Durante anos, Angela Merkel pairou acima das leis da gravidade política, tornando seu estilo consensual parte da paisagem alemã, do mesmo modo que os castelos de contos de fada, a engenharia de precisão e os outubros cheios de cerveja. Mas os primeiros dias do seu 13.º ano como chanceler foram marcados por um choque de realidade. Toda carreira política chega o fim e a de Merkel pode acabar mais rápido do que se previa.
O capital político da chanceler vem diminuindo e ameaça deixar um vazio não apenas na Alemanha, mas no Ocidente, já que ela é considerada um contraponto internacional ao chauvinismo de Donald Trump. Os problemas de Merkel começaram com um resultado eleitoral frustrante, em setembro. Aumentaram quando sua primeira tentativa para formar um novo governo fracassou, em novembro. E cresceram nos últimos dias com pesquisas mostrando que os alemães estão cansados da sua liderança.
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Merkel precisa agora reunir às pressas uma coalizão e evitar uma nova eleição em que poderá perder o cargo. “O tempo está acabando”, disse seu biógrafo Stefan Kornelius, jornalista do Süddeutsche Zeitung, de Munique. “Ela está sob enorme pressão para formar essa coalizão.”
Mas, mesmo que consiga, os danos sofridos já são enormes. Vista antes como invencível, Merkel está tão vulnerável a ponto de a discussão na Alemanha hoje girar em torno de uma questão que só era mencionada em voz baixa: quem será o próximo chanceler?
Os candidatos são muitos, mas o que salva Merkel, no momento, é o fato de não haver um sucessor óbvio. “O mundo vem sendo tragado pelo trumpismo, pelo populismo e pela vulgaridade”, disse Kornelius. “E não há alternativa visível. Merkel tem de provar que essa alternativa ainda existe.” O problema é que ela pode não ter essa chance.
Pesquisa do jornal Bild, realizada em dezembro, indicou que a metade do país não quer que ela conclua um quarto mandato. Outra sondagem, do Die Welt, foi ainda mais dura: metade do país gostaria que ela renunciasse imediatamente. “Ela está encarregada de formar um governo, mas não conseguiu”, afirmou Thomas Kleine-Brockhoff, diretor do German Marshall Fund. “É um fracasso atribuído a ela.”
Além disso, o argumento principal para ela se manter no poder está se desgastando. “Merkel sempre se posicionou como guardiã da estabilidade”, disse Kleine-Brockhoff. “Mas, nas atuais conversações, a presença dela é desestabilizadora.” Os social-democratas (SPD), os únicos que podem dar sustentação ao governo democrata-cristão (CDU), de Merkel, estão loucos para se verem livres dela. A base do SPD terá de aprovar qualquer acordo, o que pode ser um obstáculo.
Mesmo dentro do próprio partido de Merkel tem gente que defende sua saída para assegurar uma transição pacífica. “Estamos no último período de governo de Merkel e ele será muito influenciado pela questão da sucessão”, disse Kleine-Brockhoff.
Jens Spahn, de 37 anos, a estrela em ascensão da CDU, não quer que Merkel ceda nada para os social-democratas, transparecendo seu interesse pessoal em liderar o partido em caso de novas eleições.
Para o deputado Jürgen Hardt, um dos porta-vozes da CDU para assuntos de política externa, está na hora de Merkel promover um sucessor e permitir que a geração mais jovem mostre sua cara. “Há novos rostos no cenário político. E a CDU têm de se conscientizar de que a política exige, às vezes, mostrar alguma coisa nova”, disse.
Há muito isso não ocorre na Alemanha. Dos líderes mundiais que se mantiveram tanto tempo no poder, a maioria é formada de autocratas que governam com punho de ferro. Merkel sempre se colocou como uma antiautocrata, defensora dos valores democráticos numa época em que eles parecem cada vez mais ultrapassados.
Segundo Jürgen Falter, professor da Universidade de Mainz, o fim da era Merkel terá repercussão global. “Se ela deixar o governo, vai enfraquecer a União Europeia e aqueles que não querem que o Ocidente seja liderado por Trump”, disse. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO