Homem que fugiu de prisão australiana há 30 anos pode ser deportado para país que deixou de existir

Darko Desic se entregou durante a pandemia e terminará de cumprir sentença em 2022; ninguém sabe para onde ele será enviado

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Por Sammy Westfall

SYDNEY - Três décadas atrás, Darko Desic, então com 35 anos, foi sentenciado a 33 meses de detenção na Austrália, por cultivar maconha. Usando a lâmina de uma serra de arco para abrir a janela de sua cela e um pé de cabra para arrombar a cerca do centro prisional, ele fugiu da cadeia em 1992.

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Passou, então, as três décadas seguintes como fugitivo, levando uma vida discreta nos subúrbios do norte de Sydney, trabalhando como faz-tudo na comunidade. Mas após o lockdown na cidade o deixar, aos 64 anos, sem emprego nem lugar para morar, Desic se entregou às autoridades, confessando o crime de ter escapado da prisão quase três décadas atrás.

Ele concordou em cumprir os 14 meses restantes de sua pena de 33 meses, e, na quinta-feira, foi sentenciado a outros dois meses atrás das grades em razão de sua fuga.

Mas havia uma pegadinha: Desic escapou da prisão na década de 1990 por causa de “medos reais”, afirmou o tribunal, de, após cumprir sua pena, acabar deportado para seu país de origem - a Iugoslávia.

Nos meses anteriores à fuga de Desic, pedidos de independência se intensificavam na Iugoslávia, uma federação de seis repúblicas costuradas e comandadas por um regime comunista após a 2.ª Guerra. Eslovênia e Croácia se autonomizaram em junho de 1991, e os outros países as seguiram posteriormente. As sangrentas guerras balcânicas estavam começando, incluindo o conflito bósnio, que irrompeu três meses antes de Desic fugir da cadeia.

Desic se preocupava com a possibilidade de ser obrigado a escolher entre se juntar aos militares nas linhas de combate do conflito ou ser preso, noticiou a agência Associated Press.

Paul McGirr, advogado de Darko Desic, chega a audiência em Sydney Foto: Joel Carrett/AAP

Seu país natal havia se dissolvido, e anos de conflitos brutais se seguiram, deixando mais de 100 mil mortos - tudo enquanto ele vivia como foragido da Justiça do outro lado do mundo.

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Agora que o conflito acabou e ele voltou para a prisão, já no século 21, um novo dilema surge: o que acontecerá com Desic, que não é cidadão australiano, após o cumprimento de sua sentença na prisão? Seu advogado de defesa, Paul McGirr, disse a repórteres que a Força Australiana de Fronteira informou seu cliente que ele será deportado após sua libertação, em dezembro de 2022.

Só não ficou claro para onde.

“Tendo em mente que ele não pode voltar para o mesmo país de onde saiu, a Iugoslávia”, afirmou McGirr, “esperamos que alguém com um pouco de bom senso considere esse caso”.

Em razão de sua condenação original e da fuga da prisão terem ocorrido há tanto tempo e por ele não ter cometido nenhum outro crime nesse ínterim, o tribunal reconheceu que Desic se regenerou, noticiou a Associated Press.

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O trabalho de Desic como faz-tudo lhe garantiu “amor e respeito” da comunidade, afirmou McGirr. O fugitivo vivia com medo constante de ser capturado e evitava utilizar serviços do governo. McGirr afirmou que Desic até arrancou os próprios dentes, noticiou a Australian Broadcasting Corp. Quando a pandemia o deixou em uma situação financeira ruim, ele passou a dormir nas dunas de Sydney. Uma campanha pública de arrecadação de recursos levantou US$ 23 mil para pagar suas contas de advogado e habitação.

Mas o promotor Scott Williams afirmou que o caso evoca uma “ideia romântica” a respeito de fugir da cadeia, similar a uma “travessura”, noticiou a ABC News, definindo a situação com o termo australiano “larrikinism”, uma palavra usada para se referir a aventuras de um malandro de bom coração. O promotor pediu pena máxima para punir a fuga de Desic, não a branda sentença de 2 meses que lhe foi concedida. Para o crime de fuga da prisão, a pena máxima prevista pela lei australiana é de 10 anos de cadeia.

O promotor alegou que era necessário evitar que outros detentos considerem a possibilidade de fugir, deixando claro que eles serão punidos, “sem importar há quanto tempo escaparam quando forem recapturados”, noticiou a AP. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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