Guantánamo abriga 53 deportados venezuelanos sem contato com as famílias e vigiados por militares

Governo americano afirma que detidos praticaram crimes nos EUA; familiares e advogados contestam prisão

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

WASHINGTON - Ao menos 53 imigrantes venezuelanos enviados pelo governo de Donald Trump para a base militar dos EUA na Baía de Guantánamo, em Cuba, estão sob guarda de tropas militares em vez de agentes civis de imigração, de acordo com pessoas próximas à operação.

Os detidos também estão sem contato com a família, já que o governo americano não divulgou seus nomes. Pelo menos dois deles foram identificados por parentes por meio de fotos divulgadas do primeiro voo a Guantánamo.

Ao serem impedidos de saber se seus parentes estão entre os presos, os familiares têm menos chance de contestar as prisões.

Imagem de 17 de abril de 2019 mostra celas do Camp 6, em Guantánamo. Local abrigou membros suspeitos da Al-Qaeda e hoje abriga migrantes indocumentados que estavam nos EUA Foto: Doug Mills/NYT

PUBLICIDADE

Oficialmente, os Departamentos de Segurança Interna e de Defesa não responderam às perguntas do The New York Times sobre a situação dos migrantes em Guantánamo.

Apesar disso, o NYT obteve os nomes das 53 pessoas, todas homens, mantidas no Camp 6, um pavilhão na base de Guantánamo onde até pouco tempo os americanos mantinham suspeitos da Al-Qaeda.

Segundo a porta-voz da segurança interna do governo, Tricia McLaughlin, cerca de 100 pessoas foram enviadas para Guantánamo e todas tinham ordem de deportação. O grupo seria composto, segundo ela, por pessoas que cometeram “crime ao entrar ilegalmente nos EUA”. Também estariam membros de organizações criminosas entre eles, acrescentou McLaughlin.

Nem todos os migrantes detidos pelo ICE entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Alguns, por exemplo, solicitaram asilo na fronteira, mas acabaram sendo rejeitados. O governo não ofereceu evidências de que todos os homens levados para Guantánamo tinham atravessado a fronteira de forma ilegal.

O governo tem levado periodicamente para Guantánamo migrantes capturados no mar, onde são processados. Entretanto, é a primeira vez que são enviados para uma prisão americana no exterior pessoas que já estavam detidas em solo americano — e, portanto, têm direitos constitucionais, mesmo que estivessem no país ilegalmente.

Publicidade

Condições de Guantánamo

Oito pessoas descreveram a operação de custódia dos migrantes em Guantánamo. Todas falaram sob condição de anonimato, por envolver assuntos sensíveis em zona militar.

De acordo com uma delas, o Camp 6, onde estão os presos, está em mau estado, com chuveiros e portas quebradas e outros equipamentos com defeito. Apenas dois oficiais do ICE estão dentro dessa zona, acrescentou a fonte.

O governo americano informou aos membros do Congresso que apenas seis agentes do ICE estão trabalhando na operação de detenção de migrantes, de acordo com diversas pessoas familiarizadas com os comunicados.

Imagem do dia 8 mostra agente da imigração ao lado de migrante custodiado durante uma operação de repatriação em Fort Bliss, no Texas. Um grupo de migrantes venezuelanos foi enviado para Guantánamo Foto: Adaris Cole/AFP

O Congresso foi informado de que o prédio da prisão tem 176 celas, mas capacidade para apenas 144 homens. Não ficou claro se isso significava que 144 celas estão em condições de funcionamento ou se isso era uma referência à consideração de manter dois homens em cada uma das 72 celas, usando catres.

Publicidade

Duas pessoas com conhecimento das operações da prisão disseram que os detidos estão sendo alimentados com rações militares pré-embaladas.

Critérios

Atualmente, a ordem é transferir para Guantánamo os venezuelanos detidos sob o ICE, de acordo com membros do Congresso. A deportação destes tem sido difícil nos últimos anos por causa da ruptura das relações diplomáticas entre EUA e Venezuela, embora esta semana a Venezuela tenha enviado dois voos de repatriação.

Até terça-feira, o ICE havia enviado um total de 98 homens para Guantánamo, de acordo com várias pessoas que monitoram voos de El Paso para a base, localizada no sudeste de Cuba. Destes, 53 estavam sendo mantidos no Camp 6.

O presidente Trump chamou esses migrantes de “estrangeiros criminosos” e autoridades do governo associaram-os ao Tren de Aragua, uma organização criminosa da Venezuela. De acordo com fontes, no entanto, não é possível alegar que todos os presos são membros da facção. O NYT não pôde verificar as alegações de forma independente.

Publicidade

Dos 98, os outros 45 estavam mantidos em um pavilhão com grau de segurança menos elevado. Eles estão custodiados pela Guarda Costeira, que faz parte do Departamento de Segurança Interna.

Os militares do Comando Sul dos EUA têm enviado funcionários e apoio para a base de Guantánamo desde que Trump ordenou no dia 29 de janeiro que militares se preparem para expandir o centro de operações para migrantes na base.

Direito à defesa

Desde que foram presos, os migrantes não tiveram acesso a advogados para terem representação legal para se defender contra a ordem de prisão. Na quarta-feira, um grupo de advogados processou o governo para garantir o direito à defesa dos presos. Parentes de três detidos na base fizeram parte da ação e alegaram que perderam o contato com o familiar.

A Suprema Corte dos EUA decidiu que o governo tem autoridade legal para manter suspeitos da Al-Qaeda em prisão preventiva por tempo indeterminado na base de Guantánamo, por causa de uma lei aprovada pelo Congresso que autoriza o uso de força militar contra os autores dos ataques de 11 de setembro.

Publicidade

Entretanto, não está claro se o governo americano tem legalidade para manter migrantes presos na base. “Quando detidos dentro dos Estados Unidos, os imigrantes detidos têm o direito de acessar um advogado”, afirma um pedido de ordem judicial que acompanha o processo dos advogados. “O governo não pode eviscerar esses direitos simplesmente criando um buraco negro legal em uma ilha em Cuba”.