Greve na Venezuela e guerra no Golfo são o pior cenário

O economista Ramón Espinasa, consultor do BID, diz que "o país que sairá perdendo mais com uma guerra entre os Estados Unidos e o Iraque será a Venezuela".

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Por Agencia Estado
Atualização:

A prolongamento da paralisação da indústria petrolífera na Venezuela, combinada com a guerra no Golfo Pérsico, é o pior cenário possível para a recuperação da economia norte-americana e, consequentemente, para a economia mundial. A opinião é do economista Ramón Espinasa, consultor do Departamento de Integração e Programas Regionais do Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID) e ex-economista-chefe da Petróleos de Venezuela (PDVSA) durante 20 anos. Espinasa disse à Agência Estado, por telefone, de Washington, "o país que sairá perdendo mais com a guerra entre os Estados Unidos e o Iraque será a Venezuela". De acordo com ele, o país do presidente Hugo Chávez, que até antes de sua crise política e institucional enviava aos Estados Unidos metade dos pouco mais de 3 milhões de barris de petróleo exportados pelo país, é, na atualidade, a maior perdedora com a paralisação de sua maior fonte de riqueza e será mais ainda com uma eventual guerra no Golfo. O consultor do BID explicou que o eventual conflito entre os Estados Unidos e o Iraque gerará problemas sérios para os EUA, mas, ao mesmo tempo, abrirá oportunidades para alguns países latino-americanos, entre eles o Brasil. "O mais beneficiado seria a Venezuela, mas, por razões óbvias isso não vai ocorrer", afirmou o economista. Com a paralisação da PDVSA, a segunda maior estatal do setor de petróleo do mundo, a Venezuela está produzindo menos de 300 mil barris por dia e não está exportando quase nada. "Com isso, as perdas nas cinco semanas de greve somam entre US$ 2 bilhões e US$ 2,5 bilhões", informou Espinasa, também responsável pela Iniciativa de Hidrocarburetos do Hemisfério Ocidental, programa do BID e da Corporação Andina de Fomento (CAF). "O principal ativo que a PDVSA perdeu é a sua credibilidade." Para o economista, se o presidente Chávez não conseguir resolver o impasse entre a oposição que quer derrubá-lo do poder e o governo, dificilmente a Venezuela conseguirá recuperar a sua capacidade de produção de mais de 3 milhões de barris por dia. ?Se a indústria petrolífera conseguir voltar à normalidade, a capacidade de produção de petróleo do país deverá demorar entre seis e oito semanas?, afirmou o consultor do BID. Normalização deve demorar A Stratfor, empresa norte-americana de análises estratégicas, colocou em dúvida em um de seus últimos informes as afirmações, tanto do governo venezuelano como as dos grevistas da PDVSA, sobre a possibilidade de normalização da produção de petróleo da Venezuela em 45 ou 60 dias. A Stratfor afirma que a greve provocará danos de longa duração na capacidade de produção, credibilidade e solvência financeira da companhia e de suas subsidiárias internacionais. "Provavelmente, a companhia demorará anos para recuperar a sua condição exportadora rentável, eficiente e confiável?, diz um recente informe da Stratfor. Por causa da paralisação da estatal, a Venezuela está importando gasolina do Brasil, Trinidad e Tobago, EUA, Rússia e de outros países. Ainda de acordo com o informe da empresa norte-americana, as perdas por causa das exportações de petróleo não cumpridas passam US$ 1,8 bilhão (cerca de US$ 50 milhões por dia) e podem passar de US$ 3 bilhões se a greve se estender até fevereiro. Pior, essa cifra pode mais do que dobrar se a Venezuela decidir usar as suas reservas de investimentos de US$ 2,5 bilhões que se encontram depositadas no fundo de estabilização macroeconômica. O relatório da Stratfor alerta sobre os efeitos da falta de petróleo nas refinarias da PDVSA no exterior, principalmente nos EUA, entre elas a Lyondell-Citgo, em Houston, que estaria operando com menos da metade de sua capacidade, de 275 mil barris diários. A Stratfor afirma também que, quanto mais prolongada a greve, mais cara e lenta será a recuperação da produção de petróleo e da credibilidade da PDVSA como "fornecedor confiável". Diante desse quadro quase nefasto para a maior geradora de recursos do país, o presidente Hugo Chávez decidiu dividir a PDVSA em duas companhias para, de acordo com ele, ?simplificar sua estrutura, descentralizar a indústria petrolífera e eliminar a burocracia?. Esta divisão geográfica e operacional permitiria, ainda de acordo com o presidente venezuelano, acabar com a greve que já dura 37 dias e deixou o país sem recursos para pagar o funcionalismo público. A PDVSA é hoje responsável por 50% da arrecadação fiscal e por 80% das divisas que entram no país. O papel da Arábia Saudita Da Alasca à Terra do Fogo, o continente americano é totalmente deficitário em petróleo. E os EUA são mais deficitários do que o restante dos países. Dos 20 milhões de barris de petróleo que consomem por dia, 11 milhões de barris, ou 60%, é importado. Pior: quase metade desse volume (5 milhões de barris por dia) é proveniente de fora do continente, principalmente da região do Golfo Pérsico. "Por isso, a Arábia Saudita joga um papel importante e quase único no contexto mundial", disse à Agência Estado o economista Ramón Espinasa. Para ele, se o mercado internacional ficar mais crítico por uma eventual guerra no Golfo, somada à continuidade da crise na Venezuela, apenas a Arábia Saudita tem capacidade para elevar a sua produção em alguns meses. "Olhando por essa perspectiva, os EUA podem ser beneficiados com o aumento da produção de petróleo por parte da Opep, já que o preço do barril poderia ser controlado. Mas, por outro lado, tornaria os EUA ainda mais dependentes de uma região de alto risco?, explicou Espinsa. Atualmente, 15% das importações norte-americanas de petróleo são provenientes da Venezuela; 12%, do México; 15%, do Canadá; e 14%, da Arábia Saudita. Há cerca de três anos, o poderoso grupo do vice-presidente Dick Cheney recomendou o governo Bush que manter boas relações políticas e econômicas com esses países deveria ser o objetivo central de Washington, já que o petróleo do mundo era questão de segurança nacional para o país. A prolongada crise venezuelana e o estado de alerta de guerra no Golfo Pérsico fizeram subir o barril de petróleo acima de US$ 30 o barril, quase 30% a mais do que em meados de novembro. Nos últimos dois dias, com a possibilidade de aumento de produção da Opep, o barril mostrou apenas um ligeiro recuo para US$ 29,56. Mas, mesmo que alguns países da Opep decidam aumentar a sua produção para suprir a forte queda das exportações venezuelanas de cru, que caiu para menos de 300 mil barris por dia, segundo os grevistas da Petróleos de Venezuela (PDVSA), os efeitos econômicos nos EUA poderão ser vistos em preços mais altos, não só na gasolina, mas em setores que vão da aviação até a construção civil. Analistas afirmam que depender ainda mais da Opep na atual conjuntura de conflito com o Iraque é voltar a avaliar o impacto de uma eventual guerra e da importância dessa região para a segurança dos EUA, que consomem cerca de 20 milhões de barris por dia. As reservas norte-americanas, de acordo com o Departamento de Energia, caíram para 278,3 milhões de barris, o menor volume em 26 anos. Por isso, as refinarias podem ser obrigadas a reduzir a sua produção de gasolina e de combustível para aquecimento se a greve na Venezuela fizer cair as reservas norte-americanas em mais 8 milhões de barris. A possibilidade de que isso venha a ocorrer é questão de poucos dias se o conflito na Venezuela permanecer. Isso terá um impacto imediato nos preços de produtos refinados, que já subiram 8% em apenas duas semanas. O Departamento de Energia considera que, atualmente, os EUA estão muito perto do que chamam de ?menor nível operacional?. Essa situação só poderá ser evitada se o consumo for reduzido, quase impossível no inverno que enfrenta hoje o país.

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