Os atentados terroristas contra os Estados Unidos na semana passada foram fruto de um planejamento minucioso, uma obra de gênio, mas que, ao mesmo tempo, podem representar um erro de cálculo enorme, semelhante ao de Pearl Harbor. Como será a resposta dos EUA? A história sugere cinco hipóteses: - Impaciência com métodos e canais tradicionais de diplomacia, - Objetivos claros, mesmo que limitados, no uso de força, - Um apelo popular em cima de fortes símbolos, tanto da pátria quanto do inimigo, - O emprego de força maciça, - Unidade política. ?Perdicaris vivo ou Raisuli morto? O então presidente norte-americano Theodore Roosevelt não teve paciência com a tradicional diplomacia européia quando, em 1904, enfrentou o seqüestro de um poderoso comerciante, Ion Perdicaris, por um grupo de dissidentes marroquinos liderados pelo carismático Ahmed ibn-Muhammed, o Raisuli do Rif. O embaixador francês em Washington, Jean Jusserand, aconselhou paciência. Roosevelt, cortês mas firme, recusou. Jusserand entendeu que Roosevelt estava pronto para agir de qualquer jeito e, praticamente, a qualquer hora. ?O presidente estava de alto astral. O presidente está sempre de alto astral,? Jusserand disse. Em vez de negociar, Roosevelt mandou para Tânger uma frota de sete navios cheios de marines. Ele combinou o objetivo norte-americano e um forte apelo popular num telegrama de uma única linha em resposta às exigências do Raisuli: ?O que este governo quer é Perdicaris vivo ou Raisuli morto.? O uso da frota e dos marines sem o aval do Congresso era polêmico na época. Os críticos receberam o troco quando um consultor do presidente, Philander Knox, disse: ?Por que macular a beleza dos atos com a mancha da legalidade?? No desfecho, o governo marroquino, depois de entendimentos com o Raisuli, incluindo pagamentos em ouro, entregou o comerciante norte-americano ao consulado do seu país em Tânger. Perdicaris agradeceu, tendo a gentileza de chamar o Raisuli de ?um grande gentleman? e lembrando conversas eruditas e agradáveis no cativeiro. ?Lembre-se do Maine? Todas as guerra norte-americanas, com uma única exceção, tiveram algum símbolo específico e popular. Na guerra contra a Espanha, em 1898, o governo do presidente William McKinley focalizou as paixões do povo na vingança de um ato de terror, a explosão e afundamento de um navio de guerra, o Maine. (Historiadores modernos acham mais provável que a explosão tenha se originado num boiler defeituoso. C?est la guerre.) Na Guerra Civil, o presidente Lincoln teve o cuidado de evitar o uso de força até que os rebeldes abriram fogo contra uma instalação federal (o Forte Sumpter na Carolina do Sul). Depois, em 1862, a guerra virou uma cruzada quando Lincoln prometeu libertar todos os escravos de territórios sulistas conquistados pelo imenso Exército do Potomac. Objetivos claros têm uma dupla importância: podem tanto concentrar as energias da nação quanto influenciar o comportamento do inimigo. Na Guerra de Coréia, os Estados Unidos erraram ao mudar o discurso no meio da campanha. Em famosos e infelizes comentários, o comandante norte-americano, general Douglas MacArthur, tentou alterar o objetivo de uma ação limitada contra a agressão da Coréia do Norte para uma guerra santa contra o comunismo em geral. A postura provocou uma sangrenta intervenção chinesa, criando o impasse que dura até hoje. O então presidente George Bush (1989-93) aprendeu a lição. Na Guerra do Golfo de 1990 ele limitou o objetivo à retirada das tropas iraquianas do Kuwait. Os soldados do Iraque acreditaram no discurso norte-americano. Tendo só a defesa do território conquistado como missão, e não a da própria pátria, as tropas de Saddam Hussein correram para casa praticamente desde os primeiros bombardeios. ?A energia é mais eficiente do que a eficiência? Mas, o elemento mais importante em qualquer guerra norte-americana é a doutrina de força maciça, cujo maior defensor hoje é o secretário do Estado Colin Powell, ex-chefe do estado maior na Guerra do Golfo. O ditador soviético Josef Stalin fez um famoso brinde na conferência de Yalta em 1945. ?À produção americana,? ele brindou. ?Sem a qual, nós não estaríamos aqui hoje.? Franklin D. Roosevelt soube talvez melhor do que qualquer outro presidente norte-americano concentrar não só as paixões mas também as energias do povo. O ataque japonês contra Pearl Harbor desencadeou um processo de conversão industrial para fins militares sem precedentes. Para isso, Roosevelt conseguiu unir democratas e republicanos, diplomatas e militares, barões de indústria e líderes sindicais, numa demonstração de unidade nacional. Segundo o seu assessor mais próximo, Harry Hopkins, ?FDR convidou o leão e o carneiro a dormirem juntos e eles o fizeram.? No início da guerra, Roosevelt desafiou o povo com metas de produção não apenas ambiciosas mas, na visão dos próprios planejadores, fora de alcance. Para a surpresa de todos, as metas foram superadas. O industrial Henry Kaiser explicou: ?energia é mais eficiente do que eficiência.? Só para dar uma idéia, na conquista da França em 1940, Hitler usou 3.000 aeronaves, 2.500 tanques, 10.000 canhões e 4.000 caminhões. De 1940 a 1945 os Estados Unidos produziram 296.000 aeronaves, ou um para cada 400 habitantes, 102.000 tanques, 372.000 canhões, 2.5 milhões caminhões (ou um para cada 50 norte-americanos), e mais de 92.000 navios. Os norte- americanos gastaram USS 245 bilhões (na época), equivalente a todos os gastos do governo federal desde a fundação da República em 1776 até o ano de 1940. O historiador inglês D.W. Brogan escreveu, ?Para os americanos, guerra não é arte, é comércio. Eles não acreditam em vitórias morais, mas em vitórias, ponto final.? O contra-exemplo: A Guerra do Vietnã Os Estados Unidos já perderam uma guerra. A do Vietnã. Por quê? Em grande parte, porque os líderes da época não conseguiram, e nem sequer tentaram, concentrar as energias americanas num objetivo claro. Nas suas memórias (Vantage Point), o ex-presidente Lyndon Johnson escreveu, ?O meu maior pesadelo era de ver um avião americano lançar uma bomba na chaminé de um navio chinês na baía de Haiphong, provocando intervenção e a terceira guerra mundial.? Ou seja, Johnson queria evitar os erros cometidos na Coréia. Só que, desta forma, ele não pôde lançar mão justamente das armas e das estratégias que tradicionalmente deram aos americanos as suas vitórias. Na Guerra de Vietnã, por exemplo, nunca houve a figura de um gênio malvado como Hitler, Saddam ou Osama bin Laden. Muito pelo contrário. O líder do Vietnã do Norte, Ho Chi Minh, foi visto como o curioso, brilhante e indomável herói, pai e fundador da nação, que, na realidade, ele era. Enquanto isso, os líderes do Vietnã do Sul eram corruptos e incompetentes. Em meio a este cenário, Johnson não podia alcançar o objetivo da unidade política. Ao mesmo tempo, no campo de batalha, suas mãos estavam atadas pela doutrina de gradualismo. Em 1965, Dwight Eisenhower, ex-presidente e grande militar, o avisou: ?Os EUA não vão ganhar a guerra mandando alguns milhares de tropas hoje e mais alguns milhares amanhã. Tem que mandar um milhão de tropas já. Não mande uma batalhão para tomar um morro; mande uma divisão. Assim, as baixas serão menores e você não terá de tomar o morro de novo amanhã.? Johnson não ouviu. Perdeu a guerra. Perdeu a presidência. Um milhão de vietnamitas e 58.000 americanos perderam as vidas. Os nomes destes últimos estão gravados em muros de mármore num parque em Washington, o que a historiadora Barbara Tuchman chama de ?um grande monumento à tolice dos homens.?