anos não aceita regularmente voos de deportação. Nas últimas semanas, Maduro tem ido e voltado sobre se o governo aceitaria tais voos com venezuelanos dos Estados Unidos.

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Como resultado, o governo Trump buscou destinos alternativos, incluindo a base naval da Baía de Guantánamo, em Cuba, para onde enviou alguns migrantes. A outra alternativa foi El Salvador, que se apresentou como opção de forma incomum.