Igreja Ortodoxa repreende papa Francisco após pedido para que patriarca não seja ‘coroinha de Putin’

Em entrevista a jornal italiano, líder da Igreja Católica criticou apoio do patriarca Kiril à invasão da Ucrânia

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Por Redação
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A Igreja Ortodoxa Russa repreendeu o papa Francisco nesta quarta-feira, 4, por “usar o tom errado” ao pedir ao patriarca Kiril que não se tornasse o “menino do altar” do Kremlin, alertando o Vaticano que tais comentários prejudicariam o diálogo entre as igrejas.

Francisco disse ao jornal italiano Corriere Della Sera que Kirill, que apoiou a guerra na Ucrânia, “não pode se tornar o coroinha do [presidente Vladimir] Putin”.

A Igreja Ortodoxa Russa disse ser lamentável que um mês e meio depois de Francisco e Kiril, o patriarca de Moscou e de Toda a Rússia, terem falado diretamente, o papa tenha adotado tal tom.

Papa Francisco fez declarações criticando o envolvimento da Igreja Ortodoxa Russa para endossar a Guerra na Ucrânia. Foto: AP Photo/Andrew Medichini

“O Papa Francisco escolheu um tom incorreto para transmitir o conteúdo desta conversa”, disse o Patriarcado de Moscou, embora não tenha mencionado explicitamente o comentário do “altar”.

“Tais declarações não devem contribuir para o estabelecimento de um diálogo construtivo entre as igrejas Católica Romana e Ortodoxa Russa, que é especialmente necessário no momento”.

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Kirill, de 75 anos, é um aliado próximo de Putin e vê a guerra como um baluarte contra um Ocidente, que ele considera decadente, particularmente sobre a aceitação da homoafetividade.

A Igreja Ortodoxa Russa é de longe a maior das igrejas da comunhão ortodoxa oriental, que se separou do cristianismo ocidental no Grande Cisma de 1054. Hoje ela tem cerca de 100 milhões de seguidores dentro da Rússia -- e mais fora.

O patriarca da Igreja Ortodoxa russa, Kiril, durante celebração do Natal. Foto: Kirill Kudryavtsev/ AFP

A Ucrânia tem cerca de 30 milhões de cristãos-ortodoxos, divididos entre a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou e duas outras Igrejas Ortodoxas, uma das quais é a Igreja Ortodoxa Ucraniana autocéfala, ou autogovernada.

Francisco, de 85 anos, pediu uma reunião em Moscou com Putin sobre a Ucrânia, mas o Kremlin disse na quarta-feira que não havia acordo sobre isso.

A Rússia e o Ocidente enquadram o conflito na Ucrânia de formas muito diferentes.

Moscou chama suas ações de “operação militar especial” para desarmar a Ucrânia e protegê-la de nazistas. Kiev e seus apoiadores ocidentais dizem que a alegação sobre nazismo é absurda e dizem que a Rússia está travando uma guerra não provocada que ameaça a continuidade da existência da Ucrânia como um Estado soberano e democrático.

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O Patriarcado de Moscou citou Kirill dizendo ao Papa Francisco em 16 de março que a mídia ocidental falhou em relatar com precisão a situação na Ucrânia – uma queixa russa frequente.

Kirill disse que o conflito na Ucrânia começou em 2014, quando protestos derrubaram um presidente pró-Rússia. Kirill observou o que ele disse ser a perseguição de falantes de russo na cidade portuária de Odessa, na Ucrânia. A Ucrânia nega tal perseguição.

Mas Kirill também expressou tristeza pelo conflito.

“Claro, esta situação está associada a uma grande dor para mim. Meu rebanho está em ambos os lados do confronto, eles são principalmente ortodoxos”, disse o Patriarcado, citando-o.

“Como podemos promover a pacificação daqueles que lutam com o único objetivo de alcançar a consolidação da paz e da justiça?”.

Putin também citou a ampliação da Otan para as fronteiras da Rússia como uma razão para o conflito na Ucrânia, apesar do que ele diz ter sido uma garantia dada quando a União Soviética entrou em colapso de que a aliança não iria se expandir - uma questão que Kirill abordou.

“O patriarca Kirill lembrou ainda que no final da era soviética, a Rússia recebeu a garantia de que a Otan não se moveria uma polegada na direção leste”, disse o Patriarcado de Moscou. “No entanto, esta promessa foi quebrada.”

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Os Estados Unidos e a Otan negam que tais garantias tenham sido dadas, mas dizem que os países são livres para se inscrever em uma aliança que dizem ser puramente defensiva e não representa ameaça para a Rússia./ REUTERS